Esportes

São Bernardo ganha reforço de
Ronan para Clássico do Desespero

DANIEL LIMA - 08/04/2011

Se já não bastasse o calendário nacional, que permitiu ao São Bernardo passar uma semana em preparação específica para o Clássico do Desespero deste sábado à tarde no Estádio Primeiro de Maio, o presidente do Santo André, Ronan Maria Pinto, deu espetacular empurrão ao rebaixamento da equipe. A entrevista publicada nesta sexta-feira no Diário do Grande ABC, de sua propriedade, é a antítese do que se espera de um comandante que, nestas alturas do campeonato, deveria levar tranquilidade ao elenco. Se o Santo André escapar de novo tropeço não será “por causa”, mas sim “apesar” do presidente.


Ao ameaçar disposição de renunciar ao cargo caso a equipe vá às profundezas do descenso, ou seja, do trirrebaixamento sob seu comando, e de reclamar publicamente dos jogadores, como se não tivesse culpa alguma no cartório de desilusões, Ronan Maria Pinto assinou um surpreendente atestado de destempero emocional. Surpreendente porque Ronan Maria Pinto costuma ter postura pública mais comedida.


O São Bernardo agradece o terremoto que as declarações do dirigente devem ter provocado internamente no elenco ramalhino. O impacto da goleada diante do São Caetano por 6 a 1 no final de semana passada foi um teste terrível para a equipe de Luiz Fernando Teixeira. Mais que um teste, uma provação. E o presidente do Tigre resistiu com méritos. O São Bernardo manteve a serenidade pública durante a semana preparatória a um jogo que não admite outro resultado senão a vitória. E internamente lambeu as feridas com paciência e costuras relacionais.


Que diferença em relação a Ronan Maria Pinto! Ou seja, o São Bernardo começou a ganhar o Clássico do Desespero fora de campo. E deverá confirmar o triunfo também em campo. Isso não é torcida. É intuição. Filha dileta do conhecimento.


A outra aberração declaratória de Ronan Maria Pinto ao Diário do Grande ABC refere-se à tentativa de transferir a terceiros — aos dirigentes do Esporte Clube Santo André — a precariedade técnica e financeira do Ramalhão que há quatro anos está sob controle do Saged, empresa criada para administrar o futebol da cidade.


Ronan Maria Pinto aproveita-se do amedrontamento que impõe a interlocutores e reage ao infortúnio de novo rebaixamento à vista com dose cavalar de trairagem. Jamais na história do Ramahão um presidente foi tão autoritário, independente e imperialista como Ronan Maria Pinto.


Como já escrevi antes, a derrocada do Ramalhão-Saged não é desdobramento do formato jurídico da parceria, é sobretudo ou exclusivamente de ordem administrativa e gerencial. Os acionistas do Saged não passam de marias-vão-com-as-outras, salvo as exceções de praxe.


E o Conselho Consultivo, também integrado por acionistas, está muito aquém das prerrogativas legais. Tudo por conta do poder midiático de Ronan Maria Pinto.


Mas, voltando ao Clássico do Desespero, o São Bernardo entra com a vantagem do campo, da torcida e da tábua de classificação, enquanto o Santo André vem de cansativo jogo no meio de semana pela Copa do Brasil diante do Sampaio Correia. Nem a vitória de 1 a 0 e a classificação às oitavas de final deram à equipe o grau de tranquilidade que poderia beneficiá-la em São Bernardo.


O time de Sandro Gaúcho repetiu os problemas do antecessor Pintado. Trata-se de um grupo de parcas qualidades táticas, o que torna problemática qualquer análise individual. O erro de montagem do elenco não pode ser confundido com negligência motivacional ou com modelagem organizacional, como pretende fazer crer o presidente Ronan Maria Pinto.


Não serão R$ 500 mil de premiação para fugir da queda, como alardeou o dirigente, que vão fazer o Santo André jogar futebol razoavelmente competente para sair do paredão do rebaixamento. Há certas coisas que dinheiro nenhum compra. Corinthians, Palmeiras, Botafogo e Atlético Mineiro não caíram por acaso. Nem o Santo André está à beira de uma terceira queda por conta de sortilégios.


Imaginem os leitores o peso que carregarão os jogadores do Santo André no Clássico do Desespero após a leitura da entrevista ameaçadora de Ronan Maria Pinto?


Qualquer profissional mais ou menos entendido em psicologia de grupo responderá que a atitude do dirigente se insere no manual de contrassenso motivacional, o que em linhas gerais significa que o efeito poderá ser o inverso do pretendido.


Alguém duvida que Ronan Maria Pinto quis atingir dois alvos com o mesmo tiro? Primeiro, mexer com os brios dos jogadores e, segundo, estilhaçar a reputação dos dirigentes do Esporte Clube Santo André, cuja responsabilidade no fracasso da parceria Ramalhão limita-se à covardia diante do todo-poderoso dirigente do Diário do Grande ABC.


Quanto ao jogo em si, que é o que mais deveria interessar agora, teremos um São Bernardo com as vantagens que as circunstâncias oferecem, as quais deverão ter peso decisivo ao final de 90 minutos.


A lição da derrota diante do São Caetano certamente foi aprendida. Não se altera radicalmente a estrutura tática — do 3-5-2 para o 4-2-2-2– nem tampouco se deixa no banco de reservas um armador da qualidade de Júnior Xuxa (mesmo capenga no segundo tempo) impunemente.


O time de Estevam Soares já viveu melhores momentos, já chegou a encantar pela reação tática de tornar-se mais rico em alternativas de jogo, mas entrou em parafuso ao ingressar no paredão do rebaixamento.


É preciso sim levar em conta os efeitos emocionais que a zona do descenso provoca. É uma pedreira olhar para o quadro classificatório e verificar que o vermelho do risco de eventual queda está ali, ameaçador. Faltam estudos que perscrutem a alma dos jogadores que vivem no paredão. Só quem já frequentou vestiários com certa assiduidade sabe o estresse que a situação provoca.


É possível brandir dois núcleos explicativos ao final do Clássico do Desespero. Primeiro, a influência do público que vai comparecer ao Estádio Primeiro de Maio, majoritariamente do Tigre, avassaladoramente do Tigre. Se em vez de público tivermos torcida, dessas que não param o tempo todo, a situação do Santo André será ainda mais desconfortável. A outra é a possibilidade de, finalmente, como Eduardo do São Caetano, Danielzinho desencantar no campeonato.


Do lado do Santo André, somente a hipocrisia me faria dizer que confio em algo que não seja novo tropeço. Talvez a paciência seja o último reduto tático do Santo André para surpreender o Tigre. O técnico Sandro Gaúcho leva às últimas consequências a teoria de que é melhor fechar-se em copas e esperar por um erro do adversário para mudar a história do jogo. Para isso, conta principalmente com o talento de Rychely.


Teremos, provavelmente, uma paradoxal batalha da paciência tática mais cevada de um desesperado Ramalhão contra o autocontrole emocional aparentemente bem articulado durante a semana de um desesperado Tigre. Que jogo, que jogo!


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