Política

Prefeiturável faz uma proposta
maluca. Ou é proposta genial?

DANIEL LIMA - 22/09/2016

A proposta mais maluca (no sentido literal do termo) ou mais genial (no sentido igualmente literal do termo) até agora entre tudo o que foi publicado nos jornais locais às vésperas das eleições municipais partiu de Kiko Teixeira, candidato ao Paço de Ribeirão Pires. Ele administrou durante dois mandatos seguidos a pequena Rio Grande da Serra. Acho que vou encerrar esse artigo, lá embaixo, sem chegar à conclusão do desafio a que me impus, ou seja, retirar o ponto de interrogação do título. Não creio que terei coragem para tanto.

Kiko Teixeira disse ao Diário do Grande ABC que pretende dividir Ribeirão Pires em microterritórios de 10 mil habitantes. Ou seja: fatiará o Município em 12 microdistritos. Em cada uma dessas partes colocará um gerente preferencialmente concursado. Ele seria os olhos, as pernas e o coração da gestão pública. Temos, portanto, um caso de loucura ou de genialidade?

Por que devo responder à pergunta nos últimos parágrafos deste texto se os leitores podem fazê-lo individualmente? Terei o trabalho, na sequência, de elencar alguns pontos que brotaram ao diagnosticar o que seria genial e o que seria maluquice na proposta do candidato do PSB. 

 Vamos ao que poderiam ser indicadores de genialidade:

a) Com a iniciativa, os moradores das respectivas microareas teriam possibilidade concreta de contar com interlocutor supostamente preparado para dar conta das demandas locais. Portanto, teríamos atendimento personalizado.

b) Com a medida, os moradores teriam interlocutor oficial da Prefeitura a atuar como canal imediato de respostas às demandas. Não se perderiam nos corredores do Paço Municipal quando se dispusessem a reivindicar.

c) Com a medida, o gestor público reuniria manancial de demandas por serviços públicos de todo o Município, as quais, sistematizadas por categoria, possibilitariam intervenções com alto grau de racionalidade operacional. 

 Agora vamos a alguns pontos que poderiam ser catalogados como loucura no léxico de gestão pública:

a) A microrregionalização de gerentes sob o comando do Paço Municipal poderia converter-se em rede de controle político-partidário do titular do Executivo. Nesse caso teríamos esvaziamento do projeto pelos oposicionistas nos casos de as reivindicações não encontrarem respaldo resolutivo.

b) Gerentes distritais poderiam ser tentados a alimentar sonhos de voos eleitorais próprios, criando embaraços ao chefe do Executivo na medida em que supostamente decidirem se unir a outros gerentes para, em conjunto, no bojo de alguma agremiação partidária, decidirem ocupar os principais postos da Prefeitura, além do cargo máximo, claro.

c) Diante de eventual vácuo de respostas às solicitações, o feitiço poderia voltar contra o feiticeiro. Ou seja: os profissionais credenciados como gerentes, que viverão o dia a dia dos respectivos microterritórios,  cuidariam da própria pele caso a sincronia entre pedidos de intervenção da administração pública e limitações orçamentárias não passe das planilhas de boas intenções. Em vez de colaboradores aliados ao Paço Municipal, os gerentes seriam sabotadores.

d) Como administrar as relações com os vereadores diante de uma situação tão inusitada de interiorização do poder Executivo nos distritos ao escalar interventores não eleitos pela população? Como será possível atropelar os legisladores -- é assim que eles interpretarão a inovação -- sem correr riscos de perder a eventual maioria na Casa?

Extrapolando fronteiras

Como estou produzindo este artigo sem prévio planejamento sobre as possibilidades contidas no campo da genialidade e da loucura, creio que os exemplos expostos são suficientes para dimensionar o quanto é contraditória a proposta de Kiko Teixeira.

Transposta a sugestão para a Província do Grande ABC como um todo – ou seja, caso fosse adotada por todos os prefeitos que assinarão o termo de posse em primeiro de janeiro do ano que vem – teríamos perto de 280 gerentes espalhados por 840 quilômetros quadrados. Se o prefeito da Capital seguisse o exemplo, seriam 1,2 mil colaboradores especiais, ou sabotadores potenciais.

Sim, ou um ou outro porque o candidato Kiko Teixeira deixou claro que os gerentes seriam profissionais concursados. Se forem comissionados, como aparentemente descartou, todo o arcabouço acima sugerido deve ser desconsiderado. Cabos eleitorais – na maioria dos casos os comissionados não passam disso mesmo – têm enorme potencial à ineficiência funcional. Teríamos, portanto, um loteamento com finalidade politico-eleitoral de baixa efetividade técnica.

Considerando-se, portanto, que todos os gerentes distritais seriam concursados e qualificados à função de atender à população num sistema conectado permanentemente aos profissionais de gabinetes, a proposta de Kiko Teixeira é mesmo caminho direto à consagração ou ao suicídio como gestor.

Paraíso ou inferno?

Tudo vai depender, entre outros pontos, da forma com que se conduziria o encaminhamento da novidade. Se for prometido o paraíso na forma de multiplicadores do Paço Municipal, haverá o risco de constatar o descasamento entre recursos para investimentos e receitas arrecadadas.

Seja o que for – uma baita ideia ou uma grande enrascada – a verdade é que Kiko Teixeira retirou o noticiário pré-eleitoral do lugar-comum de obviedades sem lastro, cujos propósitos não são outros senão engabelar o distinto público no sentido rigorosamente exaltado ainda outro dia pelo ex-presidente Lula da Silva em danosa resposta aos operadores da Lava Jato.

Não tenho a menor ideia de onde Kiko Teixeira teria retirado essa preciosidade que poderia se transformar em algo semelhante, embora mais personalizado, ao paparicadíssimo e contestadíssimo Orçamento Participativo que o Partido dos Trabalhadores disseminou com mutações por todo o território nacional. No caso, o Gerente Participativo teria poderes permanentes de relacionar-se com a comunidade e, com isso, orquestrar  definições do território municipal. Cada gerente poderia atuar como centro das atenções locais. Provavelmente o prefeito de plantão não permitiria tanta independência e centralidade. Kiko Teixeira tem um parafuso a menos ou tem absoluta certeza de que não perderá o controle do processo.



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