Política

Vox Populi embaralha jogo
eleitoral em Santo André

DANIEL LIMA - 22/08/2016

Saiu a primeira pesquisa eleitoral oficial em Santo André. O resultado é de tão fácil compreensão como acreditar que um taxista da metrópole seria capaz de controlar painéis da NASA, agência espacial dos Estados Unidos que levou o homem à Lua. Quem fez o inventário da situação atual dos candidatos a prefeito em Santo André foi o Instituto Vox Populi, em resultados publicados no jornal ABC Repórter. Os números são do instituto, claro. A interpretação é minha. Não sou um taxista na NASA. Acho que posso colocar alguma claridade onde existe muita nebulosidade. O resultado certamente será um embaralhamento total. É impossível consertar o que é complexo demais por causa da metodologia aplicada.

Para começo de conversa, é difícil afirmar peremptoriamente quem está na liderança da disputa quando se conta com margem de quatro pontos percentuais como referencial à análise. Sabem lá o que são quatro pontos percentuais? Quem tem quatro pontos à frente do segundo colocado pode ter nada menos que 11 de vantagem ou seis de desvantagem. Entenderam? Vou explicar.

Os números do Vox Populi apontam que Aidan Ravin (PSB) tem 17% das intenções de votos, contra 14% de Carlos Grana (PT) e 9% de Paulinho Serra (PSDB) o terceiro colocado. Como a margem de erro é de quatro pontos para cima ou para baixo, pode ser que o resultado seja o seguinte: Paulinho Serra 13%, Aidan Ravin 13% e Carlos Grana 11%. Entenderam o empate técnico? Mas a dança numérica está longe de terminar. Pode ser também que Grana tenha 18%, Aidan 13% e Paulinho Serra 5%. Ou mesmo Aidan 21%, Grana 10%, Paulinho 5%. Durma-se com um barulho numérico desses.

Elasticidade demais

Entenderam que tudo é possível com essa imensidão de margem de erro? Já imaginaram se os especialistas da NASA trabalhassem com tamanha elasticidade de interpretação de dados? As probabilidades de lançamentos desastrosos seriam escandalosamente perigosas.

Ainda bem que pesquisas eleitorais não têm parentesco com lançamentos espaciais tripulados ou não. Por isso, a metáfora envolvendo o taxista foi uma forçada de barra para chocar quem imagina que pesquisa eleitoral é um compromisso irredutível com as probabilidades factuais. Pelo menos em situações como as que colocam tantos pontos percentuais em jogo.

Mas não são apenas os quatro pontos percentuais que tornam a pesquisa do Instituto Vox Populi intrigante interrogação sobre as possibilidades dos candidatos em Santo André. A imensidão de eleitores que não decidiram em quem votar, que votarão em branco ou que vão anular o voto, agrava o risco de quem se meter a construir certezas ou quase certezas onde só existem brumas. O melhor mesmo nesta altura do campeonato é precaver-se. Frases definitivas são um buraco no meio do caminho.

Voto espontâneo baixo

O voto espontâneo – quando o pesquisador pergunta ao eleitoral em quem pretende votar sem lhe oferecer materialmente a relação dos candidatos – conta com apenas 23% de participação. Nada menos que 49% disseram em Santo André que não sabem em quem votar e outros 28% afirmaram que não vão votar em ninguém ou anularão os votos. Ou seja: mais de dois terços do eleitorado são donos do que chamo de votos sucateados.

Votos sucateados viram votos estimulados quando submetidos a nova indagação dos pesquisadores – em quem o eleitor vai votar? – com a imediata apresentação da relação dos concorrentes. É no voto espontâneo, entretanto, que se tem a convicção do eleitorado. O ex-prefeito Aidan Ravin contou com 9% dos votos espontâneos, que saltaram para 17% quando na etapa seguinte de questionamento -- dos votos estimulados. Carlos Grana saiu dos mesmos 9% e chegou a 14%. Se for aplicada a margem de erro de quatro pontos percentuais, a algazarra numérica volta a dar as cartas, claro.

Paulinho Serra só contou com 2% dos votos espontâneos, contra 1% de Raimundo Salles e 1% da soma dos demais candidatos. Quem espera pela vitória do tucano Paulinho Serra pode usar uma esgrima matemática com certa fundamentação: o tucano apresentou o maior índice de voto potencial ao saltar de 2% dos votos espontâneos para 9% dos votos estimulados. Mais de 400% de avanço.

Os líderes Aidan Ravin e Carlos Grana não alcançaram nem 200% de avanço entre uma etapa e outra. Pode-se dizer que a memória eleitoral funcionou bem na primeira abordagem do pesquisador do Vox Populi, mas rateou na prospecção do voto estimulado. Pode-se dizer também que as duas candidaturas ratearam depois da larga do voto espontâneo.

Argumentos para Salles

Também não faltariam a Raimundo Salles, o quarto colocado mais lembrado pelos eleitores, argumentos sólidos com base na margem de erro de quatro pontos percentuais. Com 6% das indicações, o concorrente do PPS pode ter 10% numa mesma raia de interpretação em que Paulinho Serra teria 5%, Carlos Grana 10% e Aidan Ravin 13%.

Como na pesquisa espontânea Raimundo Salles obteve 1% das intenções de voto e na estimulada chegou a 6%, sem considerar a margem de erro para cima ou para baixo, o candidato pode propagandear que entre todos os concorrentes foi o que mais evoluiu de um conceito para outro, chegando a 600% de crescimento quando seu nome é explicitamente exposto aos eleitores. Ou seja: deu uma largada ruim no voto espontâneo, mas avançou no estimulado.

O índice de voto sucateado em forma de voto espontâneo cai consideravelmente com a mostra do cartão com os nomes dos concorrentes para a apuração do voto estimulado. Nada mais lógico em todas as pesquisas eleitorais. De 77%, os votos sucateados caem para 49% após a soma dos votos de todos os concorrentes nos votos estimulados. Um total de 29% disse que votaria em branco ou nulo, enquanto outros 20% estão indecisos e não souberam responder.

Esses dados significam, em linhas gerais, que nada menos que metade do eleitorado de Santo André ainda está bandeada para o voto sucateado – aquele do descarte em forma de voto em branco, voto nulo ou voto de quem não escolheu ninguém.

A média história de votos nulos, brancos e de absenteísmo (eleitores que não comparecem às urnas eletrônicas) é de 30% na Província do Grande ABC, com oscilações em alguns municípios. Portanto, há excesso de eleitores indiferentes, céticos ou desiludidos. Quem conseguirá capturar parte desse manancial? Ou pior: será que os votos sucateados pós-disputas serão mais que 30% dos votos cadastrados?

Quem paga o pato?

Tudo indica, pela pesquisa do Instituto Vox Populi, que tanto Carlos Grana como Aidan Ravin, atual prefeito e ex-prefeito, podem pagar o pato. Aidan Ravin tem rejeição de 32% dos eleitores, contra 16% de Carlos Grana. Os demais praticamente estão a salvo de grandes obstáculos prévios – até porque são menos conhecidos dos eleitores.

Há quem considere o índice de rejeição a Carlos Grana baixo demais num momento em que o PT sofre as duras consequências do escândalo do Petrolão e do afastamento de Dilma Rousseff. Não foi possível definir pela publicação da pesquisa no jornal ABC Repórter se os índices de rejeição estão vinculados exclusivamente ao total de eleitores que se definiram por uma das candidaturas, ou sobre o universo dos eleitores pesquisados. Se for o primeiro caso, levando-se em conta que 49% formam o exército de voto sucateado quando submetidos ao escrutínio de voto estimulado, os números de rejeição a Carlos Grana e Aidan Ravin são elevadíssimos.

É muito provável que os demais candidatos à Prefeitura de Santo André estejam cuspindo fogo contra o Instituto Vox Populi. Ailton Lima, do Solidariedade, tem números internos, de pesquisas particulares, bem diferentes dos 3% atribuídos na sondagem. Ricardo Alvarez (Psol) não passa de 2% e Rafael Daniel, sobrinho de Celso Daniel, do PMDB, registra apenas 1%.

Possivelmente todos eles usem a margem de erro para cima a fim de catapultar os números esquálidos que detêm. O então democrata Fábio Picarelli, que desistiu de concorrer em cima da hora, não somou mais que 1%. Possivelmente o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santo André decidiu sair da disputa antes que ficasse evidente que a disputa já havia saído dele.

Conhecimentos danoso?

Um dado que lota de esperança os concorrentes que querem ver a caveira de Carlos Grana e de Aidan Ravin é uma associação de votos sucateados e o conhecimento popular de candidaturas. Tanto Aidan Ravin quanto Carlos Grana são conhecidos pela grande maioria do eleitorado, segundo garante o Instituto Vox Populi. O raciocínio sustentado pelos 20% de eleitores indecisos mesmo com o voto estimulado é de que tanto o petista quando o peessebista estão riscados da relação de potencial de escolha desse grupo.

Sobre os demais 29% que pretendem votar em branco ou anular o voto, conforme resultado do voto estimulado, quantos seriam igualmente descrentes de Carlos Grana e de Aidan Ravin e, mais que isso, quantos, complementarmente, poderiam rever posição ao levarem em conta as ações de marketing dos demais candidatos?

Como se observa, não faltam interpretações que levam a disputa pela Prefeitura de Santo André muito além da simplicidade interpretativa. A margem de erro de quatro pontos percentuais transformou a pesquisa em Santo André em ambiente apropriado para trapalhadas monumentais no painel de controle de avaliações.