O ombudsman da Prefeitura de Santo André, escolhido num processo mais democrático que a maioria dos poucos modelos existentes no Poder Público brasileiro, é um empresário de temperamento calmo e ponderado. Saul Gelman, que acabou de deixar a presidência da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), cargo no qual deverá ser sucedido pelo executivo Wilson Ambrósio, ex-presidente da entidade, tomou posse no final de dezembro sem prometer grandes lances. Seria surpresa se o fizesse. Gelman é o ouvidor que qualquer administração municipal gostaria de contar. Está acima de vinculações partidárias, não embarca em canoa furada de proselitismos de ocasião e sua conduta pessoal encaixa-se no que pode ser definido como figurino da discrição.
Por isso tudo, e também porque havia a suspeita de que a alternativa poderia tornar-se espécie de loteria comportamental, a administração do prefeito Celso Daniel movimentou-se nos bastidores na etapa final do processo eletivo para garantir a vitória de Gelman. Havia informações reservadas de que o candidato oponente de Saul Gelman no segundo turno, Cézar Moreira Filho, integrante da SOL (Sociedade Oliveira Lima e Região), entidade informal voltada para a revitalização do principal corredor comercial do Município, estaria ligado ao deputado federal Duílio Pisaneschi. A simples possibilidade de colocar como ouvidor da população alguém vinculado à oposição a Celso Daniel mobilizou o PT na reta de chegada da escolha. O resultado final de 12 votos para Gelman (exatamente os dois terços regulamentares) e nenhum para Cézar Moreira Filho foi sintomático da movimentação de bastidores entre o resultado final do primeiro turno e o escrutínio do segundo turno. Cézar Moreira Filho conseguiu cinco votos na primeira etapa, os quais evaporaram diante das propagadas relações políticas que faz questão de desmentir.
Crivo popular -- Embora se possa argumentar que o ideal seria a ocupação do cargo de ombudsman por alguém de menor notoriedade e que não estivesse num posto relevante em qualquer instituição de classe, a realidade é que a escolha de Saul Gelman fortalece a proposta da Prefeitura de Santo André de submeter-se ao crivo de reclamações dos contribuintes. Exatamente isso, porque ser ombudsman é uma forma de concentrar todo o desencanto da população com a máquina pública. Essa espécie de Procon da administração pública é uma virtude decisória do prefeito Celso Daniel, cuja reestruturação administrativa voltada ao melhor atendimento dos contribuintes prescinde de testes vigorosos de agilidade, precisão e responsabilidade dos funcionários públicos. Daí, entretanto, imaginar que o petista iria entregar seu pescoço à corda adversária, como se desconfiou na trajetória final da votação para escolha do ouvidor, vai muita diferença.
A escolha de Saul Gelman não significa que o modelo de eleição tenha satisfeito o Fórum da Cidadania, entidade que coordenou o colegiado de 17 entidades habilitadas por legislação aprovada pela Câmara Municipal a participar do processo de escolha. O sindicalista Carlos Augusto César Cafu, coordenador-geral do Fórum, entende que a entidade precisa tomar algumas deliberações para a eleição do sucessor de Gelman, dentro de dois anos. Primeiro, o Fórum não deve indicar mais candidato. A experiência de recomendar Saul Gelman acabou provocando dissensões internas e acusações de privilégios ao candidato que acabou vitorioso.
Cafu também entende que nenhuma das 17 entidades que formam o colégio eleitoral deve indicar concorrente ao posto. "Só terá direito a voto, não a apontar candidato" -- afirma. Por fim, a exigência de dois terços à eleição do ouvidor é perigosa e desnecessária. Não fosse a intervenção de bastidores dos assessores de Celso Daniel, o processo poderia estar indefinido até agora porque se chegou a construir a possibilidade de que para determinados grupos políticos era mais interessante postergar o pleito e desgastar o Paço Municipal.
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15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ