Ao se completar o quarto ano de transposição do Ramalhão do Esporte Clube Santo André para o Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), clube-empresa preparado para alavancar o futebol de uma cidade que se afasta cada vez de seu representante, o balanço é tenebroso: o Ramalhão encontra-se no pior momento de sua história de mais de 40 anos. O fracasso é complexo e multifacetado, ou seja, é o pior dos modelos dos perdedores porque requer soluções igualmente múltiplas de agentes que primam pela simplificação típica dos ignorantes.
Tem-se uma obra dantesca no campo institucional, na arena esportiva, no terreno administrativo e na seara financeira.
Quem olhar para o ranking da Confederação Brasileira de Futebol e observar que o Ramalhão é o 10º clube mais importante do Estado de São Paulo, não acreditará que a situação atual seja realidade.
O Saged destruiu o que o Esporte Clube Santo André deixou de positivo e ampliou o grau de complicações de uma herança de inquietações que motivou o então presidente Jairo Livolis a buscar saída na suposta modernidade de uma administração empresarial.
O capitalismo imposto ao Ramalhão sob o controle do Saged tem muito mais semelhança com o selvagem e predatório capitalismo russo pós- dissolução da República Soviética do que com qualquer outro modelo decorrente da globalização.
É preciso ser desinformado demais para acreditar que o quadro estrutural do Ramalhão se resolve com verborragia. Se conversa mole fosse solução, o Ramalhão não teria chegado à penúria. Fanfarronices verbais e armadilhas semânticas para transferir responsabilidade a inocentes não faltaram nos últimos tempos de vacas magras de rebaixamentos renitentes.
A maior de todas as bobagens foi acreditar que o título de vice-campeão paulista no ano passado seria eterna fonte do sucesso e o divisor de águas entre o passado de certo romantismo do Ramalhão sob o controle do Esporte Clube Santo André e o presente de empreendedorismo supostamente invejável do Saged.
Caiu do cavalo da realidade sempre sujeita a mudanças quem acreditou ter descoberto a fórmula do sucesso. Um time vencedor como aquele com Bruno César, Rodriguinho, Nunes, Gil, Alê, Carlinhos e Branquinho, entre outros, tem muito mais a ver com sortilégios do destino do que propriamente com planejamento. A excepcionalidade daquela campanha é prova disso. Tratou-se a exceção como regra.
As sucessivas perdas daqueles valores técnicos, negociados a preços módicos porque os contratos que os prendiam ao Saged eram demasiadamente curtos, escancarou a surpresa dos resultados. Ao imaginarem que repetiriam a dose este ano, os dirigentes bateram com a cara no rebaixamento e, ironicamente, ficaram com o passivo de um elenco sem valor de mercado, mas com contratos longos.
Fracasso administrativo
O centralismo decisório do presidente Ronan Maria Pinto sem que se esboçasse resistência deu ao Saged sintomatologias ditatoriais antagônicas aos pressupostos democráticos que a constituição da empresa em moldes capitalistas recomendava. O afastamento dos acionistas de qualquer tipo de colaboração efetiva à diretoria executiva do Saged foi compulsório. Perdeu-se uma oportunidade de ouro para compartilhar responsabilidades. A governança corporativa esvaiu-se. Quem não participa de decisões é desestimulado a engrossar fileiras em torno de mobilizações coletivas.
A metástase da gestão do Saged avessa à pluralidade diretiva tornou-se compulsória. Se o objetivo do dirigente era reinar absoluto, conseguiu o intento com louvor. Tornou-se todo-poderoso; acima do bem e do mal. A administração do Saged não passa de abstração contábil e de caricatura prática. Nenhum dirigente na história do Ramalhão conta com tantos poderes e muito menos com tanta benevolência e silêncio de potenciais colaboradores, transformados em dóceis e subservientes opositores.
A gangorra esportiva de chegar à Série A e, dois anos depois, mergulhar na Série C do Campeonato Brasileiro, é retrato acabado do despreparo administrativo do Saged. O Ramalhão chegou ao ápice da hierarquia do futebol brasileiro por conta de investimentos sem respaldo econômico-financeiro. Privatizado pelo Saged, o Ramalhão foi reprivatizado por Ronan Maria Pinto.
O Ramalhão da Série A não passou de uma Ferrari financiada pela vaidade de um frentista que, sem estofo econômico, agora dirige um fusquinha. A brincadeira lubrificada por gastos incontroláveis para constar da elite do futebol brasileiro impôs custo-benefício em forma de Série C. Talvez de Série D tão próxima. O Ramalhão deu passos de ambição muito maiores que as próprias pernas de sensatez. Qualquer antecessor de Ronan Maria Pinto teria obtido resultados semelhantes se desprezasse o dia seguinte. O Ramalhão que também ganhou por acaso a Copa do Brasil em 2004 não se desmanchou em seguida. Continuou vivendo na corda bamba financeira de antes, mas não desgarrou-se da prudência administrativa.
O Saged deixou escapar, ou melhor, jogou na lata do lixo da história, a melhor oportunidade para potencializar o Ramalhão, porque desprezou a institucionalidade, parente muito próxima da credibilidade, irmã siamesa da sustentabilidade.
A fita de largada do empreendimento formulado por Jairo Livolis concebia uma proposta rejuvenescedora e regeneradora dos músculos já entorpecidos de um Ramalhão que mal se sustentava no modelo associativo do Esporte Clube Santo André. Os tempos mudaram, futebol virou negócios e Jairo Livolis sabia que não dava mais para adiar a introdução de um modelo de gestão de futebol que seduzisse torcedores, conselheiros e investidores comuns com potenciais lucros. A criação do Saged consistia na bala de prata da história do Ramalhão. O Saged a desperdiçou. Mais que isso: o tiro saiu pela culatra.
A injeção de recursos de acionistas na capitalização do Saged, o banco de jovens jogadores das equipes de base cuidadosamente administradas por Jairo Livolis e a projeção de retorno dos investimentos numa atividade em que a bola deixou de ser simples entretenimento possivelmente jamais se repetirão. O Ramalhão está sem horizonte, porque lhe roubaram o direito de traçar perspectivas. Sonegaram-lhe a possibilidade de continuar pertencendo ao clube das bem-aventuradas equipes que constam da grade televisiva.
Fracasso esportivo
Se a contabilidade de rebaixamentos do Ramalhão sob domínio do Saged for fiel à prática e dispense a luz do Direito, ao se completarem neste maio quatro anos de gestão o que se tem de fato são quatro quedas: da Série A para a Série B do Campeonato Paulista no primeiro semestre de 2007, da Série A para a Série B do Campeonato Paulista no primeiro semestre deste ano, da Série A para a Série B do Campeonato Brasileiro em 2009 e da Série B para a Série C do Campeonato Brasileiro do ano passado. Nesse intervalo, houve dois acessos: da Série B para a Série A do Campeonato Paulista em 2008 e da Série B para a Série A do Campeonato Brasileiro de 2009.
Tudo isso compõe um tobogã típico de estereótipos do comportamento lusitano em terras brasileiras, porque o resultado final é desastroso: o Ramalhão agora na Série B do Paulista e na Série C do Brasileiro está fora da vitrine da televisão, meio propulsor do futebol empresarial em qualquer parte do globo terrestre em que a atividade deixou o romantismo no passado. E quem está fora da TV e também dos melhores endereços de sites esportivos é penalizado com o estreitamento do mercado da bola. Os atletas com os quais mantém contratos entram no vácuo da obscuridade. Que agente desses profissionais quer se manter em disputas sem repercussão na mídia?
Para atribuir um quarto rebaixamento do Ramalhão ao Saged é preciso voltar no tempo. Em maio de 2007, quando o Ramalhão foi oficialmente privatizado pelo Saged, a consumação da queda à Série B do Paulista já era realidade. A equipe fora rebaixada um pouco antes, sob o controle operacional do Esporte Clube Santo André. Um falso controle. Desde janeiro de 2007 o Saged já existia de fato. Reuniões com investidores já preenchiam a agenda de Jairo Livolis, idealizador do projeto.
O açodamento na campanha eleitoral para a presidência do Esporte Clube Santo André levou o Ramalhão ao rebaixamento. Celso Luiz de Almeida foi eleito presidente com o apoio de Jairo Livolis, que não concorreu por conta de restrições estatutárias.
Uma oposição comandada pelo conselheiro Luiz Antonio Lepori, com suporte de Ronan Maria Pinto e do Diário do Grande ABC, não evitou a vitória situacionista, mas o preço acabou salgado ao fragilizar o ritual de formação da equipe que disputaria o Campeonato Paulista. Celso Luiz de Almeida ganhou a presidência, mas o time que iniciou a disputa da Série A foi montado às pressas, sem o cuidado de edições anteriores. Só poderia cair mesmo.
Foi no Campeonato Brasileiro da Série B de 2007 que o Saged iniciou de direito a gestão do Ramalhão. Jairo Livolis era o presidente e Celso Luiz de Almeida o vice do anunciado clube-empresa. Eles deixaram o Ramalhão quando faltavam 12 rodadas (um terço) para o encerramento da disputa. Foram atropelados por Ronan Maria Pinto. A equipe estava seriamente ameaçada pelo descenso. Ronan Maria Pinto mandava e desmandava no comando paralelo do grupo. Tripudiava a hierarquia do Saged com sua força financeira. Era uma convivência insuportável para quem preza o sono, mas a diplomacia recheada de hipocrisia foi esticada até um ponto extremo.
O divisionismo imperava no Ramalhão. A instabilidade chegou ao ponto máximo quando Celso Luiz de Almeida renunciou ao cargo de vice-presidente do Saged. Jairo Livolis, o presidente, saiu em seguida. Daí em diante quem deu as cartas foi Ronan Maria Pinto. Esse é o estilo dele dirigir. Chega de devagarzinho, conquista parceiros e depois age com mandonismo sempre suave mas absoluto. Também o técnico Sérgio Soares, que três anos depois, levou o Ramalhão ao vice Paulista, não suportou a pressão naquela temporada de 2007 na Série B do Campeonato Brasileiro. O ambiente era devastador para quem tivesse alguma relação direta com o antigo comando do Ramalhão.
O dirigente principal do Saged espalhou que descobrira o segredo do sucesso no futebol. Ele estava inebriado com o vice-campeonato do Ramalhão no ano passado. Nem o rebaixamento na temporada de 2010 à Série B do Campeonato Brasileiro parecia abalar as convicções de simplificação da fórmula do sucesso que Ronan Maria Pinto passou a ostentar.
Dois novos rebaixamentos depois, o dirigente tentou aplicar um golpe de capoeira nos opositores sempre cautelosos: tomar o poder absoluto do Ramalhão com a supressão do Esporte Clube Santo André como intermediário legal nas instâncias esportivas. A ideia era deixar o Saged endividado num canto qualquer da prateleira de imprevidências e montar uma nova empresa, agora completamente esportiva, sem passivos de qualquer espécie. Até, quem sabe, um novo rombo se consumasse.
Ronan Maria Pinto anunciou que renunciaria ao cargo se não obtivesse mais liberdade administrativa e também supostas vantagens de mudanças jurídicas que tornariam o Ramalhão sob controle de uma organização integralmente formatada como clube-empresa. O Saged, apesar de atuar o tempo todo como clube-empresa, é de direito uma organização que terceirizou o Ramalhão. Ou seja, não tem representatividade legal nas esferas esportivas. Algo que não interfere em nada no gerenciamento do Saged e, mais que isso, reduz em cerca de 40% os custos fiscais. Mesmo assim, Ronan Maria Pinto propagou a farsa de que o modelo era prejudicial ao Saged. Era preciso transferir a culpa do fracasso a terceiros. Ele só se esqueceu de os êxitos, efêmeros, é verdade.
A prometida renúncia, a três dias do decisivo clássico com o São Bernardo, que definiu o rebaixamento do Ramalhão, não passou de um tiro pela culatra. O Esporte Clube Santo André correu atrás de pareceres jurídicos para proteger-se de eventuais enxurradas fiscais do Saged. Uma medida defensiva de responsabilidade social, porque representa perto de 20 mil associados, entre titulares e dependentes, que se utilizam do Parque Poliesportivo.
O contrato que o Esporte Clube Santo André firmou com o Saged tem duração de 20 anos. Nesse intervalo, qualquer novo ente jurídico que se interponha para assumir o futebol precisa passar pela aprovação do clube dirigido por Celso Luiz de Almeida. O Saged já deu motivos de toda ordem para ter o contrato rompido pelo Esporte Clube Santo André. A decisão seria um tiro no pé, diante da calamidade que se instalou no clube-empresa.
Ronan Maria Pinto continua à frente do Saged entre outros motivos porque teria de enfrentar uma blitz judicial. Estaria tudo encaminhado para requisitar ao Judiciário a apuração contábil do Saged, uma forma de proteger o Esporte Clube Santo André de uma herança econômico-financeira maldita. Como se já não bastassem os descaminhos do futebol.
O próximo assalto da luta para neutralizar a derrocada completa é disputar a Série C do Campeonato Brasileiro ao menos para fugir de novo rebaixamento, o quinto de fato e o quarto de direito. Enfrentar Caxias, Brasil, Joinville e Chapecoense a partir de julho é atemorizador para quem não conta com reservas financeiras para buscar reforços de verdade no mercado da bola.
Mais que isso, a situação é grave para quem passou a ser observado atentamente com desconfiança, porque é impossível não sobrarem idiossincrasias às equipes que insistem em perder, perder e perder. O risco de jogar no Ramalhão eleva os custos de proteção de ativos esportivos, no caso, de jogadores. Jogar no Ramalhão em queda livre provavelmente é uma das últimas opções dos agentes com alguma pretensão de obter rentabilidade com seus ativos técnicos.
Mesmo os dois acessos que o Ramalhão alcançou sob o guarda-chuva do Saged merecem cuidadosa reflexão, para que não se caia no conto do vigário. Foram situações de inversão de capital completamente fora do eixo de equilíbrio orçamentário do Saged. O Ramalhão dos dois acessos atuou como ciclista dopado para acelerar pedaladas, artificialmente aquecido pela ensandecida volúpia de crescimento a qualquer custo, sem se dar conta do dia seguinte, que cobra caro por extravagâncias.
Fracasso financeiro
Ganha um doce de batata doce quem desvendar o segredo guardado a sete chaves: qual é o prejuízo financeiro acumulado pelo Saged após quatro anos de gestão do Ramalhão?
Desista de qualquer tentativa. Poupe seu tempo. É mais provável descobrir o segredo da Coca Cola.
Provavelmente nem o voluntarioso presidente Ronan Maria Pinto tem a resposta. O Saged é comandado ao sabor dos ventos. Quando a biruta esportiva virou, lá se foi para o beleléu qualquer perspectiva de sucesso financeiro.
Qualquer quantia próxima de R$ 15 milhões não será um chute do tamanho do buraco a ser fechado. Fala-se em R$ 8 milhões, oficialmente. Tudo não passa de meia verdade. Não se somam valores inadvertidamente amortizados com o repasse dos direitos federativos de atletas a Ronan Maria Pinto, suposto credor de alguns milhões.
Isso mesmo: Ronan Maria Pinto autodeclarou-se credor de recursos que não passaram pela transparência de contabilidade.
Direitos federativos é a denominação formal do que no passado, antes da Lei Pelé, se chamava atestado liberatório, ou simplesmente, passe. Ou seja: o vínculo oficial dos jogadores estava preso aos clubes. Agora são de empresários que deitam e rolam. Nada contra o modelo de liberdade de mercado. O problema é que pode gerar manipulações e distorções.
Ao passar aos próprios domínios os direitos federativos de uma quantidade de jogadores não revelada, Ronan Maria Pinto procura atenuar o escândalo do prejuízo em que meteu o Saged, mas comete um crime de lesa-ética ao privatizar um patrimônio do clube-empresa.
Quando repassou o Ramalhão ao Saged em 2007, o Esporte Clube Santo André transferiu um banco de atletas potencialmente rentável. A maioria dos jogadores acabou negociada nos últimos quatro anos. A lista é extensa. Maicon Leite, Richarlyson, Pará, Júnior Dutra, Antonio Flávio, Williams e tantos outros começaram nas divisões de base ou foram reforços agregados ao Ramalhão pelo Esporte Clube Santo André.
O Saged fez um negócio da China ao privatizar o Ramalhão. O Esporte Clube Santo André esperava manter o controle administrativo do Saged, mas foi apeado do poder por Ronan Maria Pinto logo nos primeiros meses. Com isso, entregou de bandeja tudo o que construiu ao longo da história, inclusive a própria história.
Todos os direitos esportivos do Esporte Clube Santo André foram apropriados pelo Saged. A divisão de bases montada por Jairo Livolis virou pó. Os melhores atletas deixaram o clube em negociações pouco transparentes. Calcula-se que os jovens valores e também os profissionais entregues pelo Esporte Clube Santo André ao Saged valiam potencialmente perto de R$ 18 milhões. Um gerenciamento cuidadoso permitiria que os frutos amadurecessem antes de negociações. A pressa em fazer dinheiro encurtou o ciclo de resultados financeiros.
O Saged consumiu todos os recursos financeiros gerados pelas negociações de atletas, inclusive da equipe vitoriosa da temporada passada, vice-campeã paulista. Mais que isso: a capitalização em forma de participação acionária, que gerou outros R$ 9 milhões aos cofres do Saged, também evaporou na cadeia de desperdícios do clube-empresa. Os recursos financeiros não foram reservados como fundo de investimentos. Caíram no redemoinho de despesas ordinárias.
Somando-se a evaporação dos valores potenciais da divisão de base e a capitalização acionária, chega-se perto de R$ 25 milhões de receitas extraordinárias. Acrescentando-se previsíveis R$ 15 milhões de déficit operacional, inclusive de tributos, o vermelho do Saged chega próximo a R$ 40 milhões.
Qualquer tentativa de desclassificar esses números não terá sustentabilidade. Falta respaldo de dados concretos. Sem transparência administrativa, a movimentação financeira do Saged assemelha-se a inúmeras versões de assassinatos de gente famosa. Falar em balanço financeiro confiável do Saged é algo como tratar de corda em casa de enforcado. Enquanto o Esporte Clube Santo André oferece publicidade transparente às atividades no Parque Poliesportivo do Parque Jaçatuba, o Saged é uma densa cortina de nebulosidade.
O balancete do Esporte Clube Santo André está disponível inclusive no site da Federação Paulista de Futebol. O presidente Celso Luiz de Almeida domina a linguagem contábil e não se descuida da legalidade de atos e também da importância de informar tudo o que ocorre na agremiação. Associados e conselheiros do Esporte Clube Santo André só não sabem o que ocorre na agremiação se forem alienados demais. Acionistas do Saged só sabem o que ocorre na gestão do Ramalhão se forem adivinhos.
Fracasso institucional
Dois exemplos emblemáticos do quanto o Ramalhão sofre de anorexia institucional. O primeiro foi o segundo jogo das semifinais do Campeonato Paulista no ano passado contra o Grêmio Prudente. O Estádio Bruno Daniel só recebeu 12 mil pessoas, 10 vezes superior à média da equipe no torneio, porque os ingressos foram distribuídos gratuitamente a uma rede de políticos, principalmente vereadores, ávidos por aproximação com o eleitorado. O segundo foram os jogos finais contra o Santos, no Pacaembu. O Tobogã reservado para o primeiro jogo, com seus cinco mil ingressos, foi invadido por santistas ante o esvaziamento da torcida adversária. No segundo jogo, um cantinho de arquibancada, para duas mil pessoas, não recebeu mais de 500 ramalhões.
A cronologia da crise institucional do Ramalhão é antiga, tem frondosas raízes, como a TV direcionada a grandes clubes e os efeitos danosos disso nas periferias de regiões metropolitanas; mas é responsabilidade também de quem o comanda.
Se sob o controle de uma década e meia de Jairo Livolis e no regime associativo o Ramalhão acumulou dificuldades para evitar refluxo de torcedores, com o Saged tudo degringolou de vez. Nem o respaldo do Diário do Grande ABC, do qual o presidente do Saged, Ronan Maria Pinto, é dono, impediu o descarrilamento.
Aliás, não se pode dizer que o Diário do Grande ABC tenha sido discreto no tratamento ao Ramalhão. Provavelmente a equipe não tenha tido anteriormente tanto destaque do jornal. Nada que se compare, entretanto, aos anos 1970, 1980. A concorrência editorial dos grandes clubes, inclusive internacionais, não era tão intensa. A TV não tinha a influência destes novos tempos de marketing esportivo.
Santo André ainda não registrava golpes da desindustrialização que alterou o quadro socioeconômico lenta e consistentemente. Em 25 anos, entre 1970 e 1995, o Município tornou-se recordista de quebra do Valor Adicionado, medida mais apropriada para avaliar a produção industrial. Empregos industriais foram decepados proporcionalmente mais em Santo André do que em outros municípios da região naquele período.
O que o Saged não entendeu porque jamais se preparou para isso é que não existe milagre no futebol. Não se enchem arquibancadas apenas com manchetes de jornais. Manchetes muitas vezes triunfalistas.
Quem acompanhou com senso crítico afiado o calvário do Ramalhão rumo ao rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro e à Série B do Campeonato Paulista deve ter observado o quanto se esforçou o Diário do Grande ABC na tentativa de levar ao público um time bem melhor do que o que se via em campo.
Alguém que tenha viajado durante algum tempo e recorresse ao jornal para medir o desempenho da equipe no recém-encerrado Campeonato Paulista, certamente imaginaria algo como a campanha do vice-campeão do ano passado.
A institucionalidade que falta ao Ramalhão mantido pelo Saged é muito mais problemática que a institucionalidade herdada do Esporte Clube Santo André. Nos tempos de Jairo Livolis, as dificuldades de amealhar apoios eram maiores. Jairo Livolis não tinha disponibilidade de tempo nem a força midiática de Ronan Maria Pinto. Além disso, jamais prometeu ou conseguiu encaixar um modelo massificado de torcedores e de respaldo de entidades que compõem o mosaico social de Santo André.
Ronan Maria Pinto, presidente do Saged, dispõe de inúmeros instrumentos para dar peso social ao Ramalhão.
Algumas tentativas foram apenas seletivas e pontuais, inclusive com esforços de torcidas organizadas. Nada, entretanto, resultante de planejamento e de engajamento efetivo da sociedade.
Por mais que se reconheça dificuldade à retomada de tempos de glórias, quando média de seis mil torcedores afluíam ao Estádio Bruno Daniel na antiga Segunda Divisão, desqualificar medidas que minimizem as seguidas debandadas de torcedores é simplificar a equação de representatividade nas arquibancadas. Contar com média de pouco mais de 800 pagantes, como na Série B do Campeonato Brasileiro do ano passado, é barbaridade de incompetência. Uma mobilização inspirada nos feitos do São Bernardo poderia dar novo figurino ao Estádio Bruno Daniel.
Sem institucionalidade, é praticamente impossível o Ramalhão constar de qualquer divisão de destaque do futebol brasileiro. E é inexorável que desandará no ranking brasileiro. O décimo lugar da Confederação Brasileira de Futebol entre os clubes paulistas é um histórico respeitável que só agrava a paupérrima base organizacional do Saged e o aniquilamento da massa de torcedores. Com apoio da sociedade, que convergiria em direçãoao Estádio Bruno Daniel, qualquer iniciativa mais ousada daria respostas.
O Coritiba é o mais recente exemplo de que com respaldo social o pior dos mundos vira passado. A equipe rebaixada da Série A do Campeonato Brasileiro no ano do centenário, em 2010, pagou a fatura de um quebra-pau no jogo decisivo com o Fluminense ao ter seu estádio interditado por uma dezena de jogos e tendo de atuar, na Série B, em Santa Catarina. Mesmo assim, voltou à Série A como campeão e agora soma o título paranaense e recordistas duas dezenas e meia de vitórias consecutivas, inclusive a goleada história de 6 a 0 ante o Palmeiras pela Copa do Brasil.
Quem quiser outro exemplo de potencialidade social que resiste a escorregadelas esportivas ainda mais dramáticas basta recorrer ao Santa Cruz de Recife, persistentemente na Série D do Campeonato Brasileiro e que, como meteoro, só aparece no calendário nacional ao disputar a Copa do Brasil.
Quem seria capaz de opor-se à perspectiva de o Santa Cruz sobreviver ao infortúnio e retornar a Série A do Campeonato Brasileiro provavelmente muito anos e bem mais assentado que o Ramalhão?
A inversão de valores no Ramalhão vinculado ao Saged é o pior dos legados nestes tempos de vacas magras. Ao colocar o empreendedorismo como prioridade absoluta, o clube-empresa criado para fortalecer o futebol que o Esporte Clube Santo André sustentou durante quatro décadas caiu no conto do reducionismo e do facilitarismo dos mercantilistas.
Tivesse sido competente no pragmatismo capitalista, restaria a esperança de que despertaria finalmente para uma mais abrangente relação com agentes sociais e econômicos. Até porque, na equação dos especialistas em marketing esportivo, por mais que se busque rentabilidade como contrapartida retroalimentadora de investimentos esportivos, o peso da legitimidade social levada aos estádios é cada vez mais decisivo à distribuição de receitas da televisão, ainda o maior filão dos clubes.
Basta observar que o critério inegociável da TV Globo na definição de valores aos antigos frequentadores do Clube dos 13 é o índice de audiência, irmão siamês do entusiasmo da torcida.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André