Administração Pública

Jardim do Mar corre risco
de virar um Bairro Jardim?

DANIEL LIMA - 27/10/2023

Já faz algum tempo que um corretor de imóveis propôs que trocasse meu sobrado velho de guerra de classe média no Jardim do Mar, em São Bernardo, por um apartamento de classe média no Bairro Jardim, em Santo André. Esconjurei.  

Que me perdoem os moradores do Bairro Jardim, mas esse negócio de morar em paliteiro imobiliário não é comigo. Pode até acontecer de no futuro me mudar para algo parecido, porque na vida tudo é possível. Mas não é o que quero de minha vida. Tampouco sair de São Bernardo, logisticamente muito melhor que Santo André. Basta dar uma espiadinha no mapa regional, conhecer um pouco de acessibilidade e estamos conversados. 

O Bairro Jardim em Santo André (e a vizinhança mais próxima) é um espaço residencial que espero não servir de inspiração e de contaminação ao Jardim do Mar (e vizinhança próxima). Mas estou desconfiado de que a bomba está se armando para que seja alguma coisa semelhante em algumas quadras abertas à carnificina urbana.  

CONTADINHA PREOCUPANTE  

Dei uma contadinha na vizinhança e constatei que há pelo menos uma dezena de edifícios residenciais em lançamento ou em fase de complementação no Jardim do Mar. Tudo nas imediações da Rua Kara. A Rua Kara passa ao lado de minha residência.  

Não sei como a banda está tocando no Bairro Jardim, mas pelo andar da carruagem parece que o ritmo não é diferente do que ali se instalou, ou seja, construções e mais construções que elevam o rebaixamento da qualidade de vida.  

A diferença que ainda prevalece entre os dois endereços é que a acessibilidade urbana no entorno do Jardim do Mar é muito melhor que a do Bairro Jardim. A Avenida Kennedy, a Avenida Pereira Barreto e a Avenida Senador Vergueiro são o escoadouro para quem vem da Capital pela Anchieta. E essa turma de trabalhadores sem opções na região é cada vez maior. 

A turma de Santo André vive encapsulada numa área de baixa mobilidade resultante não só do excesso de apartamentos como também de atividades comerciais e de serviços. Sem contar um outro fator que pesa sobremaneira: o viário não tem desafogo. Quem se mete nos engarrafamentos do Bairro Jardim é candidato a infarto.  

MAIS FLEXIBILIDADE  

O Jardim do Mar conta com maior flexibilidade viária e as atividades comerciais e de serviços estão mais espalhadas, ou se concentram na Avenida Kennedy.  

Também ajudar a aliviar a pressão imobiliária a existência de espaços públicos de grande porte, casos da Cidade da Criança e do Complexo Vera Cruz, entre outros. Acho que nem a primeira nem a segunda virariam torres de apartamentos. Sou francamente favorável à monetização de áreas públicas. Desde que se obedeçam a referenciais de responsabilidade social e transparência.  

Em 2012 escrevi série de matérias mostrando os riscos provocados pelo lançamento do empreendimento Domus, que distribuiu mais de uma dezena de torres residenciais (e também algumas comerciais) no entorno do Paço de São Bernardo.  Trata-se de uma vizinhança muita próxima do Jardim do Mar. Vejo aquelas torres quando abro a janela de minha casa, quando passeio com minhas cachorras ou quando corro diariamente meus seis quilômetros.   

A crise econômica agudamente agressiva na região e principalmente em São Bernardo por conta da dependência automotiva, impediu que o caos se estabelecesse desde então. O mesmo caos que agora ameaça retomar força.  

CRISE ATRAPALHA  

Também pesou para o Jardim do Mar não ser engolfado pelo Domus (construído no terreno onde funcionou durante décadas a Tecelagem Tognato) o fracasso do empreendimento projetado. Previa-se ali muito mais do que existe. Teríamos no quintal do Paço Municipal uma espécie de distrito comercial e de serviços.  

A recessão Dilmista botou fogo no paiol de perspectivas. A pandemia do Coronavírus e as mudanças de comportamento no mercado de trabalho com a disseminação do home-office abrandaram os estragos previstos.  

Como tenho vivido praticamente recluso, em involuntária prisão domiciliar, por conta daquele tiro, meus caminhos diários praticamente se limitam a fazer compras no Sonda e no Bem Barato, na Avenida Kennedy. Tanto um quanto outro ficam na cara do gol de minha residência. Somente no final da tarde há trânsito irritante. No restante do dia não encontro obstáculos que que causem mais dores no trapézio do que as naturais de quem dirige com alguma dificuldade. Um dia explico a diferença entre correr e andar para quem tem o trapézio avariado. Andar 100 metros é um sacrifício.             

AÇÕES MINIMIZAM  

Imaginava lá no passado que a situação no Jardim do Mar por conta das torres do Domus seria mesmo outra. Entretanto, há outros dois pontos importantes que amenizaram a velocidade média dos veículos. 

Primeiro, as intervenções do Poder Público. Foram introduzidas algumas modificações nos traçados que separam o Jardim do Mar da Avenida Pereira Barreto e que influenciam toda a área. O esticamento da Rua Kara e agora recentemente uma abertura parcial de acesso à Avenida Pereira Barreto impulsionaram a mobilidade. 

Mas ainda falta muito para se chegar ao ideal que duvido que chegue. Afinal, são muitos edifícios em obras, muita demanda de novos moradores que chegarão com seus veículos e até que se descubra uma fórmula mágica que transforme concreto em matéria plástica, não haverá como equacionar novos afluxos com rearranjo logístico. 

DISPUTA ACIRRADA  

Talvez jamais o Jardim do Mar chegará ao estágio de deterioração da qualidade de vida do Bairro Jardim, mas a disputa entre São Bernardo e Santo André não pode ser negligenciada. A Administração Pública de São Bernardo precisa ficar de olho nas impropriardes do Bairro Jardim para que o Jardim do Mar não vire um inferno. 

Acho que vivo num outro mundo, mas não custa dizer em que mundo eu vivo. Quem sabe isso ajude os atuais prefeitos ou os próximos prefeitos não só dos dois municípios, mas dos demais a ouvirem mais os moradores quando grandes projetos imobiliários estiverem engatilhados.  

Tanto o prefeito Paulinho Serra quanto o prefeito Orlando Morando pegaram o bonde dos dois bairros mais demandados pelo mercado imobiliário. Não sei como estabelecer eventual diferença entre as decisões de um e as decisões do outro especificamente nesses dois locais.  

O que sei é que poderiam, quem sabe porque há mais de um ano de segundo mandato pela frente, tomarem providências. Que tal chamarem especialistas tanto de dentro quanto de fora da Prefeitura. Não custa muito reavaliar os dois microterritórios.  

O que poderia ser feito para evitar que o Jardim do Mar e vizinhança não virem um Bairro Jardim e o que seria possível fazer para reduzir a carga de nocividade para quem mora no Bairro Jardim? O que não pode é o Jardim do Mar entrar numa corrida maluca do Bairro Jardim por conta da voracidade do mercado imobiliário.  

VERTICALIZAÇÃO PERIGOSA  

Uma questão básica deveria servir de amparo a que se encontre soluções ambientalmente responsáveis e, também, infraestutura de serviços públicos suportável. Trata-se de equacionar o conceito de densidade demográfica, resultado de verticalização imobiliária. Deixar que mercadores imobiliários imponham a narrativa que sempre os beneficia é genocídio urbanístico. 

Os espertalhões do mercado imobiliário vendem derivativos do conceito de verticalização de empreendimentos tendo como premissa a lucratividade a qualquer preço. Torres residenciais (as comerciais são cada vez raras porque os negócios da economia não evoluem no campo de serviços) proliferam porque a densidade demográfica é subestimada, além de violentada.  

Uma torre residencial aqui e ali numa rua qualquer impacta toda a vizinhança principalmente quando não há escapatória viária que comporte a demanda adicional de moradores.  

BARULHEIRA NOTURNA 

Imaginem então torres residenciais uma adiante da outra. No Jardim do Mar, repito, são novos 10 edifícios num perímetro hoje de baixa densidade demográfica. O anabolizante das regras de construção ameaça em algum grau inquietante uma carnificina já consolidada no Bairro Jardim.  

E olhem que não fiz abordagem alguma sobre a barulheira noturna no Bairro Jardim, e que está longe de ser replicada na maioria da área do Jardim do Mar. Dormir no Bairro Jardim é um inferno, segundo quem conheço e que mora no Bairro Jardim. Mas eles, os incômodos, não podem alardear tanto desconforto porque preservam o patrimônio imobiliário. E ao que se sabe, nenhum morador tem grana suficiente para comprar e fechar uma casa noturna mais atrevida. Poucos são Abílio Diniz.  



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