Política

Previsão eleitoral: 700 mil
votos sucateados na região

DANIEL LIMA - 09/09/2016

Estou apostando com quem quiser: vamos ter nesta temporada 700 mil votos sucateados no primeiro turno das eleições municipais na Província do Grande ABC. Votos sucateados são votos em branco, votos nulos e votos de eleitores que deixarão de comparecer às zonas eleitorais.

Setecentos mil votos sucateados. Repito: setecentos mil votos sucateados. Isso significa, em números redondos, 35% dos eleitores cadastrados na região. Será um recorde histórico.  Nada mais autoexplicativo para o momento político de esculhambação generalizada.

A história de que voto é instrumento democrático deve ser relativizada.  Os coronéis urbanos e rurais se elegem continuamente também com o anteparo redentor desse pressuposto. Democracia de verdade é o eleitorado a monitorar os passos dos eleitos.

Na Província do Grande ABC isso é uma balela. Tudo não passa de embuste, com ampla conivência da Imprensa. Onde não viceja a cidadania, a democracia em múltiplas dimensões vai para a lata do lixo. Onde não viceja a cidadania e a ideologia fundamentalista dá as cartas e joga de mão, democracia não passa de pilantragem semântica.

As agremiações políticas estão tão desacreditadas quanto seus patronos. Entretanto, acreditar que a Província do Grande ABC é o esgoto da falsificação da democracia é levar ao paroxismo o que contabilizamos de forma racional – somos sim uma porção mentirosamente avançada no campo político, mas também não somos bobos.

Bandidagem social

Atingimos ao longo dos anos o fundo do poço em alheamento a tudo que diz respeito aos interesses coletivos. Os bandidos sociais tomaram conta das praças. Mas não estamos mortos. Por isso, em larga escala, deveremos superar a média de votos sucateados do País. Seremos mais rigorosos no desprezo à classe política. Mesmo que alguns representantes dos clubes partidários mereçam tratamento menos implacável.

Não aposto em 35% de votos sucateados na Província do Grande ABC na primeira rodada porque teria vocação a chutometrias. É verdade que há uma porção especulativa respaldada por intuição a me mover nesse sentido, no sentido de apontar aquele percentual. Mas como a psicologia explica que intuição tem certo grau de fundamentação, não desprezo esse condimento na análise.

Nas eleições de 2012, quando o País vivia situação econômica e política menos deletéria que a atual, a Província do Grande ABC apontou ao final do primeiro turno 29% de votos sucateados. Suponho acréscimo de 20% nesse contingente de eleitores desiludidos, cansados, decepcionados e tudo o mais. Alguém pensaria diferente?

Se é tão certo  como o dia que vai raiar amanhã que teremos uma enxurrada de votos sucateados, muitos dos quais sujeitos a se converterem em votos reciclados em prováveis segundos turnos, no cômputo geral é certo que o PT vai perder a hegemonia das últimas eleições. Sim, quando somarem os votos avermelhados e os votos azulados, que consistiriam em votos petistas e antipetistas, desta feita, por conta de tudo que a sociedade sabe de cor e salteado, os tucanos e assemelhados vão emergir como vencedores.

Margem escassa

Nas eleições de 2012 houve vitória por margem escassa de votos favoráveis ao Partido dos Trabalhadores. O PT ficou com 51,29% dos votos válidos ante 48,71% dos azulados e assemelhados. Não contabilizamos em favor do PT os votos do peemedebista Paulo Pinheiro, em São Caetano. Apoiado fortemente por Luiz Marinho, prefeito petista de São Bernardo, Paulo Pinheiro saiu vitorioso porque a informação de que estava aliado ao petismo foi omitida o tempo todo. Como, apesar de diferenças, está sendo também nesta temporada. a invasão dos bárbaros é mais discreta. Até porque o caixa dois foi abatido pela Operação Lava Jato. Mas agora a carga é duplamente pesada: o PT tradicional é detestado em São Caetano e o PT pós-Petrolão é simplesmente odiado.

Das eleições de 2012 o PT saiu com vitória nominal em três municípios (Santo André, São Bernardo e Mauá) e um estoque de 83% do PIB (Produto Interno Bruto) da região. Nesse caso, contabiliza-se a vitória de Paulo Pinheiro como acervo petista. Ninguém que tenha o juízo no lugar seria capaz de apostar que se repetiria nesta temporada tamanha conquista. Se registrar Santo André e Mauá como sucesso entre as sete alternativas de poder, o PT certamente se dará por muito satisfeito. E desta vez nem São Caetano seria adicionada como caixa dois de vitória do partido.

Nacionalização pesa

Embora o placar geral de 2012 seja relevante ao arbitramento de perspectivas eleitorais para esta temporada, porque eleições municipais têm maior porção (embora longe de ser única) de agendas igualmente municipais, não se deve desconsiderar o que chamaria de tendência ideológica, no caso antipetista, que saiu das urnas presidenciais de dois anos atrás. Naquele outubro – ainda sem os estragos midiáticos do Petrolão – o PT perdeu de goleada a disputa presidencial na região. A maioria de 1,8 milhão de eleitores que foram às urnas acabou com a hegemonia petista, que se consumou nas três eleições presidenciais anteriores.

Se com Lula da Silva em 2002, quando o partido nascido na região chegou ao poder federal pela primeira vez com 62,38% dos votos válidos, com Dilma Rousseff não passou de 41,68%. Bem atrás dos 58,32% de Aécio Neves. Será que esse placar geral se repetiria após o primeiro turno de outubro?

Nas eleições presidenciais de dois anos atrás o PT só ganhou em dois dos municípios da região. Vitória de verdade foi em Diadema, onde o partido perdeu a eleição municipal de dois anos antes. Dilma Rousseff obteve em Diadema um resultado acima do registrado no Brasil – 53,85% contra 46,15% de Aécio Neves.

A esperança do petista Manoel Maninho é repetir Dilma Rousseff contra o prefeito Lauro Michels. Nem os próprios petistas acreditam na possibilidade. Em Rio Grande da Serra do PSDB de Gabriel Maranhão, Dilma Rousseff ganhou raspando, de 50,61% dos votos, contra 49,38% de Aécio. Quase se repetiu o resultado nacional.

Profecia confirmada

Num artigo que escrevi logo após as eleições presidenciais na região, em 27 de outubro de 2014, fiz breve incursão rumo ao futuro, nas eleições de 2016 -- essas que estão se aproximando. Leiam o que escrevi:  

 Dentro de dois anos uma nova eleição municipal será disputada. E tudo indica que pelo andar da carruagem a situação poderá se agravar ainda mais (para o PT) nas urnas eletrônicas. A perspectiva de que o governo federal vai correr atrás do prejuízo durante as duas próximas temporadas para recolocar nos trilhos um trem de erros macroeconômicos e microeconômicos significa que correções dolorosas vão ser obrigatórias. Sem as benesses de demanda em alta de produtos agrícolas e minerais como nos quatro últimos anos do governo Lula da Silva e também sem a força consumista de uma classe emergente que já experimenta o revés da quebra da mobilidade social, tudo indica que o PT vai ter de rebolar para os próximos embates. Particularmente na região, onde as montadoras de veículos emitem claros sinais de esgotamento da paciência de suportar custos adicionais com a mão de obra ante a quebra de produção, não é difícil nem precipitado sugerir que os pálidos resultados presidenciais de agora poderão parecer saudáveis num futuro próximo. O PT regional já ultrapassou os limites de uma encruzilhada: escolheu o caminho errado, do politiquismo vadio e do corporativismo sindical que só enxergam o próprio umbigo. A sociedade cansou e reagiu nas urnas. Falta reagir em outros tipos de manifestações. Mas aí é outra história – escrevi em outubro de 2014.

Santo André recordista

Voltando às eleições municipais desta temporada, talvez Santo André repita o desastre regional de quatro anos atrás e volte a eleger um prefeito com pouco mais de um terço dos votos válidos, os quais consistem em votos destinados ao candidato do partido entre todos os eleitores cadastrados no Município. Se a passagem de Carlos Grana ao segundo turno já é um desafio, superar seja lá quem for o adversário do segundo turno, provavelmente Aidan Ravin, será ainda mais complicado. E olhem que Aidan Ravin não é lá uma flor político-administrativa que se cheire, porque deixou Santo André ao final do primeiro mandato, derrotado por Carlos Grana, com um rastro de irregularidades principalmente no setor imobiliário.

Em 2012, Carlos Grana somou no segundo turno apenas 36,95% dos votos gerais. Aidan Ravin somou 31,57% e nada menos que 31,47% optaram por votos em branco, nulos ou simplesmente não compareceram aos locais de votação. Se esses resultados se referem a um segundo turno no qual duas forças de combate monopolizam a atenção dos eleitores, afunilando o interesse, o que dizer numa rodada de primeiro turno com um confuso exército de candidatos (são nove) e um desprezo olímpico pela classe política, conforme vomitam pesquisas sérias?

As características das disputas eleitorais municipais desta temporada (pouco dinheiro de financiamento, escândalo da Petrobras, menos tempo para campanhas, desânimo dos eleitores com os políticos, desemprego estrutural numa região que depende demais do setor automotivo, inflação, endividamento e inadimplência, escuridão midiática, entre tantos problemas) favorecem projeção de hecatombe nas urnas.

Por essas e por outras a memória eleitoral poderá fazer a diferença. Candidatos mais conhecidos e mesmo que mais rejeitados deverão chegar entre os primeiros onde houver dispositivos legais para novo turno, da mesma forma que, nos municípios de turno único, poderão viver situações embaraçosas se os níveis de desconfiança do eleitorado forem maiores que o potencial de convencimento. 



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