O DataDiário, Instituto de Pesquisas do Diário do Grande ABC, cuja morfologia é um mistério, divulgou hoje nas páginas do jornal mais tradicional da região os resultados de pesquisa eleitoral dos concorrentes às sete prefeituras locais. Faço analogia com o caso do Residencial Ventura, construído em terreno contaminado no Bairro Jardim, em Santo André, e que resultou em denúncia contra os empreendedores. Se no caso do Ventura escrevi fartamente que não teria coragem de ser um condômino, no caso do DataDiário não tenho coragem de avançar nas análises dos resultados.
Com margem de erro de cinco pontos percentuais para cima ou para baixo, a pesquisa assemelha-se a aspectos típicos de chutometria. Cinco pontos percentuais para cima ou para baixo não é margem de erro. É abismo de erro.
Qualquer avaliação que faça sobre os resultados dos votos estimulados ou mesmo dos votos espontâneos com essa margem de erro subjacentemente presente, seria como cavar minha própria sepultura informativa.
Reviravolta total
Não é possível ter segurança de análise diante tamanho buraco a separar os resultados. Tanto é verdade que a aplicação da margem de erro levaria a reviravoltas. Isso significa que quem está em segundo ou mesmo em terceiro, para não dizer em quarto, como há caso, poderia dinamitar os números dos demais concorrentes. Ou seja: quem está em quarto passaria à primeira colocação e quem está em primeiro seria levado ao quarto.
Querem um exemplo dessa barbaridade? Em Ribeirão Pires, Kiko Teixeira lidera com 16,0% dos votos, contra 12,0% de Dedé da Folha, 10,5% de Luiz Carlos Grecco e 8,3% de Saulo Benevides. Com a aplicação arbitrária da margem de erro de cinco megapontos percentuais, Saulo Benevides subiria para 13,3%, Kiko Teixeira cairia para 11,0%, Dedé da Folha para 5,5% e Luís Carlos Greco para 3,3%. Durma-se com um embaralhamento destes.
Outras maquinações numéricas podem ser elaboradas ao sabor da margem de abismo do DataDiário. Somente nos casos de São Bernardo, Mauá e São Caetano a margem de erro não alteraria o posicionamento dos primeiros colocados, porque a diferença numérica ultrapassa esse limite. Que limite? De puxar para cima quem está logo abaixo e de puxar para baixo quem está acima.
Números embrutecidos
Sempre insisto à metabolização do conceito de margem de erro. É obre esse terreno movediço que se constroem fantasias numéricas escamoteadas em análises. Joga-se para a plateia. Entenda-se como plateia o grosso dos consumidores de informação que se deixam levar única e exclusivamente pelos números brutos apresentados nos respectivos quadros.
Comparo a divulgação de pesquisas que deixam sob escombros de malícias a margem de erro alargada demais -- entre outros quesitos – com a ausência de placas de advertência nos zoológicos sobre os cuidados à aproximação de animais ferozes. A margem de erro de cinco pontos é um leopardo estatístico mantido enjaulado num habitat de bichos-preguiça. A qualquer momento um intrometido visitante pode estragar a festa ao libertar o animal. Talvez eu seja esse visitante.
Sei que não faltarão os idiotas de sempre que verão também neste artigo uma conspiração contra este ou aquele candidato, mesmo que saibam esses idiotas a serviço de bandidos sociais que não tenho rabo preso com ninguém.
Temática antiga
Em setembro de 2008 (portanto há oito anos) escrevi um artigo sobre esse assunto, o qual consta do acervo desta revista digital. O título “Margem de erro” é convidativo à leitura. Passo aos leitores alguns trechos daquele trabalho jornalístico:
Não me peçam para explicar tecnicamente o significado de margem de erro em pesquisas eleitorais. Os chamados cientistas políticos são especialistas em manipular a semântica por si só já bastante elástica do mundo político. Margem de erro é carro alegórico respeitável quando se pretende carnavalizar análises. Sei que margem de erro é recurso de comedimento, de cautela, de frenagem, mas também sei que institutos a utilizam em muitos casos como jogada para encontrar sempre uma resposta tecnicamente competente que justifique surpresas nas urnas. É o anteparo da desilusão possível que precisa ser acondicionada num cantinho qualquer para salvar a honra.
Querem mais sobre margem de erro daquele artigo de 2008?
Não chegaria ao extremo de dizer que margem de erro é mecanismo de fuga de responsabilidade. Estaria ofendendo o pessoal da retaguarda cientifica que queima as pestanas para cercar o touro bravio de eleitores nem sempre sinceros que fazem do campo aberto do voto secreto plantação de malandragem. Convenhamos que uma pesquisa com margem de erro de cinco pontos percentuais não pode ser levada a sério do ponto de vista jornalístico, porque, simplesmente, implodiria qualquer argumentação, mesmo a mais sólida.
Os mesmos cinco pontos
Viram o que escrevi no último parágrafo? Coincidentemente, são os mesmos cinco pontos percentuais do DataDiário anunciados hoje. Mas prossigo na reprodução de parágrafos produzidos há oito anos:
Uma pesquisa com margem de erro de cinco pontos pode ser irredutivelmente sólida como argumentação dos especialistas em numerologia eleitoral para justificar a vitória de um candidato que estivesse a 10 pontos percentuais do adversário. Basta fazer uma operação matemática simples: rebaixam-se os cinco pontos percentuais de quem está na frente e eleva-se o mesmo tanto de quem está abaixo. Pronto, é empate técnico. Sou terminantemente contrário ao uso descarado da margem de erro por veículos de comunicação. Em determinadas situações a margem de erro é olimpicamente desdenhada quando poderia prejudicar o candidato preferido do dono do negócio da informação, enquanto em outros casos faz-se esforço fenomenal para realçá-la, exatamente por conta de motivo inverso.
Agora, acompanhe os últimos trechos que separei daquele artigo esclarecedor do meu posicionamento histórico sobre a margem de erro:
Querem saber, por fim, o que faço da margem de erro? Lanço na coluna do descartável como argumento matemático, embora a respeite como elemento de análise do qual posso, eventualmente, em circunstâncias que exigem mesmo ponderação mais refletida, lançar mão. Entretanto, nada que represente forçada de barra a ponto de mudar o núcleo do material jornalístico que se resume no chamamento avaliativo de que quem está na frente, em segundo, em terceiro ou em outras posições, é quem aparece respectivamente com mais percentuais dos eleitores.
Amadurecimento crítico
Oito anos depois acho que amadureci o conceito sobre margem de erro com base em experiências vividas, não contadas por terceiros. Resumidamente, diria que margem de erro além de dois pontos percentuais transforma qualquer pesquisa eleitoral em imenso potencial de manipulação e, portanto, não pode ser levada a sério como produto de análise jornalística ou não.
Isso explica por que não vou discorrer sobre os números do DataDiário. Gostaria de saber o que pensa sobre o tema o responsável pela pesquisa, cujo nome não é mencionado nas páginas do jornal. Pelo passado recente, seria o professor da USCS, Universidade de São Caetano, Leandro Prearo. O mesmo profissional que na temporada de 2012 cometeu série de barbaridades estatísticas mas, como tantos outros que fazem dos números experimentos quixotescos, teve a ousadia de afirmar, em entrevista ao jornal, que acertou todos os resultados das urnas.
Escolha as opções
Para encerrar, coloco à apreciação e escrutínio dos leitores quatro alternativas que, historicamente, colocam as estatísticas no banco dos réus. Façam suas escolhas simples ou múltiplas:
“Usa-se a estatística como um homem bêbado usa um poste: mais para apoiar que para iluminar” (Andrew Lang, escritor escocês).
“Se você torturar os dados por tempo suficiente, eles confessam” – (Ronald Coase, economista britânico).
“Análise formal de série temporal é maravilhosa quando leva a respostas robustas para questões interessantes. A experiência sugere que dificilmente isso acontece” (Robert Solow, economista americano).
“Há duas formas de mentira: a mentira e a estatística” – George Bernard Shaw, dramaturgo irlandês.
Total de 895 matérias | Página 1
19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)