Política

Perguntas que me levam a não
fazer perguntas aos candidatos

DANIEL LIMA - 25/08/2016

A pergunta que mais tenho ouvido ultimamente é sobre a intenção de questionar os candidatos às prefeituras da Província do Grande ABC. São nada menos que 50 concorrentes. Poderia selecionar os mais competitivos e mandar bala. Mas não estou convencido de que valeria a pena.

Vou tentar explicar as razões que me movem a não atender aos pedidos. A coluna do ex-ministro Delfim Netto no jornal Valor Econômico de ontem fortaleceu a disposição de não incomodar os candidatos.

Como perguntar a eles perguntas que provavelmente não serão respondidas?  Sim, perguntas que provavelmente não serão respondidas, porque a mídia em geral os acostumou com apenas o que pode ser respondido sem criar constrangimentos.

Não pretendo entrevistar nenhum dos candidatos porque sei que vou perder tempo. Poucos deles terão discernimento, coragem e determinação de trafegar pelo terreno pantanoso da sinceridade.

Muitos candidatos correrão como lebres diante de um predador. Eles não reúnem essencialidades às respostas. E outros simplesmente ignorarão as questões porque estão mais preocupados com o próprio umbigo do populismo barato.

Entrevistas Indesejadas

Para começo de conversa, se fizesse os questionamentos possivelmente enquadraria os concorrentes não na editoria de “Entrevista Especial”, mas de ”Entrevista Indesejada”. Explico: o conjunto de perguntas que formularia aos principais concorrentes seria desagradável não necessariamente ao destinatário, mas ao entorno do destinatário.

Para os leitores entenderem o que estou pretendendo dizer, nada melhor que breve exercício de “Entrevista Indesejada?”, modalidade a que poucos até agora tiveram coragem de responder. Fui sabatinado duas vezes pelos leitores e respondi a todas as perguntas. O empresário Milton Bigucci foi solicitado em sete tentativas. Desapareceu do radar de respostas. Trata-se de um recordista. Vamos experimentar algumas perguntas indesejáveis?

Vejam esse questionamento ao prefeito Carlos Grana, em Santo André: 

 Como o senhor explica que, ao receber uma Prefeitura escandalosamente atingida pelo caso Semasa, não tenha deflagrado iniciativas transparentemente públicas para aprofundar as investigações e retirar a bizarra conclusão do Ministério Público que denunciou ao banco dos réus apenas os representantes do Poder Público, mantendo os empresários corruptos à margem de qualquer complicação?

Vejam esse questionamento ao ex-prefeito e candidato Aidan Ravin: 

 O denunciante do escândalo do Semasa, advogado Calixto Antônio Júnior, nomeado àquela autarquia pelo senhor, afirmou que mais de 40 grandes empreendimentos imobiliários tiveram a marca da corrupção como cartão postal durante sua gestão. O senhor acredita que seu homem de confiança num organismo responsável pela emissão de licença ambiental cometeu ato de estupidez ou retratou fielmente a dimensão daquele caso?

Vejam esse questionamento ao candidato petista em São Bernardo, Tarcísio Secoli: 

 O senhor tem receio de que as lambanças do PT em nível federal, que passaram também pelos níveis estaduais e municipais porque dinheiro de propina foi espalhado à grande massa dos candidatos da agremiação, atinjam sua campanha na reta de chegada do primeiro turno?

Vejam esse questionamento ao candidato Alex Manente, adversário do PT em São Bernardo:

 Como o senhor reage às declarações do deputado estadual Orlando Morando, seu adversário nas eleições municipais deste ano, de que coleciona fotos públicas com os petistas da cidade? O senhor é capaz de jurar que não é  espécie de caixa dois do PT na disputa eleitoral deste ano, entendendo-se como caixa dois o candidato que contaria, por baixo dos panos, com suporte do Paço Municipal num eventual segundo turno contra Orlando Morando?

Vejam esse questionamento ao candidato tucano Orlando Morando à Prefeitura de São Bernardo: 

 O senhor não acha, num exame de consciência parlamentar, que se excedeu quando repetiu um jargão do governador Geraldo Alckmin que, ao se referir à chegada do trecho sul do Rodoanel, que passa apenas tangencialmente pela Província do Grande ABC, disse que nos transformamos na esquina mais importante do País? O senhor não estaria devendo uma nova jornada pública que tenha o Rodoanel como assunto, já que tanto se empenhou pela obra na região, desta feita de forma crítica? Não falta um balanço sério, responsável, comprometido, sobre os pontos positivos e os pontos negativos do trecho sul do Rodoanel?

Vejam esse questionamento ao candidato peemedebista Paulo Pinheiro à Prefeitura de São Caetano:

 Depois de ser eleito em 2012 contando com dinheiro e força logística do PT regional, então sob fortíssimo controle do prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo, como o senhor interpreta avaliações de pesquisas eleitorais que o colocam sob suspeição após a disseminação daquela operação cuidadosamente omitida pela maioria da mídia regional? O senhor tem receio de que a pecha de encabrestamento petista em São Caetano possa destruir sua caminhada rumo à reeleição?

Vejam esse questionamento ao tucano José Auricchio Júnior, candidato à Prefeitura de São Caetano: 

 Como o senhor reage às criticas dos adversários de que deixou espécie de herança financeira maldita ao seu sucessor, Paulo Pinheiro, por conta de supostamente gastar mais do que deveria em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal? Não lhe incomoda tanta cobrança dos adversários que o veem como perdulário?

Parando por aqui

Acho melhor para por aqui. A amostra-grátis já parece suficiente para justificar a premissa de que não pretendo participar do processo eleitoral como jornalista que não se contenta com o lugar-comum da imprensa regional. Pratica-se jornalismo água com açúcar há tanto tempo em campanhas eleitorais que, quem ousa quebrar a rotina, é visto como atrevido e prepotente.

Se o caso é jogar o jogo de amenidades, o melhor mesmo é abrir mão de qualquer ação jornalística. Não quero perder meu tempo com candidatos que, repito, fugirão da raia.

Estou com o professor emérito da Universidade de São Paulo e ex-ministro Delfim Netto. Ele escreveu no Valor, nos parágrafos finais, algo sobre a razão de esta revista digital insistir tanto em mostrar e analisar estatísticas econômicas, sociais, criminais e financeiras sobre o G-22, o grupo das maiores economias do Estado de São Paulo. Vejam o que disse, referindo-se à maioria dos municípios brasileiros: 

 A situação é difícil, mas o início do conserto está em nossas mãos. Em outubro de 2016 não vote nem no prefeito nem nos vereadores do seu município sem conhecer em profundidade o que eles fizeram ou pretendem fazer com as finanças municipais. 

Delfim Netto desconhece a realidade dos municípios brasileiros quando se cruzam a demagogia dos poderosos de plantão na política e os limites da mídia de superficialidades no período eleitoral. O varejismo impera no jornalismo regional daqui e de tantas outras geografias. É difícil escrever sobre assuntos supostamente herméticos. A banalização da pauta é um tratado suprapartidário.



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