Política

Grana micro-ondas derrota
Paulinho Geladeira na Record

DANIEL LIMA - 24/10/2016

O prefeito Carlos Grana e o futuro prefeito Paulinho Serra fizeram uma disputa de contrastes no debate da Record News. Diferentemente, portanto, do embate entre Orlando Morando e Alex Manente, cuja troca de sobrenomes pretendeu ressaltar consolidadas semelhanças cênicas e retóricas. No caso dos finalistas em Santo André, Carlos Grana foi sempre Carlos Grana e Paulinho Serra jamais abandonou a armadura de Paulinho Serra. Eles fizeram um jogo conhecido, repetindo o que tanto já haviam dito em eventos assemelhados. Mas isso não quer dizer que foram enfadonhos. Eles são transparentes nas obviedades que representam. 

Como presença cênica, o experiente sindicalista Carlos Grana impressionou mais favoravelmente que o debutante Paulinho Serra. Tivemos uma versão provinciana de Lula da Silva versus Geraldo Alckmin nas eleições presidenciais. Também nesse caso, o resultado foi diferente do empate técnico no campo de impressões televisivas entre Orlando Morando e Alex Manente. 

Carlos Grana foi mais espontâneo, mais inflexivo, mais sarcástico, mais provocador no sentido de que não poupou ataques bem colocados. Sofismou o tempo todo, porque só lhe resta mesmo essa arma diante da situação na tabela do campeonato, ou seja, nas sondagens eleitorais. Não lhe havia saída senão procurar o ataque. Por isso mirou e insistiu em atingir as contradições da biografia do concorrente. 

Pouca experiência

Paulinho Serra ainda tem muito a aprender para lidar com a imagem e a voz num ambiente de combate como um debate eleitoral numa emissora importante. O olhar soturno durante todo o encontro não caiu nada bem. Expressava estado emocional carregado de tensão. Paulinho Serra parece ter feito um pacto consigo mesmo de jamais sorrir aos telespectadores. Alguém deve lhe ter proposto que parecesse mais maduro que o rosto de menino estimula. Paulinho exagerou na dose. 

Paulinho Serra pareceu um inexplicável time que vai a uma disputa final de mata-mata após ganhar o primeiro jogo fora de casa por quatro gols de diferença e, ao receber o oponente diante de sua própria torcida, transmite a ideia de que se preparou para perder de pouco, desde que não comprometesse o resultado conjugado final. 

Paulinho Serra poderia ter tido atuação mais leve, mais solta, mais descontraída. É verdade que não deixou praticamente nada para trás nas estocadas de Carlos Grana sobre sua incursão de quase três anos no governo petista, mas se o fez com preparo de respostas bem colocadas, pecou na reprodução verbal de um treinamento forte sem levar em conta a importância de passar as mensagens com ar menos professoral. 

Paulinho Serra pareceu o tempo todo muito mais um robô saído de laboratório e interessado em provar que é possível imitar gente do que alguém decidido a provar que saberia expor de forma mais humana as recomendações dos marqueteiros de campanha. 

Vitória no empate 

Foi justamente por parecer artificial que Paulinho Serra deixou escapar a oportunidade de vencer Carlos Grana por nocaute no debate da Record News. A esperteza do atual prefeito foi tão largamente superior ao transmitir a sensação de que nenhuma estocada do adversário lhe causava impacto, como se tudo não passasse de parolagens, que não é exagero avaliar empate técnico ao final dos 30 minutos. O que no fundo é uma derrota de Paulinho Serra. O time que venceu o primeiro jogo do mata-mata por quatro gols de vantagem no campo do adversário frustrou a torcida no jogo de volta porque passou o tempo todo preocupado em jogar com o regulamento debaixo do braço.  

Fosse situação diversa, com Carlos Grana encarnando a esperança de uma Santo André decadente e Paulinho Serra com a estrela vermelha petista para carregar como sobrepeso num encontro televisivo, certamente o resultado final seria desastroso para o tucano. 

O que quero dizer com isso é que, como prefeito, Paulinho Serra vai ter de se preparar inclusive para se comunicar oficialmente e informalmente com a sociedade desorganizada de Santo André (não existe sociedade organizada em Santo André nem na Província como um todo, como se sabe) também sob o ponto de vista de capacidade de interlocução. 

É verdade que aos vencedores sempre existe a possibilidade de limitações, deficiências e mesmo suposto esgotamento de qualidades intrínsecas aos políticos reverterem-se como passe de mágica. A falta de carisma muitas vezes passa a ser o coração do carisma. Um paradoxo que só a ciência política explica. 

Insumos compensadores 

Celso Daniel era considerado político sem engrenagem cênica e de oratória incapaz de empolgar a plateia. Muitos duvidavam de sua transmutação. O maior prefeito regional que a Província já teve morreu sem coroar-se grande orador, mas resolvia tudo com simplicidade. A mensagem era muito mais exuberante que o meio, no caso ele mesmo. Celso Daniel era muito melhor do que parecia. Um craque discreto nas manifestações públicas. A plateia o assistia extasiada porque transpirava conhecimento.

Já Paulinho Serra tem muito a incorporar para refluir a impressão de que não se dá bem com holofotes e com plateia mais densa. Aos 43 anos tem muito a aprender e a expor para convencer o distinto público. É notória a dificuldade de se sentir à vontade diante de situações como a do debate da semana passada. Alex Manente e Orlando Morando, da mesma geração, estão muito adiante. Até porque relativamente mais experientes. O jovem Paulinho Serra, portanto, não é tão jovem assim quando se coloca as cartas da realidade política na mesa tendo os dois finalistas de São Bernardo como referenciais. 

Paulinho Serra contava com tantos indicadores favoráveis para trucidar o adversário, mas teve de se virar nos trinta para responder às provocações. Carlos Grana fez um jogo bem planejado de ironias e sarcasmos que manteve Paulinho Serra na defensiva, por mais que o tucano respondesse de forma relativamente convincente para considerável parcela dos telespectadores – mas muito aquém do que o desejável para reproduzir a vantagem que as urnas deve lhe dar.  

Distância eliminada

A prova de que Paulinho Serra desperdiçou oportunidade de ouro para fazer transparecer na telinha o tamanho da diferença eleitoral que o separa de Carlos Grana é que ao final daqueles 30 minutos somente os agregados da campanha do tucano poderiam afirmar categoricamente que se reproduziu a respectiva distância entre os dois contendores na medição do desempenho. 

Carlos Grana foi cirúrgico nas colocações feitas com o olhar malicioso de que teria aprisionado o adversário num calabouço de insustentabilidade de respostas. As constantes trocas de partido, a passagem pela administração petista num período de aprovação nacional da agremiação, os caríssimos investimentos nas ciclovias à frente de uma secretaria, entre outros pontos, instalaram Paulinho Serra em posição de desconforto. Por melhores que tenham sido suas respostas, aos telespectadores sempre prevalecerá a ideia de que Paulinho Serra jamais deveria ter se bandeado para os lados petistas após as eleições municipais de 2012. 

O tucano reagiu de modo esperado ao federalizar o quanto pode o debate, relacionando o PT à corrupção. Mas o fez sem a alma do político que torna a verdade, verdade irretocável. Paulinho sugeriu que a verdade não passava de meia-verdade ao dar tratamento burocrático às respostas. 

O tom monocórdio do tucano incomoda quem ergue os olhos em direção ao futuro de Santo André. Para alcançar alguma coisa do que tanto projeta, Paulinho Serra, o novo prefeito da cidade, cuja confirmação se dará domingo próximo, precisa trocar o excesso de formalidade por dinâmica contagiadora, que também pode ser chamada de liderança. 

Santo André não pode ser novamente sacrificada ao trocar um prefeito micro-ondas por um sucessor que lembra uma geladeira. Paulinho Serra dá a impressão de que se não houver um mínimo de empurrão da sociedade, teremos mais um administrador incapaz de compreender as durezas do prélio. Como a sociedade desorganizada de Santo André não empurra positivamente ninguém, restaria o risco de o empurrão partir de forças ao redor do Paço Municipal. As mesmas forças coercitivas que levaram Carlos Grana e Aidan Ravin a derrocadas administrativas. 



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