Esportes

Quando o Santo André vai
se tornar clube-empresa?

DANIEL LIMA - 19/08/2021

O clube mais tradicional, vitorioso e popular do Grande ABC está numa encruzilhada que terá de ser resolvida nos próximos tempos, senão os tempos que se seguirão aos próximos tempos poderão ser desastrosos. Hoje o Santo André é um boxeador que luta para ganhar por pontos, mas sabe que pode ser nocauteado a qualquer momento. 

O Santo André de dirigentes que fizeram história na região como referências de competência dentro de campo, e também fora de campo como Jairo Livolis ao lançar e materializar a construção do Parque Poliesportivo, vai ter de tomar o caminho que a legislação está se abrindo. Terá de se tornar um clube-empresa para não perecer. Perecer muitas vezes é ter uma trajetória vegetativa.   

Não há futuro para quem não adotar mecanismos que mitiguem os efeitos da passionalidade numa atividade culturalmente movida a paixão.   

Visionário frustrado  

Jairo Livolis que se foi muito cedo era um visionário levado pela necessidade de construir o futuro além do Parque Poliesportivo. Retirou aquela espaço dos escombros de um projeto fracassado e fez uma obra de entretenimento associativo importante.  

Jairo Livolis agregou valor à marca. E uniu potencialmente os corações dos andreenses além da barreira invisível mas culturalmente separatista dos trilhos dos trens. 

Jairo Livolis era um dirigente tanto emocional quanto pragmático. Quando trocava as mãos do dirigente sereno pelos pés do torcedor que ia aos vestiários e esbravejava e esmurrava, nem sempre os resultados eram satisfatórios. Mas também nem sempre eram insatisfatórios.  

Tempos modernos  

Vestiários burocráticos demais levam à letargia, à indolência. Vestiários estridentes demais levam à instabilidade. Há sempre a hora certa para uma coisa e para outra coisa. Jairo Livolis geralmente sabia decifrar o código da motivação coletiva.  Mas isso já não funciona tanto nestes tempos. Até mesmo para cutucar com vara curta a autoestima do grupo é preciso seguir ritual mais programado, menos improvisado. E que não seja asséptico. 

Antes e logo após a virada do século que já completou duas décadas, Jairo Livolis foi Reportagem de Capa da revista LivreMercado com duas propostas de fortalecimento da agremiação.  

Sabia que o tempo e as transformações do tempo imporiam desafios ao Santo André. Reestruturar a agremiação em moldes empresariais era o obstáculo a ser superado.  

Nas duas oportunidades em que foi Reportagem de Capa de LivreMercado Jairo Livolis disseminou a ideia de uma agremiação socialmente ampla e abrangente.  

Na primeira, pegando a onda de privatizações do governo de Margareth Thatcher, Jairo Livolis anunciou pretensão de pulverizar ações da agremiação na sociedade, tornando o clube-empresa mais robusto e representativo.  

Na segunda tentativa Jairo Livolis estreitou o foco a investidores de maior porte.  

Desastre do Saged  

Jairo Livolis morreu carregando a frustração de não ver o Santo André dando um salto de qualidade. Mais que isso: sentiu as dores da privatização do Santo André durante os cinco anos em que o Saged controlou o clube.  

O empresário Ronan Maria Pinto levou o Santo André à segunda maior façanha da história – o vice-campeonato da Série B do Campeonato Brasileiro, atrás apenas do Corinthians – e também ao mais retumbante desfiladeiro continuado: entregou a agremiação na Sexta Divisão do futebol brasileiro – a Série A-2 do Campeonato Paulista, com a queda iminente e confirmada na Série D do Campeonato Brasileiro.  

Quando afirmo que o Santo André é o clube mais vitorioso do Grande ABC estou praticamente eliminando de vez uma pendência em que dividia essa honra entre a agremiação e o São Caetano vice-campeão da Libertadores da América.  

Melhor da região  

Até recentemente considerava importante dividir as águas: o Santo André como maior clube da região no âmbito estadual e o São Caetano no nacional, exatamente por conta de seguidas participações na Série A do Brasileiro da Série A, inclusive como vice-campeão nacional em finais contra Vasco e Atlético Paranaense. A Copa do Brasil conquistada pelo Santo André em 2004 reduziu a diferença.  

Por que decidi desempatar esse jogo se as conquistas são eternas e não houve de lá para cá nada que supostamente interferisse profundamente na avaliação? Porque o conceito de clube vitorioso não se esgota no pragmatismo de conquistas, mas ocupa o subjetivismo do conjunto histórico.  

O São Caetano do ano passado de resultados seguidos que lembram o sempre perdedor Ibis do Recife e as goleadas na Série D do Brasileiro, além do festival de aberrações diretivas de uma casa sem dono, ou de muitos donos, sofreu avarias profundas na imagem construída com muito investimento de um mecenas, no caso Saul Klein.  

Desconfiança prossegue  

Sem Saul Klein o São Caetano de abusos diretivos entrou em parafuso. Agora tem um investidor que, até prova em contrário, precisa mostrar que não faz parte da roda-viva dos antecessores imediatos sem compromisso com o futuro.  

Há desconfiança de que o novo investidor é mais um arrivista. Ainda mais que o todo-poderoso ex-presidente Nairo Ferreira está na ativa. Se não for apenas um apêndice diplomático, não é possível assegurar perenidade ao novo desenho diretivo.  

É especial a posição de destaque do Santo André tendo como modelo de sustentação o que é uma grande exceção regional, no caso o associativismo em contraposição aos demais que derivaram para investidores nem sempre identificáveis em suas atividades.  

Santo André, São Caetano, São Bernardo Futebol Clube, Esporte Clube São Bernardo e Água Santa formam uma turma que não se encaixa num mosaico de afinidades. Diferentemente disso: cada um segue roteiro de atividades específicas.  

Patrimônio cultural  

O patrimônio cultural exalado pelo Santo André está muito acima dos demais. Vem do passado e segue aos trancos e barrancos no presente. Rompe desafios dentro de campo. Se as equipes forem avaliadas pelos pontos alcançados em confronto com os recursos financeiros despendidos, o Santo André ganharia de goleada o campeonato regional de produtividade.  

Mas isso e tantas outras coisas precisam ser calibradas em direção ao futuro que está aí com nova legislação esportivo-empresarial. Parece não haver futuro às agremiações associativas. E o futuro parece ainda indecifrável às agremiações que enveredam por caminhos privativos.  

Há muitas indagações, indefinições e desconfianças. Mas há agora uma estrada larga rumo a novas empreitadas.  

Fadiga de material  

A experiência fracassada da terceirização com a Saged deixou ao Santo André uma dívida trabalhista monumental, equivalente ao dobro do orçamento da equipe que disputa a Série D do Campeonato Brasileiro.  

Há poucos dirigentes à frente do Santo André com experiências suficiente para dar nós em pingos d’água que os atormentam na busca de equilíbrio financeiro. E esses mesmos poucos dirigentes têm prazo de validade vital.  

O Santo André envelheceu. São cada vez mais acentuadas as baixas de conselheiros que cultivam a história do clube e de dirigentes que ocuparam cargos importantes no futebol e no entorno do futebol. O Parque Poliesportivo é um mundo também diretivo fora da órbita do futebol profissional. Poderá chegar o momento de ruptura por incompatibilidade de propósitos.   

Uma instituição longeva como o Santo André não morre, não deve morrer, mas precisa de fôlego para acompanhar as mudanças. Que não podem tardar.  

Não há ambiente para recuperar os pressupostos do então presidente Jairo Livolis. E nem se pode deixar a bola rolar para cair em nova armadilha que lembre o Saged. O terceiro vértice desse Triângulo das Bermudas de emergência à reestruturação do Santo André é seguir como está, navegando conforme as ondas.   

A saída que se oferece ao Santo André é dar um cavalo de pau em direção à modernidade institucional e organizacional. O modelo associativista, de voluntários, não se manterá por mais tempo. O modelo empresarial precisa ser bem desenhado, impedindo-se aventuras. Não há solução fácil. 



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