O heróico empate do São Caetano sábado no Estádio Anacleto Campanella contra a Portuguesa, líder e virtual campeã da Série B do Campeonato Brasileiro, não escondeu deficiências graves que o técnico Márcio Araújo insiste em desdenhar. E nada pior para uma equipe que tem 11 rodadas para fugir do rebaixamento do que a impotência de um treinador, mesmo que esse treinador seja afável, bom caráter e mestre em aglutinar forças internas. Dentro de campo isso pesa, mas não necessariamente resolve. O jogo desta terça-feira a noite no Recife ante o Sport, candidatíssimo a uma das quatro vagas à Série A do ano que vem, é um risco ainda maior para o São Caetano se as indefinições persistirem.
Chamaram a atenção as declarações de Márcio Araújo antes de o jogo começar no Anacleto Campanella. Ouvido pelo SporTV, o técnico que dirigiu a equipe nos quatro últimos jogos (três dos quais em casa) com uma vitória e três empates, declarou que ainda tem dificuldades para conhecer os jogadores e que por isso mesmo está estudando o elenco.
Está mais que explicada, portanto, a insistência em escalar o zagueiro Revson no meio de campo (contra a Portuguesa o ex-jogador do Avaí foi um híbrido de zagueiro travestido de volante e volante travestido de zagueiro, com baixa produção).
Também se explica a dificuldade de o treinador escalar dois meias de ligação, à frente de dois volantes (insiste-se com Kleber, já sem a mobilidade dos bons tempos e sempre bem marcado) e no excessivo distanciamento entre o ponta de lança e o centroavante. Com essas deficiências de escalação, o São Caetano não alcança estabilidade de rendimento. Vive de sazonalidades. Como diante da Portuguesa.
Menos mal que o empate de sábado caiu do céu, depois de o São Caetano estar inferiorizado no placar por três vezes. O que sobrou de coletivismo na Portuguesa, disparadamente a melhor equipe do campeonato, explodiu em individualidade letal no São Caetano: dois chutes preciosos de um Kleber pouco disposto até então no campeonato a acertar as redes, foram decisivos.
Uma das provas de que o esquema com Revson misturando funções de zagueiro e de volante não funcionou é que além de o meio de campo estar sempre em desvantagem diante de um adversário mais harmônico, o articulador Edno sempre encontrava um companheiro livre de marcação ou penetrando sem bola, foi o melhor da equipe. De seus pés saíram os três gols da Portuguesa. Uma marcação específica e sólida sobre o jogador emprestado pelo Corinthians teria reduzido os estragos.
Embora o São Caetano tenha finalizado mais no primeiro tempo, o adversário mostras de que está anos-luz à frente em organização tática. O que a Portuguesa realizava com fluidez em avanços alternados de laterais, apoio dos volantes, deslocamentos dos meias, viradas de jogo, tudo o que um time de qualidade é capaz de fazer, o São Caetano se esforçava para responder de forma caricatural. Um desperdício de talentos com a camisa azul.
A diferença de rendimento da Portuguesa em relação ao estágio do São Caetano é muito maior que a distância entre o mesmo São Caetano e o lanterninha Duque de Caxias. E não é por falta de elenco. O São Caetano tem um grupo numeroso mas insiste em não reproduzir as qualidades individuais de forma coletiva. A Portuguesa alia as duas porções. Dá-se ao luxo de acelerar ou reduzir o ritmo de acordo com as circunstâncias de cada jogo. Por isso sofre alguns reveses. O empate com o São Caetano foram dois pontos desperdiçados sem trauma, porque a Portuguesa está tão segura de que não tem adversários à altura que estaria calibrando o próprio acesso.
O São Caetano não está irremediavelmente a léguas de distância de um acabamento coletivo mais ordenado e satisfatório para livrar-se do rebaixamento. Basta o técnico Márcio Araújo definir-se pelo óbvio, que os antecessores também ignoraram: o elenco foi moldado para jogar com três zagueiros, dois alas, dois volantes marcadores, um meia de ligação e dois atacantes que combinem a velocidade de um meia-atacante e o oportunismo de Nunes ou Ricardo Xavier. Qualquer equação fora desse esquadrinhamento é contrariar a filosofia com que o grupo foi concebido. E muitas dores de cabeça.
A invenção de Revson como zagueiro e volante é alarmante. Raríssimos técnicos no futebol brasileiro e mundial levam a ferro e fogo essa duplicidade de funções. É indispensável contar com capacidade técnica superlativa para acumular as funções. Por isso, não se pode confundir um zagueiro que ocupa a função de volante por conta de determinada situação de jogo, e também um volante que recua como zagueiro para a cobertura eventual, com dupla função.
Revson é lento e de baixa mobilidade para fechar os espaços como volante. Comete infrações em excesso fora de seu habitat. Mas é alto, forte e de bom gerenciamento espacial para acertar a defesa com outros dois zagueiros de área. Confundir zagueiro com volante e entender que ambos podem coabitar num mesmo jogador é sonhar demais. Por isso o São Caetano do empate com a Portuguesa ficou tão esburacado no meio de campo e tão vulnerável na defesa.
A expectativa para o jogo desta terça-feira à noite na Ilha do Retiro é que o São Caetano saiba jogar em contragolpes, modulando o ritmo conforme a situação. Para isso precisa de densidade no meio de campo, segurança na defesa e um ataque sempre pronto para dar o bote. Nada que se pareça com a Portuguesa, incorrigivelmente adepta do ataque permanente e do controle do jogo. Seria exigir demais, é claro. Basta dar vez às obviedades que o técnico Márcio Araújo insiste em desprezar. Não é sempre que se tem um Kleber abençoado em finalizações de fora da área, como no jogo de sábado passado.
Total de 985 matérias | Página 1
05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André