Talvez a imagem de um comboio ferroviário seja adequada para explicar com algum didatismo o que se passa na Série A do Campeonato Paulista nesta reta de chegada, cuja 15ª rodada se completa esta noite com São Bernardo versus Botafogo e Ponte Preta versus Ituano. Os quatro times grandes são a locomotiva propriamente dita. Os 16 vagões são distribuídos entre primeira e segunda classes. O São Caetano agora está na primeira classe. Só falta chegar aos mata-matas.
Os melhores da primeira classe, que garantirão um lugar nos mata-matas, contam com vaga praticamente reservada ao Mirassol e à Ponte Preta, que se juntariam à locomotiva movida por quatro motores de torque especial — Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos. Há duas vagas, portanto, a serem preenchidas. Já os passageiros de segunda classe sujeitos a integrarem composições passíveis de descarrilamento, formam uma imensa lista: Grêmio Prudente, Santo André, Linense, Ituano, Noroeste, Botafogo, São Bernardo e Americana.
O São Caetano conseguiu com a ajuda estatística sair da segunda classe e está com um pé no G8. Como costuma jogar conforme a dificuldade que se apresenta, característica que o diferencia de muitos médios clubes entre outras razões porque foi amalgamada com os sucessos durante a primeira década deste século, não se pode jogar fora, muito pelo contrário, a inclusão do Azulão no G8.
O que parecia impossível três rodadas atrás se apresenta viável agora. E para tanto não foram necessários mais que dois empates e duas vitórias por conta própria. E muita ajuda de concorrentes que pareciam bem mais favoritos ao G8, especialmente o Oeste de Itápolis.
A queda do índice de produtividade à ocupação da última vaga na fase de mata-matas do campeonato ajuda a explicar a ressurreição do São Caetano com potencial classificatório.
O Oeste de Itápolis, derrotado pelo Corinthians ontem, tem 21 pontos ganhos e 46,7% de aproveitamento. O São Caetano vem logo a seguir, em nono lugar, com 20 pontos e 44,4% de aproveitamento. A projeção atual é de que 27 pontos seriam suficientes à inclusão no G8. Ou seja: bastariam ao São Caetano três resultados normais nos próximos jogos: empate neste sábado com o Santo André no Bruno Daniel e vitórias diante do São Bernardo e do Linense no Anacleto Campanella. Poderia, nesse ponto, perder um jogo perdível contra o Corinthians, na penúltima rodada, no Pacaembu.
O problema é que qualquer alteração no medidor de produtividade — e isso foge do controle individual das equipes porque a mobilidade estatística pode ser prevista mas não empacotada segundo vontade própria — poderá exigir resultados diferentes dos projetados nos quatro jogos restantes. Como não depende das próprias forças para chegar ao G8, já que queira ou não o Oeste está à frente, conjecturas passam necessariamente por condicionalidades implacáveis.
As duas vagas ao G8 serão disputadas provavelmente nas últimas rodadas por Paulista (24 pontos), Oeste (21), São Caetano (20), Portuguesa (19) e Bragantino (19), todos da primeira classe. Claro que quanto menor a pontuação, menos possibilidades de classificação. Também o número de vitórias, primeiro critério de desempate, deve ser levado em conta. O São Caetano está uma vitória abaixo do Oeste e duas do Paulista.
Deve-se reconhecer que o São Caetano está no lucro até por conta do péssimo começo de disputa e também pelo futebol que não consegue jogar, situação que exige maior dependência de individualidades. A vitória de 2 a 0 diante do Bragantino cristalizou a instabilidade do grupo. Depois de brilhante empate contra o Palmeiras, o São Caetano voltou a se perder. Como os resultados da rodada o favoreceram, principalmente a derrota do Oeste e o empate da Portuguesa, passou a curtir a possibilidade de, agora na primeira classe, chegar ao G8. Um prêmio aos valores individuais que, mesmo abaixo do que poderiam render, porque futebol é um esporte coletivo, fazem a diferença. Como o gol de Ailton ontem. Ou as defesas poucas mas fantásticas de Luiz.
O fosso que separa o São Caetano e o Santo André, adversários deste sábado em circunstâncias excepcionais, não está apenas retratado na ocupação de vagões distintos no comboio classificatório. A diferença mais resplandecente é que o São Caetano parece ter amplo guarda-roupa e o Ramalhão colchão curto demais. O que poderia ser um divisor de águas e contrastar potencialmente as duas equipes limita-se à observação mutuamente crítica.
Contar com amplo guarda-roupa significa dizer que o técnico Ademir Fonseca talvez ainda não tenha compreendido que as alternativas de que dispõe individualmente para escalar a equipe não poderiam embaralhar-lhe a mente, mas desafiá-lo a construir cenários para cada situação em favor do coletivo.
A escalação do volante Erandir como terceiro zagueiro diante do Bragantino, depois de experimentos como volante-zagueiro em outros jogos, é uma aberração. A melhor formação com que o São Caetano se apresentou até agora, contra o Palmeiras, conta com três zagueiros e um meio de campo mais habilidoso, móvel, tecnicamente mais apetrechado a preencher espaços intermediários e a se apresentar como reforço ao ataque de forma escalonada. Se volante jogasse de zagueiro com a especificidade de zagueiro não precisaria ser volante. Erandir é uma boa opção como reforço de marcação para um clássico contra o Santo André, mas jogando de volante. Com ele, outros jogadores mais qualificados poderiam ter mais liberdade de criação.
Cobertor curto, no caso do Santo André, é optar pelo fortalecimento do sistema defensivo e, em contrapartida, abdicar de maiores ambições ofensivas, como se deu diante da Portuguesa e de tantos outros adversários. Ou, como também já ocorreu, lançar-se ao ataque e abrir-se defensivamente aos contragolpes adversários. O cobertor do Santo André é curto porque o guarda-roupa técnico e tático é enxuto, para não dizer escasso.
O clássico deste sábado no Estádio Bruno Daniel terá como provável vencedor quem souber fazer prevalecer as características de que mais é detentor: o Santo André não tem estrutura ofensiva para impor-se tecnicamente a um São Caetano que, por sua vez, não poderia separar a maior qualificação individual de um projeto que o tornasse controlador do jogo.
Quem joga contra o relógio é o Santo André, recordista histórico de empates no Campeonato Paulista e a quem só a vitória interessa. Resta saber até que ponto o Ramalhão conseguirá segurar a ansiedade de usar a cabeça para jogar da forma que mais lhe interessa, em contragolpes. Resta saber até que ponto o São Caetano conseguirá sustentar uma leitura tática que implicaria em agravar o estado de ânimo e de perspectiva do adversário.
Jogará o São Caetano de olho nos resultados necessários e que lhe permitem planejamento mais cerebral?
Jogará o Santo André sob o peso de procurar a vitória a qualquer custo, tornando-se vulnerável em racionalidade?
Quanto aos passageiros de segunda classe que lutam para fugir do rebaixamento, deixo análise para depois. O São Bernardo deve escapar dessa turma esta noite, ingressando praticamente na primeira classe mas sem maiores ambições de G8. Caso contrário, vai meter-se numa enrascada.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André