Esportes

O que será de pequenos e médios
após formação do Clube da Globo?

DANIEL LIMA - 21/03/2011

Onde começou a carreira do técnico da Seleção Brasileira, Mano Menezes? Onde o técnico Muricy Ramalho ganhou experiência para chegar aonde chegou? Qual foi a primeira camisa que Ronaldo Fenômeno vestiu antes de ser levado ao Cruzeiro de Belo Horizonte? Qual foi o primeiro time da carreira do técnico Felipão? O universo do futebol brasileiro não seria o mesmo sem os clubes pequenos e médios, incubadoras de talentos dentro e fora dos gramados que abastecem grandes clubes nacionais e internacionais — e de vez em quando ainda beliscam títulos importantes.


Então, por que quando se debate a valorização econômico-financeira que implodiu o Clube dos 13, que na verdade era o Clube dos 20 e agora virou Clube da Globo, pequenos e médias agremiações brasileiras ficam no banco de reservas do desinteresse geral e irrestrito, como figurantes de um espetáculo que, pelo andar da carruagem, parece sugerir que também devem ser sumariamente descartáveis?


A tardia descoberta do marketing de dissidentes do Clube dos 13, de que os mais populares clubes associados à entidade devem receber muito, mas muito mais que os R$ 500 milhões anuais pelos direitos de transmissão de jogos pela TV e outras mídias e plataformas, não pode congelar contrastantes realidades do futebol brasileiro.


Nada disso está em descompasso, aliás, com tantas outras atividades econômicas que negligenciaram organizações de menor porte e aprofundaram desigualdades de um País por natureza desigual. Tão desigual que bastou um presidente da República olhar para os pobres e miseráveis, colocando-os no alvo de políticas de distribuição de renda e de consumo, para deixar o Palácio do Planalto praticamente canonizado, imune a qualquer tipo de crítica, por mais justa que seja.


Futebol profissional é sim uma atividade econômica, diferenciando-se de tantas outras porque se reveste da aura de entretenimento. Uma pena, entretanto, que parcela ainda robusta de quem está metida na engrenagem não se tenha dado conta de que profissionalismo não flerta intimidade com voluntarismo. Por isso, age como curiosos apostadores em corrida de cavalos, modalidade que, igualmente, só é passatempo para quem quer passar tempo.


A arremetida da Rede Globo para controlar o futebol brasileiro em tudo que represente possibilidades de elevar faturamento publicitário e audiência é legítima e deverá tornar-se bastante lucrativa também para as agremiações mais populares, principalmente — como se observam nos números de acordos formulados com os primeiros dissidentes do Clube dos 13.


A liderança midiática das Organizações Roberto Marinho é tão destacada, com repercussões nem sempre mensuráveis na imagem e nos anseios comerciais dos parceiros de negócios, que as pretensões da Rede Record e da Rede TV! parecem mesmo mais jogo de cena. Algo para marcar presença.


Rede Globo, tudo a ver


Contrariamente, portanto, aos eternos inimigos da Rede Globo, que a veem com desconfiança dedicada aos imperialistas, o pacote de programações e veículos que a emissora carioca oferece aos principais clubes brasileiros forma um aparelhamento negocial que os concorrentes jamais poderão sequer ameaçar.


Mas o contraponto ao monopólio da Rede Globo no futebol brasileiro é a implicação de medidas revestidas de capitalismo menos friamente pragmaticado ou com algumas pitas de socialismo.


É importante impedir a raquitinização das equipes médias e pequenas num primeiro estágio e, mais tarde, desarmar as ciladas dos defensores da eliminação dos campeonatos estaduais nos atuais moldes. Dar espaço a essas duas combinações elitistas seria o começo de uma derrocada que provocaria drástica redução da capacidade de renovação e de oxigenação do futebol brasileiro.


De qualquer modo, com encenação ou mesmo para valer, Rede Record e Rede TV! contribuíram à readequação das planilhas de valores monetários e também de marketing do futebol brasileiro.


Há perspectiva de que o acordo individual com representantes do Clube da Globo triplicará o montante despendido pela emissora a cada temporada, a partir do ano que vem. Algo que se aproximaria de R$ 1,5 bilhão por ano. Corinthians e Flamengo, os clubes mais populares — leia-se, de maior audiência — receberiam perto de R$ 110 milhões por temporada. Mais que o dobro de 2010. O Coritiba, clube grande-médio no espectro nacional, acertou com a Rede Globo por cerca de R$ 50 milhões por temporada. Muito mais que os R$ 22 milhões deste ano.


A persistir a projeção de aprofundamento da diferença entre os clubes mais populares e os demais, o desenlace seria a aceleração do processo de gigantismo dos grandes e de coadjuvantes dos médios-grandes, como se dá no futebol mais competitivo dos torneios nacionais da Europa. O que restará, então, aos pequenos e médios clubes que estão fora da grade preferencial da Rede Globo?


Vão sentir o golpe porque serão cada vez mais confinados à transmissão de jogos na TV paga, ou pegarão carona circunstancial nos campeonatos estaduais quando enfrentarem os grandes. E receberão ninharias por isso.


Dois movimentos opostos deverão ocorrer assim que os principais clubes brasileiros começarem a nadar no dinheiro do Clube da Globo.


Primeiro, terão mais recursos para repatriarem craques que disputam competições internacionais em endereços que há muito descobriram o poder do casamento entre mídia e futebol.


Segundo, provavelmente procurarão com mais avidez as revelações locais.


A inflação no futebol brasileiro deverá ser consequência imediata, mas o que virá depois quando a poeira baixar e os rescaldos da centralidade de audiência fizerem as vítimas previsíveis?


Como os pequenos e médios times estaduais vão oferecer resistência técnica a grandes equipes populares cada vez mais fortes?


Como vão sustentar estruturas de renovação de valores dentro de fora dos gramados caso se aprofunde a toada que já vem de algum tempo de fragilização diante dos clubes mais populares?


Marketing da bola


Foi-se o período em que craques ganhavam apenas o suficiente para uma aposentadoria modesta, desde que tivessem juízo e recorressem a investimentos. Agora, mesmo pernas-de-pau são proprietários de patrimônio imobiliário. Nada mais justo, porque a bola não rola por acaso nas competições de nível. Até na várzea há muito tempo só se formam equipes poderosas com dinheiro de patrocinadores e, principalmente, de benfeitores.


Nos grandes espetáculos o marketing é a síntese dos investimentos em torno da bola.


Que os clubes mais populares tenham preferência é uma coisa. Que sejam únicos chamarizes de atenção, é outra.


O risco que os desertores do praticamente extinto Clube dos 13 podem desencadear e que já se manifesta em profundidade nas competições estaduais menos desiguais em repartição do bolo de receitas geradas pela TV é esquecerem que a dinâmica rejuvenescedora do futebol brasileiro não comporta apenas os 20 integrantes desse agrupamento político.


Como ficará a situação cada vez mais excludente de pelo menos meia centena de times estaduais de pequeno e médio porte que gravitam em torno dos grandes clubes brasileiros nos principais centros esportivos do País?


Viverão a pão e água, de migalhas dos espetáculos que atraem grandes audiências em canais abertos e por assinatura? Terão possibilidades de obter mobilidade à Série A ou Série B do Campeonato Brasileiro?


Cultivadores da filosofia de que só os fortes devem sobreviver estão com a alma no Velho Oeste. Os tempos de carruagens, revolveres e enforcamentos já passaram. Manter pequenas e médias equipes à míngua é dar um tiro no próprio pé do futuro de competitividade de alto nível dos espetáculos de futebol.


A reposição de jogadores e de treinadores estará cada vez mais comprometida. Corre-se o risco de se cair numa roda-viva de mesmice na exata proporção em que os clubes de menor porte deixarem de operacionalizar tarefas típicas de autopeças no sistema de municiamento das montadoras de veículos. O ecossistema econômico não sobrevive saudável sem pequenos e médios negócios. O exemplo vale para o futebol também, por mais que seja demarcado por níveis de audiência.


Quantos treinadores e jogadores de talento não deixarão de surgir em resposta à aridez de recursos potencialmente financeiros fora dos endereços tão luminosos quanto incensados pela mídia privilegiadora da perfeição da espécie esportiva? Sim, porque também a mídia raciocina sob a ótica capitalista de curto prazo ao esgotar todas as possibilidades de ampliar o show de negócios do futebol.


Um show de negócios que se concentra seletivamente nas principais atrações de bilheterias, de equipes sempre suscetíveis a arrastar multidões.


Só ficam fora da ciranda contaminadora de massificação popular dos grandes clubes estaduais localidades menos expostas à quase monopolista cobertura midiática.


Periferias na penumbra


As periferias das regiões metropolitanas que insistem em sediar futebol sofrem mais agudamente com o modelo vigente. A maioria está excluída da rede de retransmissoras da programação da TV aberta, por razões técnico-topográficas.


Não é por outra razão, aliás, que o suposto fenômeno de torcedores que acompanham o São Bernardo é movimento artificial. O Estádio Primeiro de Maio só recebe em média mais de 10 mil pessoas por jogo do São Bernardo na Série A do Campeonato Paulista porque ingressos a preços populares são distribuídos gratuitamente, adquiridos por empresas patrocinadoras, e há distribuição criteriosa, com o suporte da Prefeitura petista.


Outras iniciativas assemelhadas, que incluem shows musicais e sorteio de prêmios, disseminam-se pelo território paulista e brasileiro como forma de compensação ao desequilíbrio orçamentário que corre na mesma raia da focalização midiática escrava de audiência.


Projetar o futuro de equipes médias e pequenas é um exercício que impõe riscos. Não é disparatoso afirmar que ao virar modelo de sedução de torcedores, o ingresso gratuito torna os frequentadores de arquibancadas majoritariamente espectadores, com amplas possibilidades de abandonar o barco assim que vantagens forem interrompidas.


A iniciativa do São Bernardo também tem um componente político-partidário, porque é a imagem do partido do governo municipal que está em jogo como apoiador de uma atividade que ajuda na auto-estima da população. Uma iniciativa importante, mas que não tem originalidade nem pioneirismo. Fundir futebol e gestão pública faz parte do negócio do futebol dos pequenos e médios clubes. Trata-se de modelo multipartidário.


O Santo André só conseguiu levar 12 mil torcedores ao jogo decisivo da semifinal do Campeonato Paulista do ano passado contra o Grêmio Prudente, no Estádio Bruno Daniel, porque uma rede de distribuição gratuita de ingressos envolveu principalmente agentes públicos. Vereadores situacionistas receberam cotas de ingresso para contemplar redutos eleitorais. Procurou-se fundir a imagem do time vitorioso e da administração municipal. Algo semelhante ao que mesmo o intelectual Celso Daniel empreendeu no Santo André inspirado pelo retumbante sucesso popular de Luiz Tortorello num São Caetano vitoriosíssimo nos gramados.


Passado que não volta mais


Antes que o futebol fosse objeto tentacular de marketing das principais redes de televisão, principalmente da TV Globo, as arquibancadas dos jogos do Santo André, a equipe mais antiga em atividade no Grande ABC, coalhavam de torcedores. A média ultrapassava a cinco mil espectadores em jogos comuns da antiga Segunda Divisão Paulista.


Quando disputou o Campeonato Brasileiro de 1984, o Estádio Bruno Daniel era espaço concorrido. Um jogo sem grandes implicações na classificação, contra o Operário de Campo Grande, reuniu mais de 12 mil pagantes. Hoje o Santo André não registra 700 pagantes em média por jogo do Campeonato Paulista da Série A. Na Série B do Brasileiro do ano passado também mal passou dessa marca.


O aniquilamento da representatividade popular dos médios e pequenos clubes paulistas e brasileiros é processo aparentemente irreversível. A tendência é de agravamento devido a centralidade de interesses econômicos e financeiros nos grandes e mais populares clubes que integravam o Clube dos 13, agora a caminho do Clube da Globo.


Corre-se cada vez mais o risco de o futebol brasileiro consolidar-se como palco de cartas marcadas em competições estaduais e nacionais. Os pequenos e médios times estaduais vão ser cada vez mais figurantes de espetáculos previamente dominados pelos grandes.


A gravidade maior do quadro é nacional. Quem estiver fora da lista do Clube da Globo será cada vez menos importante no ranking nacional. Que expectativa poderão ter equipes que disputam a Série B do Campeonato Brasileiro, e que receberão apenas projetados R$ 800 mil por toda a temporada como repasse da Confederação Brasileira de Futebol, diante de equipes de recursos muitas vezes superiores?


Sport, Portuguesa, Guarani e Vitória, integrantes da Série B do Campeonato Brasileiro, estão no segundo escalão do Clube da Globo, do qual recebem recursos financeiros à formação de equipes potencialmente mais fortes que os demais competidores.


Essa situação é muito mais que indutiva do seguinte pensamento: o Clube da Globo manterá permanente controle da quase totalidade das 20 vagas na Série A do Campeonato Brasileiro tanto quanto fortalecerá os times que o integram a ter passagens mais que breves pela Série B.


Os clubes que não fazem parte da confraria dos beneficiários do acordo com a Rede Globo vão ser eternos penetras da Série A do Campeonato Brasileiro. Podem aguentar-se por uma ou algumas temporadas entre os principais clubes brasileiros, mas mais dia menos dia acabarão rebaixados. Ainda mais a partir de 2012, que mais dinheiro vai abastecer o quintal já privilegiado dos ex-integrantes do Clube dos 13.


Uma reedição do São Caetano duas vezes vice-campeão brasileiro é quase utopia. Se já é demais o espaço que separa os orçamentos dos integrantes mesmo que mais modestos do quase extinto Clube dos 13 e os clubes médios que estão fora da instituição, imaginem então o que será com a nova distribuição orçamentária que virá.


Mobilidade mais comprometida


É preciso notabilizar-se por incompetência gerencial que beire a insanidade para não traduzir em resultados dentro de campo a disparidade de dinheiro na disputa pelos melhores jogadores disponíveis no mercado e, também ou principalmente, na organização de uma estrutura que impermeabilize o terreno da equipe contra o descenso.


Se dinheiro não contribuísse de forma incisiva como contraponto a qualquer outro elemento definidor de vitoriosos e derrotados, não haveria a clara divisão entre grandes, médios e pequenos. O perigo é levar essa separação ao extremo da imobilidade, eliminando-se a ascensão esportiva.


Não é por outra razão senão o aporte de dinheiro da TV e do marketing desdobrado da maior inserção social dos grandes clubes brasileiros que os rebaixamentos à Série B de Botafogo, Grêmio, Vasco, Atlético Mineiro, Corinthians e Palmeiras foram imediatamente superados na temporada seguinte.


Imaginem o cenário num futuro bastante próximo, quando os valores contratuais para transmissão de jogos pela TV subirão às alturas. Os grandes clubes nacionais serão maiores, os médios serão mais médios e os pequenos serão cada vez menores –uma divisão rígida quase que perpétua.


Não à toa que cada vez mais há disparidade de forças entre grandes clubes e os demais dos principais campeonatos estaduais do País. No Campeonato Paulista desta temporada, por exemplo, os pequenos e médios são tangidos previamente às supostas batalhas que disputarão com os grandes. Não chega a 10% o número de vitórias contra equipes de maior porte. Quase a metade do balanço do ano passado. Provavelmente, a seguir a toada de prevalecimento financeiro, muito menos que nas próximas edições.


E olhem que a Federação Paulista de Futebol repassa aos clubes de menor porte nada menos que R$ 1,8 milhão para uma temporada de apenas três meses de disputas. Quase três vezes mais que o direcionado pela CBF às equipes fora do Clube dos 13 da Série B do Campeonato Brasileiro. Uma competição de oito meses.


Uma divisão claramente perceptível de grandes, médios e pequenos integra o cenário estadual, caso do Campeonato Paulista. Mas quando se invade o terreno nacional, uma nova categoria está desenhada nas planilhas de recursos disponíveis, de estrutura concretizada: grandes, grandes-médios, médios-pequenos e pequenos.


O Coritiba e o Atlético Paranaense são grandes no Estado do Paraná, mas quando disputam a Série A do Campeonato Brasileiro viram grandes-médios. Os grandes intocáveis são Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, Fluminense, Botafogo, Flamengo, Vasco, Grêmio, Internacional, Cruzeiro e Atlético Mineiro. O Avaí vira médio-pequeno como o Bahia, o Ceará e outras equipes sem o apelo popular no universo nacional. A Portuguesa é médio em São Paulo e médio-pequeno ao se expandir território.


É muito provável que a nova ordem financeira que virá das negociações com a Rede Globo vai distinguir de vez as terras férteis dos grandes clubes populares, das terras nos limites de uso dos grandes clubes estaduais que perdem força no território nacional e dos médios e pequenos clubes estaduais que podem simplesmente converter-se em traços esportivos, como traços de audiência quando não enfrentam clubes mais poderosos.


Num mundo em que o esporte virou show midiático, perdem-se as estribeiras do bom senso e acredita-se piamente na eugênia de algumas raças privilegiadas pelos indicadores de retorno publicitário em escala cada vez mais ampla.


Os alquimistas de um novo modelo de futebol esquecem que ao fechar as portas à democratização possível das receitas financeiras movidas a televisão, resguardando-se interesses e fôlego dos demais clubes, simplesmente sonega-se oxigênio para que todos possam continuar a evoluir.


O silêncio de jogadores e treinadores egressos de pequenos e médios clubes e que hoje reúnem agregado de valor pessoal para contribuir com um modelo menos ostensivamente seletivo do negócio chamado futebol provavelmente lhes garantirá rodízio confortador nos principais clubes brasileiros. Mas como na vida tudo é finito, o que virá depois, só Deus sabe.


A caminho da europeização


Não há nada no horizonte próximo que possa sequer resvalar no duopólio do futebol espanhol, onde Barcelona e Real Madri são o centro controlador e difusor do universo da bola. No Campeonato Espanhol, temporada 2009/2010, o índice de rendimento das duas equipes alcançou 85,52%. Isso significa que de cada 10 pontos que disputaram, ganharam 8,55. Barcelona e Real Madri jogaram 38 vezes naquela temporada, ganharam 195 pontos dos 228 possíveis. Foi um recorde europeu, o mais rico e concorrido futebol do planeta, e exprime um arranjo de concentração de forças. A Espanha de apenas duas equipes fortes é a radicalização de uma Europa restritiva à competitividade múltipla no futebol.


É claro que a situação das duas equipes espanholas, também entre as 10 maiores do ranking mundial, não vem apenas e necessariamente do dinheiro do marketing sustentado pelas transmissões da televisão. Fatores sociais, políticos e culturais pesam na propulsão popular das duas equipes.


Como ensina a literatura, Real Madri e Barcelona sempre foram vistos como representantes de duas regiões rivais na Espanha, Catalunha e Castela, assim como das duas cidades. Mais que meramente esportiva, a rivalidade tem forte teor político. O Barcelona proclama-se defensor do nacionalismo catalão, não raro separatista. O Real Madri é relacionado ao franquismo.


Como se vê, nada que tenha semelhança com a tomografia do futebol no Brasil. Com números menos centralizados em duas grandes equipes, outros dos mais competitivos torneios nacionais também desnuda a disparidade de forças.


O futebol inglês, invadido por milionários investidores internacionais, apresentou no ano passado o predomínio dos quatro primeiros colocados à Copa da UEFA, espécie de Taça Libertadores dos sul-americanos. Chelsea, Manchester United, Arsenal e Tottenham ganharam 69,29% dos pontos disputados. Ou seja, a cada rodada venceram dois jogos e empataram outros dois. Se eliminados os confrontos diretos, seriam praticamente três vitórias e um empate durante três rodadas seguidas e três vitórias e uma derrota na rodada seguinte. Mais previsibilidade que isso só nos jogos de Barcelona e Real Madri.


O Campeonato Francês não fica muito atrás em resultados que antecipam probabilidades de vencedores e vencidos. Na temporada 2009/2010 os quatro primeiros colocados (Olympique de Marselha, Lyon, Auxerre e Lille) ganharam 63,81% dos pontos disputados, igualmente sem excluir os resultados dos jogos entre si. No Campeonato Alemão o índice dos quatro primeiros foi semelhante ao do francês, com 62,50% de produtividade média de Bayern de Munique, Schalke 04, Werden Bremen e Bayern Leverkusen.


Uma outra maneira de observar o que se dá no futebol europeu é recorrer à relação de campeões nacionais na primeira década desse novo século. Na Itália, a Internazionale ganhou os últimos cinco títulos, Juventus três, Milan um e Roma um. Na Espanha, o Barcelona subiu ao pódio quatro vezes, o Real Madri outras quatro e o Valência completou a relação. Na Inglaterra, Chelsea e Manchester United ganharam oito dos 10 títulos — cinco do Manchester. O Arsenal ganhou os outros dois. Na França, o Lyon ganhou oito títulos nacionais no período, o Bordeaux um e o Nantes o outro.


O Campeonato Brasileiro apresentou nos últimos seis anos índices inferiores à média dos campeonatos nacionais mais importantes da Europa. A marca de 73% de aproveitamento dos quatro primeiros colocados em 2005, quando o Corinthians de grandes investimentos da parceria com grupo de investidores chefiado pelo iraniano Kia Joorabchian tornou-se campeão, é um ponto fora da curva. Nos anos seguintes houve redução do índice, voltando ao eixo histórico: 60,96% em 2006, 57,23% em 2007, 60,52% em 2008, 56,79% em 2009 e 59,43% em 2010.


Muito além de 90 minutos


Só o futuro vai responder à possibilidade de o Campeonato Brasileiro elevar o índice de produtividade dos quatro primeiros colocados, aproximando-se da média européia. Flamengo, Corinthians e São Paulo, detentores dos maiores públicos e potencialmente maiores arrecadadores do bolo do Clube da Globo, passariam a contar relativamente com maior inflexão de capital para investimentos em reforços.


Mas isso não é tudo: a exposição na mídia, que vai além dos 90 minutos de cada jogo, começou a ser compreendida como o eixo de uma engrenagem de medidas de marketing retroalimentadoras de receitas. A campanha de sócio-torcedor é iniciativa que garante previsibilidade de receitas, da mesma forma que a venda de camisas de ídolos, entre outras iniciativas.


Os clubes mais populares do País, enfim, caíram nos braços de uma rede de negócios paralelos que engrossam as receitas, ainda dependentes demais da venda dos chamados direitos federativos dos atletas, a maioria dos quais, desde a implementação da Lei Pelé e da inserção do futebol como ativo capitalista, sob o controle majoritário de investidores privados.


A unidade do Clube dos 13 entrou em parafuso entre outros motivos porque Corinthians e Flamengo perceberam que podem receber muito mais da televisão do que contabilizam a cada temporada. Os clubes imediatamente em seguida no ranking de consumidores de futebol também vão exercer o mesmo direito de valorização da marca, mas em escalas inferiores ao que se apresenta hoje.


Isso quer dizer que receberão mais em valores absolutos, mas menos quando em confronto com a participação dos clubes mais populares. A readequação de valores monetários na distribuição de receitas do Clube da Globo, se nada de surpreendente atropelar a lógica das estatísticas do mercado de torcedores, passará por rearranjo que deveria agradar a gregos e a troianos, ou seja, grandes clubes nacionais e grandes clubes estaduais da associação criada em 1989.


O resumo dessa história é simples: embora já haja gradualismo na repartição de cotas da TV aos antigos integrantes do Clube dos 13, as agremiações de maior densidade popular trabalham fortemente nos bastidores por um equilíbrio de recursos proporcional ao público sintonizado diante de um aparelho de televisão, implacável medidor da temperatura de cores esportivas no País.


É nesse ponto que a roda pega quando se observa o futebol brasileiro por lentes mais amplas. Se mesmo os integrantes do Clube dos 13 que não estão na lista de maiores torcidas do País vão ser reagrupados economicamente num novo patamar, participando em menores proporções do bolo de repartição dos recursos contratuais, o que esperar dos médios e pequenos que estão excluídos da lista dos privilegiados como clubes complementares sem direito a vez e a voz?


É sobre esse ponto que até mesmo autoridades públicas federais deveriam voltar atenção, sem que isso desdobre-se em algo que lembre estatização, embora também não se possa demonizar essa variável como complementaridade ao capitalismo privado.


Não seria nenhuma bobagem dar certa retaguarda ou incentivo financeiro a clubes esportivos que não podem ficar à deriva no mercado da bola. O futebol brasileiro não pode correr o risco de aprofundar organizadamente uma situação de gravidade que se instaurou voluntariamente, ou seja, de desprezo e de descaso à grande maioria dos clubes que fermentam o desabrochar e também o amadurecimento de boa parte de novos valores dentro de campo e no banco de reservas.


O monitoramento mais ajuizado dos desequilíbrios técnicos e financeiros do futebol brasileiro passa obrigatoriamente pelo tratamento desigual aos desiguais, culminando com a perspectiva de atenuar o aprofundamento insano do processo de domínio popular dos grandes em detrimento da moribundez dos pequenos e dos médios clubes.


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