Só vou escrever sobre o Estádio do Corinthians na Zona Leste, em Itaquera, porque não faltam leitores a me cutucar. Corintianos e anticorintianos. Querem que eu salte do muro. Como sei que esse muro é muito mais que contraditório, é quase fundamentalista, o que se seguirá criará polêmicas. Lamentavelmente, terá muito mais audiência ativa, de quem se manifesta, do que questões mais importantes para a Província do Grande ABC. Principalmente sobre as múltiplas faces da regionalidade interrompida. Mas vou em frente. Divido algumas categorias que se manifestam publicamente ou não sobre o Itaquerão:
a) Há os sinceramente contrários à política de incentivos fiscais aprovada pelo Legislativo de São Paulo, embora não saibam patavina sobre o assunto. Expressam-se legitimamente como antagonistas de recursos públicos canalizados a organizações privadas.
b) Há os adredemente contrários porque são radicalmente torcedores ou dirigentes de outras agremiações, às quais dedicariam completa entrega da rapadura supostamente de ética e de moralidade no uso de dinheiro público se a situação fosse favorável às cores que defendem.
c) Há os que querem reafirmar posição contrária à iniciativa do Poder Público, mesmo sendo alvinegros de coração, porque pretendem manter o manto de coerência no uso de recursos públicos, brandido em situações semelhantes com a convicção ideológica de que não se deve permitir liberalidades do gênero.
d) Há os que fazem questão de marcar posição contrária à iniciativa porque, comprovadamente alvinegros, deixam de lado qualquer análise mais profunda para se engajarem numa espécie de guerra do bem da moralidade pública contra o mal de oportunismos político-partidários.
e) Há os que são declaradamente alvinegros e sonham mesmo com uma casa de Primeiro Mundo para um dos clubes mais populares do planeta, à parte os meios que permitirão a execução das obras.
f) Há os que são apaixonadamente alvinegros, sonham com o Itaquerão e reúnem argumentos de sobra para combater opiniões em contrário sem que isso represente uma nesga sequer de impedimento ao contraditório fértil, transparente, rico em informações.
Em qual dessas tipologias o leitor se encaixa, pergunta este jornalista? Como esse é um jogo limpo, sem frescuras semânticas, sem lero-leros de politicamente correto, não tenho por que deixar de me posicionar.
Sou amplamente favorável à construção do Itaquerão nos moldes aprovados, sem levar em conta, inclusive, a principal motivação da obra, ou seja, tornar-se palco da abertura da Copa do Mundo de 2014.
Listo algumas das razões que me conduziram ao caminho escolhido, sabendo que sei que vou encontrar opositores em alguns dos perfis que brotam nos mais diferentes veículos de comunicação. Nada surpreendente. Quando se trata de Corinthians há sempre um apelo emocional que transcende o equilíbrio. Provavelmente por isso o Corinthians é líder absoluto de audiência e, por isso mesmo, como o Flamengo, não pode deixar de contar com maior parcela do bolo de distribuição de dinheiro das transmissões dos jogos do Campeonato Brasileiro. Mas isso é outra história.
Eis meus argumentos para que o Itaquerão se transforme num dos grandes orgulhos do Timão:
a) A Zona Leste de São Paulo, de 3,4 milhões de habitantes, receberá um presente que elevará a autoestima e, diferentemente do que se propaga sobre a esqualidez de influência econômica provocada por equipamentos esportivos de vulto, ajudará sim a mudar o perfil de área-dormitório daquela extensa geografia paulistana. O Itaquerão se insere num planejamento econômico que há muito a Zona Leste embala mas não decola. Analogias de improdutividades com localidades que sediaram Copa do Mundo em outros países não resistem às nuances de morfologia social e urbana. A Zona Leste é potencialmente um mar de oportunidades numa São Paulo saturada e praticamente sem espaços físicos para avanços nas demais zonas. A Zona Leste sempre foi o patinho feio dos gestores públicos paulistanos. Até que o peso eleitoral de 3,4 milhões de habitantes foi descoberto. Para azar do Grande ABC, vizinho mal-cuidado.
b) A Prefeitura de São Paulo não está abrindo mão de receita alguma ao conceder incentivos fiscais ao Corinthians. A maioria dos protagonistas e dos figurantes que se manifestam sobre o Itaquerão não sabe distinguir incentivos fiscais de guerra fiscal. Mais que isso, agora me referindo diretamente a jornalistas e a parlamentares estridentemente contrários às medidas: eles confundem alhos com bugalhos. Incentivos fiscais, como os que serão liberados ao Itaquerão, são resultado de operação desenvolvimentista. Os valores propagados serão resultado de investimentos que favorecerão a descentralização do eixo de potencial de crescimento econômico da Zona Leste. Sem o Itaquerão, centro nervoso de uma operação fantástica, não haveria dinheiro algum a desonerar. Incentivo fiscal é bem diferente de guerra fiscal, que predomina no País sem que os mesmos críticos do Itaquerão ergam a voz com a mesma eloquência. Guerra fiscal é a migração deletéria de investimentos a determinadas localidades em detrimento de outras. Exemplo: a Província do Grande ABC perdeu muitas indústrias entre outras razões porque municípios interioranos ofereceram irrecusáveis vantagens fiscais aos empreendimentos. Isentaram largamente o pagamento de impostos municipais e inclusive da cota-parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), além de doarem imensas áreas físicas. Deslocaram empregos e recursos fiscais para seus territórios, em prejuízo dos municípios da Província do Grande ABC. Mas não há santo nessa modalidade de ganho praticamente zero. Também a Província do Grande ABC se meteu na guerra fiscal de serviços, correndo atrás do prejuízo que Barueri, Taboão da Serra e outros municípios implementaram com o corredor de evasão de contribuintes. A própria Capital se apercebeu dos danos que seu entorno lhe causou e reduziu alíquotas de dezenas de atividades econômicas.
c) Contrariamente ao que dizem urbanistas pouco afeitos ao futebol, porque íntimos de regiões nobres da Capital, a cidade de São Paulo carece sim de um grande estádio de futebol na Zona Leste. Basta dar uma espiada no mapa dos estádios paulistanos utilizados em competições de nível para detectar o vazio de Itaquera e vizinhança. Por conta das exigências da FIFA, o Itaquerão terá dimensões físicas maiores que as recomendáveis. Um estádio para 45 mil pessoas seria o ideal, principalmente por conta de custos de manutenção e de produtividade de ocupação, mas nada impede que, detentor de ampla supremacia de torcedores naquela região, o Corinthians finalmente seja representado nas arquibancadas pela proporcionalidade socioeconômica da maioria popular que ostenta, barateando os preços dos ingressos. Algo impensável no Pacaembu, de capacidade bem mais restrita.
Para completar, os discursos condenatórios à liberação de recursos do BNDES ao Itaquerão são uma acintosa afronta ao bom senso. O banco estatal está no mercado para baratear os custos de financiamentos, elevadíssimos no sistema privado. Empresas das mais diversas atividades, e principalmente as grandes empresas, nacionais e multinacionais que centralizam 80% das liberações, gozam das prerrogativas comerciais do BNDES.
O que está subjacente na escolha do Itaquerão é que o Corinthians de Andrés Sanches deu um drible da vaca nos demais concorrentes esportivos que, acreditem, estariam vibrando se tivessem chegado na frente para usufruir das medidas que agora abominam.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André