A temporada de palanque e showmícios quase chegou ao fim. Após as emoções do segundo turno que garantiram a reeleição de João Avamileno em Santo André e de José de Filippi Júnior, em Diadema, o momento é de expectativa. E não apenas pelo desdobramento do imbróglio em Mauá com a cassação da candidatura do petista Márcio Chaves e a proclamação judicial do verde Leonel Damo como prefeito provisório. Passada a disputa, o que está em jogo é a capacidade de o novo time de prefeitos alterar com rapidez a temática do debate direcionado aos calcanhares-de-aquiles do adversário para o rumo das propostas programáticas de campanha.
O desdobramento do Grande ABC que saiu das urnas permite reflexões diferenciadas. A primeira e mais visível diz respeito à nova configuração de forças políticas que colocaram numericamente em desvantagem o Partido dos Trabalhadores. De cinco prefeituras, o PT do presidente Luis Inácio Lula da Silva ficou, até agora, com apenas duas. Apesar de siglas distintas, todos os demais vencedores contam com o suporte do governo do Estado. A Era FHC, coincidente com maioria de governos petistas, foi comprovadamente desastrosa para a economia da região.
Longe do xadrez político que ensaia o jogo-treino às eleições de 2006, salta aos olhos um recado bem mais direto: mais da metade dos 1,7 milhão de eleitores do Grande ABC deixou a federalização e a estadualização de lado para mostrar que está bem mais preocupado com o que acontece na sua rua e no seu bairro.
Fechando o cerco
Com a reeleição de João Avamileno e de José de Filippi Júnior, Santo André e Diadema somam-se a São Bernardo e São Caetano para fechar o bloco de municípios de administrações aprovadas. William Dib foi reeleito em primeiro turno com 76,37% dos votos válidos e José Auricchio Júnior vai dar continuidade ao governo de Luiz Tortorello.
Das duas cidades que disputaram o jogo em dois tempos, Santo André foi a que apresentou vitória menos problemática. Os 53,48% de votos válidos de João Avamileno contra os 46,52% de Newton Brandão refletiram a mudança de postura de um partido que chegou a subestimar o adversário no primeiro turno, mas acordou a tempo após os esquálidos 4,1 pontos percentuais de vantagem em 3 de outubro. Avamileno contou com apoio de José Dilson, o médico do Ratinho e candidato do PDT que ficou em quarto lugar no primeiro turno e garantiu que tinha capacidade para transferir votos integralmente. Também conquistou como reforço o vereador vice-campeão de votos, Sargento Juliano. “Santo André mudou sob a administração do PT e o bom trabalho que realizamos foi aprovado nas urnas” — disse João Avamileno algumas horas antes do resultado oficial.
Superação de assassinato
O prefeito reeleito passou incólume a todo aparato de denúncias desde janeiro de 2002 para politizar o crime que vitimou Celso Daniel. Apesar de toda a turbulência, resgatada com requintes anti-éticos e recalcitrantes durante a campanha, Avamileno conseguiu manter a linha de gestão voltada para programas sociais, muitos dos quais premiados internacionalmente.
O fato explica a vantagem do petista na periferia demograficamente inchada de uma cidade que empobreceu visivelmente nas duas últimas décadas em função de perdas industriais. Nem mesmo a tática da Frente Andreense de Newton Brandão de tentar seduzir os menos favorecidos por meio do médico Aidan Antonio, o vereador mais votado, surtiu resultado.
A missão de Aidan Antonio era justamente atingir o adversário em seu reduto, a carente Vila Luzita e bairros vizinhos responsáveis pela vitória petista no primeiro turno. Os resultados mostraram que a transferência de votos nem sempre segue a lógica dos acordos de bastidores. Também os apelos de telemarketing do governador Geraldo Alckmin na véspera da eleição não seduziram decisivamente o eleitorado.
A vitória de João Avamileno confirmou a margem apontada pela última pesquisa Brasmarket/Diário. Depois da proibição das sondagens de intenção de votos desde o primeiro turno, o instituto paulistano obteve liminar para divulgar o resultado da última rodada. A obstrução sistemática foi apontada como um dos principais erros estratégicos da Frente Andreense, a coligação de Newton Brandão. O próprio candidato chegou a admitir que gostaria de saber os resultados, dando a entender que o corpo jurídico da campanha tinha excesso de autonomia para agir.
Por pouco
Se em Santo André, o tempo final deu 26.493 votos de vantagem a Avamileno, em Diadema a eleição foi praticamente definida voto a voto. O prefeito José de Filippi Júnior venceu o arquiinimigo José Augusto da Silva Ramos por espremido 0,24 ponto percentual, ou exatos 554 votos. Filippi chega ao terceiro mandato numa ciranda histórica que começou em 1982 e inclui, além do adversário derrotado, o também ex-prefeito Gilson Menezes, terceiro colocado na disputa desse 2004 e que reforçou Filippi no segundo turno.
A vitória do atual prefeito não foi surpresa no histórico de disputas acirradas entre três políticos originários do PT. A campanha em Diadema mais uma vez não foi das mais civilizadas. José Augusto estava tão certo da vitória que deu entrevistas em tom de prefeito eleito antes mesmo do término da votação. Ele apostava tudo na rejeição do adversário e na vantagem de mais de nove mil votos no primeiro turno, mas se esqueceu que as eleições em Diadema só terminam depois do último voto.
José Augusto teve apoio maciço do governador Geraldo Alckmin, além de reforços dos prefeitos eleitos no primeiro turno — William Dib, Clóvis Volpi e Kiko Adler Teixeira. No entanto, o tucano abusou da auto-suficiência ao recusar participação em vários debates. Desqualificou o adversário a ponto de chamá-lo de pangaré. Como Newton Brandão, José Augusto também não compareceu à Sabatina Diário, que ouviu propostas dos concorrentes às prefeituras.
Cerco pesado
Filippi também se cercou de pesos-pesados do Partido dos Trabalhadores. Chegou a definir o adversário como versão administrativa de mágico, por ter proposto baixar impostos e gastar mais sem revelar como fecharia as contas públicas. “Estava certo de que tínhamos as melhores propostas e que realizamos um grande governo nesses últimos quatro anos” — avaliou Filippi Júnior, ao lembrar a ação da Prefeitura na criação do Pólo de Cosméticos e a queda dos índices de criminalidade de uma Diadema sempre estigmatizada pela violência.
O enredo da disputa em Diadema tinha tudo para ser reproduzido com emoção um pouco mais moderada em Mauá caso a eleição não fosse literalmente reduzida à disputa judicial. O terceiro embate consecutivo entre o grupo político do verde alinhado ao PSDB, Leonel Damo, e o Partido dos Trabalhadores não chegou às urnas. Acusado de utilizar a máquina pública para pedir votos, Márcio Chaves teve o registro da candidatura cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a dois dias do segundo turno. A Justiça decidiu empossar Damo como prefeito provisório, cancelando a votação do segundo turno.
Márcio Chaves liderava as pesquisas de intenção de voto. Os 91.910 votos recebidos no primeiro turno foram considerados nulos. Como a soma de votos do petista e nulos ficou abaixo de 50%, a Justiça Eleitoral entendeu que não caberia nova eleição, por isso o segundo colocado foi declarado vencedor. Leonel Damo fez questão de ressaltar que a denúncia partiu do Ministério Público e depois de dois dias de cautela, acabou falando como prefeito eleito. “Vamos fazer um mutirão para acabar com as filas da saúde pública” — reforçou o principal mote de campanha. “Me sinto injustiçado e vou recorrer até o final” — limitou-se a dizer um visivelmente abatido Márcio Chaves.
O cancelamento do segundo turno em Mauá deixou a cidade com ar estranho. A rivalidade entre o grupo político de Leonel Damo e o PT cresceu no segundo turno a ponto de a cidade ter sediado dois showmícios com popstars no mesmo dia. Enquanto Wanessa Camargo embalava o último ato de campanha de Márcio Chaves na área central, Chitãozinho e Xororó reuniam os simpatizantes de Damo no Jardim Zaíra, maior colégio eleitoral da cidade.
A incerteza provocada pela decisão judicial levanta duas questões polêmicas. A primeira está relacionada a eventual dificuldade de Leonel Damo compor um governo que poderia ser desmantelado eleitoralmente a qualquer momento. A outra está justamente no fato de, em se tornando realmente definitivo, Leonel Damo carregue durante os quatro anos de administração a sombra de ter chegado ao poder sem o referendo final das urnas.
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