Paradoxalmente, não vejo o Sete de Setembro de terça-feira que vem num País que está longe de uma Terceira Via algo substancialmente diferente do Sete de Setembro encaminhado pelos acontecimentos dos últimos anos. Teremos um Sete de Setembro a confirmação formal de transformações do dia a dia do povo brasileiro. Transformações que podem ser resumidas em linguagem futebolística: agora temos dois times em campo, dois times equivalentes. Acabou a farsa de competidores assemelhados e ajambrados.
Antes que se manifestem leitores açodados ou mal-informados, ou mesmo inconformados, para não dizer preocupados, não custa contextualizar o que se segue para que não me coloquem na vala comum do fundamentalismo à direita e à esquerda que divide o público e a crítica nacional.
Ódio seletivo
Sou odiado pela esquerda quando afirmo que o sindicalismo ideológico e corporativista do Grande ABC foi o mais letal agente de destruição industrial com numerosíssimas baixas de empresas que se escafederam ou morreram. Sem contar que criou sim um divisor entre classe média tradicional e um proletariado industrial que ganhou musculatura econômica e, portanto, social.
Sou odiado pela direita que detesta ter de ler que o prefeito Celso Daniel é disparadamente o maior homem público que o Grande ABC produziu ao longo da história, unindo pragmatismo, planejamento e ecumenismo num partido, o PT, então visceralmente radical.
Sou odiado pela esquerda quando afirmo categoricamente que a Administração de Celso Daniel comportava sim e francamente um esquema de desvios de recursos para alimentar o PT na busca pela presidência da República, a ponto de Lula da Silva, então eterno candidato, elogiar Celso Daniel pela competitividade de arrecadação.
Sou odiado pela direita quando asseguro que Sérgio Gomes da Silva, a quem o Ministério Público estigmatizou com o uso da expressão “Sombra” pagou a conta de um crime que jamais cometeu, o de autor intelectual da morte de seu amigo Celso Daniel, perfilando-me com as três investigações da Polícia Civil do Estado e da Policia Federal, sob governos tucanos.
Mais ódio seletivo
Sou odiado pela direita quando lembro que a institucionalidade do Grande ABC (ou seja, as entidades ditas conservadoras) é um fiasco histórico porque se nutre única e exclusivamente de interesses mercantis, individualista ou grupal, incapaz que é de enxergar a fronteira de pobreza e misérias que nos abate.
Sou odiado pela esquerda quanto lembro que o presidente Lula da Silva registra os melhores indicadores de crescimento do PIB em oito anos de mandato porque o mundo inteiro se beneficiou da explosão de consumo de commodities na Ásia, principalmente na China, e o dinheiro extra foi gasto irresponsavelmente em projetos estúpidos -- como a proliferação de universidades federais sem compromisso com a sociedade -- com exceção do Bolsa Família indispensável num País miserável.
Mais ódio seletivo
Sou odiado pela direita gulosa e a esquerda raivosa do Grande ABC porque fui o primeiro a advertir já em 1990 que a vaca da economia regional se dirigia ao brejo do esfacelamento em forma de desindustrialização já mensurada e preocupante. O triunfalismo dos bem-estabelecidos e dos novos atores econômicos, os sindicalistas, não perdoava tamanha traição em forma de verdade comprovada.
Vou parando por aqui porque há tantos contrapontos paradoxais que provavelmente perderia o foco no que interessa, e o que interessa é o Sete de Setembro de terça-feira.
O Brasil que vai às ruas e vai botar para quebrar no sentido metafórico de que levará a oposição às cordas da inquietude é o Brasil que está vivo em todos os cantos, sobretudo no Interior menos receptivo a determinadas políticas comportamentais que as metrópoles não só assimilam como as abraçam.
Terça efervescente
Teremos terça-feira a constatação efervescente, até agora sonegada, de que a Grande Mídia perdeu o monopólio da informação e da temperatura social. Mais que isso: vive em quase extrema-unção como canal de credibilidade.
Tudo começou a desmoronar com o advento da Operação Lava Jato e as listas corriqueiras em forma de noticiário ingênuo de planilhas de oferendas a campanhas eleitorais das então intocáveis empreiteiras de obras públicas. A eleição de Jair Bolsonaro foi o corolário de uma verdade que subsistia fragilizada.
A Grande Mídia está em desespero porque não tem mais a costumeira e vezeira arrogância de interesses próprios repassada automaticamente à sociedade agora movida a tecnologia na palma da mão e suas variáveis contestatórias nas redes sociais.
Baixa credibilidade
Qualquer pesquisa séria que instituto algum vai revelar, embora a faça permanentemente, verificará que a Grande Mídia tem percentuais de aceitação muito abaixo de muitas instâncias. Inclusive da Presidência da República tão combatida porque também abusada.
É nesse vácuo de institucionalidades frágeis que a sociedade mais conservadora avança com indignação.
É tapar o sol com a peneira acreditar que um dos alvos principais da terça-feira de um país sem Terceira Via não será o Supremo Tribunal Federal. Tudo que se referir à Liberdade de Expressão esquadrinhará o território de arbitrariedades do Supremo.
O mesmo Supremo que até outro dia (tenho farta coleção do material) era duramente criticado, quando não ridicularizado pelos mesmos articulistas da Grande Mídia que hoje o esquecem porque o alvo que interessa é outro.
Narrativa de avestruz
Leio com atenção redobrada nestes dias de prenúncios catastrofistas o quanto a Grande Mídia se preocupa em estabelecer uma narrativa que nega a realidade das ruas e dos movimentos nas redes sociais.
A Grande Mídia ainda não caiu na real de que não basta amaldiçoar e demonizar as redes sociais para readquirir o lastro de um passado que se movia na escuridão e longe dos meios de comunicação suplementares.
O problema todo é que na medida em que a Grande Mídia adota um processo dissimulado típico de avestruz e os agentes políticos contrários ao atual presidente da República exercitam retóricas igualmente belicistas, mais colocam fogo no paiol de potenciais exageros dos manifestantes.
Pastor ignorado
A manifestação do ministro do Supremo Ricardo Lewandowski anteontem na Folha de S. Paulo e a repercussão seletiva na edição de hoje evocam algo parecido como um pastor em casa de tolerância numa noite em que se rifa uma virgem.
O que quero dizer com isso é que se trata de uma ingenuidade sem tamanho acreditar que a pregação em forma de advertência às eventuais consequências de se ultrapassar a linha divisória do gramado fará alguma diferença punitiva no Sete de Setembro que está chegando.
As autoridades convencionais deste País fazem de conta ou são ingênuas demais ao acreditarem que possam estabelecer regras morais e éticas num País que há muito descambou para a sem-vergonhice ilimitada.
Pretender estabelecer disciplina constitucional num momento em que todos estão na farra da discordância da metodologia aplicada até agora, inclusive de quem se esperava que cumprisse a mesma Constituição, é de lascar.
Se o jogo pode descambar para algo desagradável que está espertamente subjugado na estratégia dos manifestantes a fim de que não se cristalize antipatia dos frequentadores do outro lado do balcão político-partidário, a responsabilidade será de todos, não apenas dos eventuais transgressores.
VAR para o Supremo
O recuo dos governadores que se reuniram na tentativa de dar um golpe de Estado é sintomático do estágio de beligerância institucional do País. O disfarce do movimento que mais que recuou, se acovardou, porque sentiu o peso armamentista do outro lado, não engana quem tem cérebro.
Utilizar a democracia como varinha de condão para se auto-venderem como estadistas territoriais com apoio da Grande Mídia é o resumo da ópera do distanciamento da realidade. E a realidade é nua e crua: o Brasil está divididíssimo, assim como tantos outros países, Estados Unidos inclusive ou principalmente, e já não é mais possível determinar o rumo dos acontecimentos tendo velharias instrumentais como bússolas culturalmente viciadas.
O mundo ficou mais complexo, mais arredio, mais convulsivo. O Sete de Setembro é a extensão dessa linha desafiadora. A direita está ficando mais esperta na linguagem discursiva porque o Supremo ficou mais rigoroso na exorbitância punitiva. A esquerda a tudo observa. É possível que inveje o poder de mobilização da direita. O jogo agora é jogado por dois times de verdade. Um está escondido nos vestiários, pronto para entrar em campo. O outro, goste-se ou não, deita e rola. A arbitragem judiciária, como se vê, precisa de um VAR. Talvez seja neste Sete de Setembro.
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