Esportes

Risco de queda do São Caetano sai
da matemática e entra em campo

DANIEL LIMA - 26/09/2011

O São Caetano substituiu o terreno da possibilidade matemática pela probabilidade real de rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro. Faltam 13 rodadas para o encerramento do segundo turno da Série B e a equipe precisa somar 20 dos 39 pontos para atingir 46 ou 40% de produtividade. Uma tarefa viável, porque ganhou 35% até agora. O obstáculo é o recorrente enxugar de gelo: o time não se acerta. Sábado, no empate em casa ante o modesto Icasa, voltou a sofrer um gol no final, mas — muito mais preocupante que isso — decepcionou com futebol de quem parece preparar o terreno para cair.


A constatação de que rebaixamento deixou de ser possibilidade acenada pelos números e virou viabilidade técnico-tática e emocional tem explicação simples: o São Caetano não consegue traçar uma perspectiva de que terá um momento de alívio na competição. Algo como ganhar três jogos seguidos para, finalmente, respirar aliviado.


Tudo conspira para que sofra o tormento de quem, rodada após rodada, se debate na zona de rebaixamento, da qual não consegue escapar. Não escaparia mesmo se vencesse o Icasa, mas teria dado um passo importante para preparar-se a novos tempos.


O jogo de sábado mostrou o quanto o técnico Márcio Araújo pode ser mais um complicador do que um solucionador dos problemas técnicos e táticos da equipe. Afastado do futebol durante este ano inteiro, depois de assumir o Bahia organizado por Renato Gaúcho no ano passado e ajudar a levar a equipe de volta à Série A, Márcio Araújo não transmite a sensação de que desperte o elenco para os rigores da situação na tábua de classificação.


Adepto de uma filosofia de paz e amor, religioso, Márcio Araújo é visto como treinador capaz de dar harmonia ao ambiente de um grupo de jogadores bastante competitivo, pela quantidade e pela qualidade. A fórmula também foi adotada por seu antecessor, Oswaldo Vadão Alvarez, e o resultado foi desastroso.


Na guerra para fugir do descenso o São Caetano joga com a tranquilidade de quem parece pouco se incomodar se o resultado será favorável ou não. Faltam à equipe a eletricidade, a garra, ambição e o empenho físico dos inconformados. Há sorrisos demais nas entrevistas, nos cumprimentos aos adversários, na entrada e na saída dos gramados. Tensão, estresse, essas coisas, garantem psicológicos, só são nocivas se superadas pela rebeldia. Quando aliadas à dedicação técnica e tática, ajudam decisivamente na superação de barreiras.


Enfim, o São Caetano parece que ainda não acordou para a realidade dos fatos: depois do sonho do acesso substituído pela possibilidade de trafegar sem emoções por colocações secundárias, caiu na zona de rebaixamento de quem tinha a estatística como alerta mas agora entrou na fase cruel de que os números acenderam luzes de alerta.


O futebol de sábado contra o Icasa foi típico de degola. A equipe foi mal escalada pelo técnico Márcio Araújo. Enfrentar um adversário igualmente ameaçado de queda contando com três volantes foi um exagero. Mas o exagero do exagero foi escalar o zagueiro Revson como segundo volante, à frente de Augusto Recife. Souza teve um pouco mais de liberdade.


Imaginem o técnico Muricy Ramalho deslocando Edu Dracena para jogar ao lado de Adriano no meio de campo, ou de Chicão ao lado de Ralph no Corinthians. Pois foi exatamente essa barbaridade que Márcio Araújo perpetrou no Estádio Anacleto Campanella.


O São Caetano jogou num 4-3-1-2 burocrático, sem velocidade nocontragolpe, sem infiltrações internas, com esparsas incursões laterais. Ao armador Kleber cabia organizar o meio-de-campo. Antonio Flávio e o centroavante Ricardo Xavier fixavam-se mais no ataque. Ricardo mais centralizado, Antonio Flávio movimentando-se pelas extremidades. O meio de campo lento demais não se oferecia para adensar o sistema ofensivo. E ainda por cima encontrava dificuldades para barrar a velocidade do ataque adversário. Júnior Xuxa, mesmo discreto, passou o tempo todo livre.


Quem imaginou que Revson acumularia as funções de terceiro zagueiro e primeiro volante. A formulação já seria um erro, porque a simplicidade do futebol não permite invenções. Zagueiro de área costuma dar-se muito mal como volante ao acumular as duas funções. Nem são zagueiros nem são volantes. Quando se travestem de zagueiros, abrem buraco no meio de campo. Quando atuam no meio de campo, abrem brechas no meio da defesa.


Trata-se de hibridismo que técnicos dados a invenções aplicam. Sem volume de jogo, sem valorização da bola, sem compactação, sem inspiração, o São Caetano terminou o primeiro tempo com vantagem de 1 a 0 porque seria difícil deixar de fazer gol num adversário permissivo demais no meio de campo e abandonado na defesa. Os buracos eram amplos, gerais e irrestritos. O Icasa simplesmente não se armou defensivamente. Mais um motivo para o São Caetano jogar com mais opções criativas. Deixar Roger e Geovane no banco de reservas foi um luxo perigosíssimo, como o segundo tempo provou.


O segundo tempo parecia destinado à manutenção da vitória do São Caetano porque ao adversário faltava contundência nos ataques, mas o gol de empate acabou ocorrendo numa bola cruzada em diagonal que pegou os zagueiros mal-posicionados. Foi aí que o técnico Márcio Araújo mexeu na equipe. Errou ao trocar Ricardo Xavier por um Nunes que está voltando de recuperação física. Uma troca que não alterou a equipe taticamente e a piorou tecnicamente.


Tanto a entrada de Roger quanto a de Geovane deram mais velocidade ao ataque, mas não demorou para o técnico do Icasa, Márcio Bittencourt, acabar com a festa. O empate agora interessava muito mais e por isso mesmo ele fez as mudanças que pretendia para dar mais força defensiva. O São Caetano teve dois quartos do jogo para locupletar-se do desprezo à defesa do Icasa e só acordou quando sofreu o gol de empate. Aí o Icasa acordou defensivamente. Ao trocar o atacante Marciano pelo volante Luiz Henrique, o Icasa deu uma nova roupagem tática ao jogo. Luiz Henrique entrou exclusivamente para não dar sossego a Roger. O São Caetano perdeu um elemento importante de criação porque permitiu que o desespero tomasse o espaço que faltou ao bom-senso.


Tudo indicava que o jogo terminaria empatado em 1 a 1 quando Nunes, mesmo tropeçando na bola cruzada da linha de fundo, aos 40 minutos, balançou a rede. Vitória garantida? Qual nada. Aos 43 minutos, no quinto jogo disputado em São Caetano no qual a equipe sofre com a Síndrome dos 15 Minutos Finais, o volante Luiz Henrique escalado para impedir que Roger jogasse completou na pequena área um cruzamento do centroavante Preto deslocado à ponta-direita. O goleiro Luiz nada pode fazer. O São Caetano mantinha o Icasa três pontos à frente na classificação.


Talvez nos vestiários o São Caetano tenha ouvido o meio-campista Kleber repetir as declarações a uma emissora de televisão ao deixar o gramado do Anacleto Campanella. Numa tradição livre, o significado é o seguinte: o rebaixamento está à espreita e é preciso acrescentar muita dedicação até o final do campeonato.


Para isso, espera-se que o treinador entre no clima da competição. O fairplay de Márcio Araújo tem tudo a ver com ambientes familiares em festa de aniversário ou de casamento. A Série B do Brasileiro é algo como um campo de batalha, cuja reta final é escarniçada.


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