Política

Voto municipalista agravaria
o naufrágio do regionalismo

DANIEL LIMA - 08/11/2017

A regressão da região ao municipalismo descarado que o Fórum da Cidadania procurou atenuar no campo político com a campanha Vote no Grande ABC parece indomável. Os pouco mais de 20 anos que separam momentos contrastantes da região – a tentativa de um regionalismo empoderador que se transformou em municipalismo frágil – são prova viva do quanto se jogou fora o que se apresentava como futuro. O voto municipalista é o peso sobressalente que aprofundaria ainda mais o naufrágio do regionalismo.  Enquanto o voto distrital misto não chega com possibilidades de resgatar a regionalidade no campo político, é melhor não inventarem uma fórmula autofágica. 

O anúncio de que alguns candidatos aos legislativos estadual e federal de Santo André se reuniram em jantar para iniciar o que chamaria de processo de valorização do voto em candidatos do Município possivelmente se espalhará na região. 

Com isso, a campanha Vote no Grande ABC passará a ter conotação divisionista em favor da territorialidade municipal. A distritalização do voto regional, uma realidade prática embora com evidentes falhas, poderá ser submetida à municipalização do voto. 

O interessante da medida que ganharia fôlego porque supostamente atenderia de imediato aos desejos dos concorrentes é que diferenças ideológicas e partidárias seriam guardadas no armário do pragmatismo. Ainda não colocaram o guizo da tolerância no pescoço do gato da objetividade em busca de votos, mas parece implícito que o movimento suprapartidário se definirá pelo atalho do supra individualismo, protegido pelo ecumenismo do “não me toque”. 

Código de ética 

Acho que se avançar essa proposta de municipalização do voto a deputado estadual e a deputado federal os supostamente beneficiários vão preparar um código de ética em busca de pontos cardeais que impeçam a destruição da baliza suprema, ou seja, o voto municipal indistintamente a quem. 

Acredito que esse código de ética eleitoral, desdobramento do movimento de votar apenas nos candidatos de Santo André, contemplaria proposições que teriam de ser obedecidas pelos concorrentes-parceiros. 

Caso contrário, o que teremos nas redes sociais será uma Torre de Babel de busca enlouquecida do eleitorado. Sem uma âncora de sobrevivência múltipla, sem anteparos que preservem os candidatos, o voto municipalista sairia pela culatra.

Explico o que significa sair pela culatra. Simples como dois e dois são quatro. Supondo-se que os candidatos que tenham acordado o voto municipalista em Santo André não criem mecanismos de autopreservação individual, teremos um bangue-bangue envolvendo-os diretamente. 

Se virarem alvos de si mesmos, restará ao eleitor o desinteresse em prestigiá-los, culminando na debandada em direção aos chamados forasteiros que aqui penetram sobretudo por mídias externas. Até porque, a Província dos Sete Anões, outro Grande ABC, não conta com veículo de comunicação de massa e está sujeita a invasores dos chamados horários eleitorais gratuitos. 

Contabilidade insustentável 

Outro dia li uma matéria que dava conta de uma contabilidade inexequível. Espero que os candidatos a deputado estadual e a deputado federal não tenham caído no conto da invulnerabilidade sugerido. É coisa do outro mundo, do mundo dos lunáticos, imaginar que os mais de 500 mil eleitores de Santo André e os mais de dois milhões da região não se dobrem a candidatos de outros territórios e também que seja possível dar como votos votados todos os votos que se consumarão em brancos e nulos, sem falar de abstenções. 

Projetar quantos deputados estaduais e deputados federais teríamos com base numa votação em massa e sem vazamento interno e externo nos candidatos locais é tão consistente quanto sugerir que uma equipe dispute qualquer série do Campeonato Brasileiro e chegue ao final da competição com 100% de aproveitamento. 

O eleitorado da Província é muito suscetível aos chamados estranhos no ninho, ou seja, deputados estaduais e federais que usam o espaço territorial local e se locupletem de votação que jamais retribuíram em forma de ações locais. Ainda recentemente o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santo André, Fábio Picarelli, deslocando olhares e braços a outros territórios corporativos, avalizou a candidatura de um então promotor de Justiça que mais tarde, eleito, se envolveu no escândalo da merenda escolar. 

Aliás, o que não falta na praça eleitoral da região é gente que oferece cama, mesa e banho a estranhos em troca de perspectivas ou mesmo de materialidades pessoais e funcionais. Seria ingenuidade acreditar que teremos alguma vez tessitura institucional tão forte a ponto de elevar substancialmente a capacidade de neutralizar avanços de terceiros. 

Vazamentos incontrolável 

Nem mesmo em meados dos anos 1990, quando do lançamento com sucesso do Vote no Grande ABC, que elegeu bancada combinada de 13 deputados estaduais e federais, houve quem impedisse forças externas. Faz parte da natureza política em qualquer espaço a chegada de tropas de concorrentes sem intimidade com a região. Da mesma forma que representantes locais procuram somar votos em outras fronteiras.

A instituição do voto distrital misto supostamente resolveria o problema. Entretanto, o municipalismo eleitoral defendido pelos concorrentes em Santo André tem tudo para fracassar porque, com o voto distrital misto, provavelmente a Província será tratada como região que é de fato, com direito a determinado número de representantes locais. Os invasores disputarão respectivas vagas no âmbito estadual. Teremos, portanto, como todas as regiões do Estado, eleitores que irão às urnas para votar em candidatos locais e também em candidatos de fora. Coloca-se, supostamente, ordem na bagunça representativa. 

A eventual campanha Vote em Candidato de Santo André não correria isoladamente na raia eleitoral da região. Outros municípios deverão seguir o modelo como replicante tão comum entre legisladores que copiam projetos de lei de vizinhos. 

No fundo, no fundo, gostaria muito que o projeto não avançasse porque, insisto, é um tiro nos pressupostos de regionalidade. Mais que isso: é o recrudescimento cruel de um movimento de separatismo institucional dos sete municípios da região, por si só bastante grave. 

Também tenho desconfiança de que a proposta resistirá a contrapontos que por certo surgirão pelo fato de que, ao se municipalizar uma disputa, os concorrentes de Santo André e eventualmente de cada um dos demais municípios estarão construindo o próprio muro que os impediria de saltar nos territórios vizinhos. Veste-se um santo para desvestir outro. Literalmente quando se trata de Santo André, São Bernardo e São Caetano. 

Individualismo prevalecerá 

Além de tudo isso, existe evidência de que os primeiros defensores do autarquismo eleitoral deixaram escapar o individualismo exacerbado da iniciativa. Afinal, algo com tamanho peso na estratégia montada para supostamente agregar o maior número possível de adeptos de votação nos candidatos de Santo André não poderia jamais deixar de apresentar série de propostas locais a serem defendidas nas duas casas de leis. Um conjunto de propostas que constaria de declaração em conjunto, assinada e registrada em cartório de modo que ao final de eventuais mandatos a prestação de contas pública seria obrigatória. 

A Província já foi enganada demais por deputados estaduais e federais que jamais compuseram para valer a chamada Bancada do Grande ABC. Por isso, até prova em contrário não haveria razão para aderir ao movimento. A classe política tão desmoralizada não pode dar um peteleco na credulidade dos eleitores. É preciso ir muito além do apelo municipalista triturador da regionalidade já esquartejada.



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