E continuam as meias-verdades sobre o Estádio do Corinthians
DANIEL LIMA - 26/07/2011
Estão faltando aos opositores do Estádio do Corinthians na esquecida Zona Leste, principalmente à boa parte dos jornalistas que se travestem de salvaguardas dos cofres públicos, mais precisão e complementaridades informativas e críticas. Está abundando aquela coisa sórdida de pinçar pontos verdadeiros da operação que culminou com a introdução de incentivos fiscais e de sonegar questões que desmontam a tese só aparentemente imbatível de que há uma associação sinistra de abusos das autoridades públicas e vantagens desmesuradas do clube.
Quem melhor se apresentou até agora oficialmente em nome do Corinthians para contrapor-se às meias-verdades foi o diretor de Negócios Jurídicos, Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga. O texto demolidor está no site oficial do clube desde o final do mês passado. Mas isso pouco importa aos recalcados que se nutrem de clubismo, revanchismo, partidarismo e outras esquisitices. Até mesmo quem conta com argumentos sólidos contrários ao Itaquerão cai na vala comum dos espertos e com isso jogam por terra a credibilidade de que gozam.
Seleciono alguns trechos do texto do diretor de Negócios Jurídicos do Corinthians como espécie de fio condutor ao entendimento dos múltiplos ângulos que devem ser observados:
O verdadeiro patrulhamento que tem se visto a respeito do estádio de futebol que o Corinthians pretende construir na distante Itaquera parece assemelhar-se com a demonstração de preconceito contra “gente diferenciada” que recentemente se manifestou no próximo Higienópolis, em episódio que, de tão recente e notório, dispensa rememoração. A origem de parte das manifestações contrárias à construção do estádio, lá, parece ser a mesma que motivou um abaixo-assinado de um pequeno grupo contra a construção de uma estação de metro, aqui: preconceito contra a tal “gente diferenciada”. Assim, deduzo por não encontrar qualquer outra explicação lógica. Evidentemente, não me refiro às manifestações motivadas por paixão/ódio clubístico. Essas só têm espaço nas discussões de boteco e não em discursos que se pretendem sérios.
Refiro-me àqueles que se posicionam contrariamente adotando uma posição de guardiões do dinheiro público. Essa é a máscara a esconder a verdadeira motivação e a tentar emprestar um caráter respeitável à indignação. (…). Pois bem. Financiamento é como um empréstimo. Ou seja, o Corinthians terá que pagar cada centavo desse dinheiro emprestado, e com juros. E essa não é uma possibilidade concedida exclusivamente ao Corinthians, mas também, e não apenas, aos 12 estádios que sediarão partidas da Copa do Mundo. Aos interessados: basta entrar no site do BNDES para ver se atendem aos requisitos, que são públicos. A coisa é tão óbvia que, quanto a esse ponto, a gritaria tem sido pequena, restrita apenas aos totalmente ignorantes.
O ponto que tem gerado maior barulho dos zeladores do dinheiro público é o do incentivo fiscal. Incentivo fiscal, genericamente falando, é mais um corolário da própria garantia da igualdade, assegurada pela Constituição Federal. É mais um instrumento voltado à distribuição de renda e atenuação das desigualdades. (…). É fácil deduzir que não há aporte de dinheiro público. Há o aporte de dinheiro particular, com benefícios fiscais. E uma grande parte dos detratores do projeto não alcança sequer essa obviedade. Os zeladores um pouquinho mais preparados argumentam que isso seria um sofisma. Não haveria aporte de dinheiro público, mas haveria redução de receita. Ou seja: dinheiro público não sairia, mas deixaria de entrar o que nessa visão míope, seria a mesma coisa. Mas não é.
Esse raciocínio, sim, e que é sofisma, ignora uma questão evidente: o que deixa de entrar, na verdade, não entraria mesmo. Sem o incentivo fiscal, o particular simplesmente deixaria de investir no local, desinteressante economicamente que seria. Esse é o ponto: o incentivo visa, essencialmente, desenvolver Itaquera, bairro que, é fácil constatar, não é daqueles tratados, historicamente, com mais carinho pelo Poder Público. O Corinthians beneficia-se com esse incentivo? Sim, claro. Nada mais justo, aliás, já que, não fosse o estádio, a região continuaria pouco atrativa aos olhos de novos investidores, mesmo com incentivos fiscais. É a soma estádio+incentivo que levará dinheiro novo e o consequente desenvolvimento à região. E quem se beneficiará em última instância é o morador de Itaquera, seja ele corinthiano ou não.
Ora, não é legítimo que os habitantes de Itaquera tenham direito a uma moderna praça de esportes e lazer? O lazer é um direito reconhecido desde a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948 (…). Não se pode ignorar, também, os reflexos indiretos da construção do estádio e do aumento de investidores no local. Surgirão incontáveis novos empregos e, reflexamente, novos impostos serão arrecadados. Há minucioso estudo elaborado por respeitadíssima consultoria internacional apontando que acabará se arrecadando muito mais do que se deixará de arrecadar com o incentivo. Isso sem falar na melhoria de trânsito na cidade como um todo em função dos locais que permanecerão no bairro. E isso sem falar no legado da visibilidade internacional, com claros reflexos no turismo e negócios em geral, que São Paulo ganhará por hospedar a abertura da Copa do Mundo.
Agora repasso aos leitores os principais trechos do artigo assinado pelo jornalista Carlos Alberto Sardenberg no jornal O Estado de S. Paulo:
Mesmo que a abertura da Copa do Mundo de 2014 não aconteça no estádio do Corinthians, o time paulista já está no lucro. E que lucro! Uma arena novinha em folha totalmente financiada com dinheiro público, parte emprestada, parte dada. Desde já, é o primeiro dono de um belo legado da Copa. (…) Ao se tornar estádio da Copa e, possivelmente, do jogo inaugural, depois de arquitetada a desclassificação do Morumbi, o empreendimento corintiano habilitou-se aos financiamentos e incentivos fiscais (…). O empreendimento será administrado por um Fundo de Investimentos Imobiliários e construído pela Odebrecht. O incentivo tradicional seria cancelar a cobrança dos impostos municipais (IPTU e ISS) sobre as atividades diretas ali, no canteiro de obras. Por exemplo: a subcontratação de pequenas construtoras não pagaria ISS. Mas será mais do que isso. A Prefeitura emitirá uma espécie de títulos — Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento — e os entregará para o Fundo responsável pela construção da arena. Esse fundo poderá vender os certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes que pagariam seus impostos em dinheiro para a Prefeitura vão entregar certificados comprados do fundo.
Para que fariam isso? Porque obviamente vão adquirir os certificados com desconto no mercado financeiro. Assim, um certificado com valor de face de R$ 1 milhão pode sair por, digamos, R$ 900 mil. O fundo “corintiano” embolsa os R$ 900 mil, cash, e a outra empresa abate R$ 1 milhão de ISS e IPTU. A Prefeitura recebe os títulos e os cancela. E deixa de receber cash os R$ 420 milhões. Todo o dinheiro fica para o fundo aplicar no estádio. Sem precisar devolver nada. Isso não cabe na expressão de “dinheiro dado”.
Além disso, se for confirmada como o palco do jogo de abertura (com a Seleção Brasileira), a arena corintiana vai receber mais investimentos públicos. O governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões para instalar ali os 20 mil lugares provisórios e, assim, chegar aos 68 mil necessários para um “estádio abertura de Copa”. Como dizem diretores do Corinthians, o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares; se a Prefeitura e o governo estadual querem a abertura, têm de pagar por isso.
O dinheiro que se gasta com Copa é subtraído de outras áreas e objetivos. Assim, cabe a questão: o que traz mais benefícios duradouros para o contribuinte-pagador, o evento Copa ou metrô, corredores de ônibus, escolas, hospitais, etc?
Alguns pontos que não parecem devidamente clarificados nos dois textos e que por isso mesmo precisam ser realçados.
Leis de Incentivos Fiscais não são necessariamente benéficas à redução de desigualdades sociais e econômicas, mas no caso do estádio do Corinthians há potencial de redução do grau de abandono histórico da Zona Leste porque os benefícios fiscais não estarão restritos à arena, mas ao conjunto de obras desenvolvimentistas naquela região. O jornalista do Estadão talvez tenha esquecido esse ponto que simplesmente retira o foco exclusivamente sobre o Corinthians.
Os recursos disponibilizados pelo BNDES e seu braço de negócios, o BNDSpar, são fartamente utilizados pelo empresariado nacional. Tanto que 80% do volume são direcionados às grandes empresas, inclusive multinacionais com sede no Brasil. As montadoras de veículos, por exemplo, têm as portas abertas. O Corinthians não está gozando de privilégio algum. Tanto que ainda outro dia o empresário Abílio Diniz anunciou precipitadamente que obteria mais de R$ 4 bilhões para assegurar a compra do Carrefour pela holding que administra o Pão de Açúcar. Faltou apenas combinar com os russos, ou seja, a direção do Casino, rede francesa que mantém duríssima concorrência com o Carrefour.
É prática generalizada do Poder Público, em todas as instâncias, encampar os custos de infraestrutura provisória para a realização de eventos de alguma magnitude. O que o governo do Estado vai propiciar para dotar o estádio do Corinthians de obras complementares para a cerimônia do jogo de abertura da Copa do Mundo em São Paulo não foge a esse modelo. Desde o princípio o presidente do Corinthians, Andrés Sanches, declarou enfaticamente que o clube não pretendia fugir do projeto de 48 mil espectadores, considerado o ponto de equilíbrio na engenharia de financiamento e custos operacionais para dar respaldo às obrigações de pagamento em sincronia com a projeção de rentabilidade de uso do espaço.
O reducionismo analítico de colocar o Estádio do Corinthians na ponta do lápis de custos financeiros, esquecendo-se do entorno da obra e principalmente do contexto histórico de resgate do déficit de atenção e responsabilidade de instâncias públicas em relação à Zona Leste, coloca os opositores do empreendimento em redoma indevassável. Quando falta sensibilidade, falta tudo. Inclusive inteligência, porque se há consistência no arrazoado contrário aos incentivos fiscais, não existiria razão para se omitir todos os pontos de uma abordagem. Até porque, eventuais argumentos poderiam ser manejados para dar mais luz do que calor ao jogo do contraditório fértil e construtivo.
A chiadeira contra o Estádio do Corinthians é em larga escala ressentida e seletiva. Não se viu nada parecido ao longo dos anos com políticas implementadas por prefeitos e governadores de Estado. Eles utilizaram a banda podre de incentivos fiscais para deflagrarem guerra fiscal, transferindo empreendimentos, empregos e nacos do PIB de determinadas localidades, deixando-as com o sobrepeso dos custos sociais. Muito da desigualdade da Zona Leste paulistana, e dos pontos mais vulneráveis da Região Metropolitana de São Paulo, está associado à guerra fiscal olimpicamente esquecida pelos bravos contestadores da arena alvinegra e do desenvolvimento de Itaquera e vizinhança.
Escapam desse perfil de oportunistas de plantão aqueles que, por serem apenas do mundo da bola, não entendem patavina de economia nem de sociedade.