Esportes

Futuro do Santo André é muito
mais inquietante que o presente

DANIEL LIMA - 24/08/2011

É sistemicamente grave a crise no Ramalhão mal-gerenciado pelo Saged(Santo André Gestão Empresarial e Desportiva) do empresário de comunicação e transporte Ronan Maria Pinto. A agudeza que se aprofunda independe do previsível desenlace de novo rebaixamento, o quarto em dois anos.


Quem disser que a situação será revertida com eventual fuga de um rebaixamento já cantado em verso e prosa não conhece a debilidade orgânica do Ramalhão. Prefere exclusivamente a casca do futebol, do que se vê em campo e nas manchetes de jornais.


Mais importante que esperar pelos próximos jogos para confirmar ou não a inscrição do Santo André na Série D do próximo Campeonato Brasileiro é fazer um alerta: salvo lance surpreendente, o Ramalhão frequentará nos próximos anos espécie de obituário informal do futebol brasileiro. Viverá sob a escolta silenciosa de indiferença em divisões hierárquicas sem prestígio.


O que temos é a maior e mais devastadora crise do futebol de Santo André desde que o Ramalhão surgiu no final dos anos 1960.


Tentar rivalizar a situação atual com alguns eventos do passado é confundir o estrutural de agora com o circunstancial dos casos anteriores. O Santo André de algumas crises do passado, quando o futebol vivia tempos de romantismo, nem de longe estava acometido das enfermidades de agora, quando o futebol vive de negócios.


Sem rodeios, o quadro é o seguinte, dura e cruamente: o Ramalhão terceirizado pelo Saged virou uma equipe de Quarta Divisão, independentemente de cair mais uma vez. A agremiação não tem nada que possa ser relacionado ao profissionalismo destes tempos cada vez mais competitivos.


A torcida abandonou o time, o time foi desfigurado, a sociedade está se lixando para o time, a diretoria não tem suporte institucional de instância social alguma e as dívidas crescem em proporção geométrica. Um círculo vicioso que contamina os cofres do Esporte Clube Santo André, agremiação que repassou o futebol para o Saged depois de quatro décadas de intensas dificuldades para sustentar o Ramalhão.


Se fosse viável voltar o relógio do tempo, possivelmente o Esporte Clube Santo André não teria cedido à tentação de entregar o Ramalhão ao Saged.


Sem que se faça qualquer esforço de adivinhar o futuro, possivelmente a direção do Esporte Clube Santo André relutará em receber de volta o Ramalhão moribundo.


A pancadaria do final do jogo de domingo no Estádio Bruno Daniel foi uma pá de cal no mínimo de civilidade e respeito que se esperava. Torcedores organizados (o que restou de torcida, a bem da verdade, porque os chamados torcedores comuns já abandonaram o barco há muito tempo) e vários jogadores colocaram na programação de estupidez um espetáculo de violência jamais ocorrido em toda a história do clube.


Entregues à própria sorte, porque dirigentes e acionistas do Saged passaram sebo nas canelas antes mesmo do apito final, só poderia dar nisso mesmo a intolerância mesclada de supostas ofensas. Nem mesmo o fato corriqueiro no futebol de as organizadas receberem ingressos gratuitamente do clube impediu a revolta. Cortar a mesada, vejam só, passou a constar da lista de retaliações dos dirigentes, como sugeriu um deles.


Longe de mim apoiar qualquer tipo de violência, mas o que se depreende da reação diretiva é que o Ramalhão pretende levar às arquibancadas o mesmo conceito de amesquinhamento participativo dos acionistas do Saged — de silêncio absoluto combinado com postura nada honrosa de dobrar a espinha.


Lamentavelmente, sou obrigado a chamar os leitores às toneladas de textos que produzi ao longo dos últimos anos, a partir de observações que denunciavam o esquartejamento organizacional do Ramalhão sob o manto de autoritarismo e mandonismo do Saged. E de também chamar atenção à leitura de um planejamento estratégico preparado antes que o Saged começasse de fato a decolagem rumo ao desfiladeiro. Tudo absolutamente ignorado.


Não tenho satisfação alguma em sugerir aos leitores que recorram aos textos desta revista digital para conferir a caçapa mais cantada que alguém minimamente independente poderia preparar para amenizar o choque dos descalabros que se superam a cada jornada.


Percebi que o Ramalhão estava indo para o vinagre muito antes de chegar à Série A do Campeonato Brasileiro, em 2009, num espasmo de sortilégios, investimentos vultosos e rasgos de competências circunstanciais.


Aquelas primeiras reuniões do Conselho de Acionistas, das quais participei, já projetavam dias tormentosos. Havia um cheiro de arrogância, de prepotência e, pior, de falsa humildade de alguns dos integrantes do Saged. Marinheiros esportivos de primeira vez, a maioria deles.


A docilidade e o servilismo com que o dirigente Ronan Maria Pinto era tratado pelos acionistas e a predisposição para tosquiar o prestígio e a experiência dos dois dirigentes que contribuíram imensamente para que o Ramalhão chegasse até ali — Celso Luiz de Almeida e Jairo Livolis — superavam todas as expectativas de exageros e extravagâncias.


A cada reunião de que participava do Saged, sentia-me parecido com alguém que passara por sessão de tortura física e mental. Havia coisas estranhas naquele ambiente. Até as atas de cada encontro eram manipuladas.


Tudo aquilo era um jogo orquestrado para dar ares de democracia plena a uma ditadura branda. Não tenho estômago para encenações.


A responsabilidade pelo momento de fragilidade aniquilante do Ramalhão, provavelmente só superada pelos próximos acontecimentos, não é exclusividade de Ronan Maria Pinto, por mais que o dirigente seja individualista e indomável.


Também os acionistas do Saged, diretamente envolvidos na manutenção do projeto de terceirização do Ramalhão, e essa sociedade morta na área esportiva, se já não bastasse em tantas outras, devem assumir pecados no mínimo por omissão.


O Ramalhão respira com ajuda de aparelhos e não há indicativos que ao menos transmitam a esperança de que poderá resistir à septicemia que o debilita a cada dia que passa.


Essa não é a pior crise de todos os tempos. É a crise de todos os tempos, porque os apertos do passado foram desarranjos pontuais que, de alguma forma, encontraram respostas de gente que tinha o Ramalhão no coração e conhecia os limites econômico-financeiros da agremiação. Não parece mais o caso de Santo André, esse território sem pai nem mãe que caiu na gandaia de assistir às mais desavergonhadas peraltices sem mover um dedinho sequer.


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