Administração Pública

Maioria assegura sobrevida
à gestão de Celso Daniel

DANIEL LIMA - 30/07/1997

O prefeito Celso Daniel conseguiu sobrevida para governar Santo André com mínimo de perspectivas de obras e serviços ao sensibilizar a Câmara Municipal a aprovar o projeto que reduz em 6,25% os salários dos servidores estatutários (estáveis e em estágio probatório) e também dos comissionados, que ocupam cargos de confiança. Os 15 votos a seis que arrancou dos vereadores, em tumultuada sessão no final do mês, salvam temporariamente os cofres de Santo André.


A medida, rejeitada uma semana antes em assembléia do Sindicato dos Servidores Públicos, dominado por estatutários e liderado por radicais do PSTU e PC do B, fósseis políticos que só a democracia pode abrigar, vai significar economia de 3,5% do total da receita anual do Município, ou perto de R$ 8 milhões.


Não chega a ser quantia desprezível, quando se sabe que vai se juntar à economia representada pelo corte anterior de 580 funcionários celetistas, isto é, que não gozam de estabilidade constitucional. Essas demissões significaram 6,5% da receita estimada, perto de R$ 6,9 milhões. O corte atingiu especialmente funcionários que recebiam os menores salários, mas isso pouco importa para Celso Daniel.


A Secretaria de Administração, comandada pela dama-de-ferro Miriam Belchior, liderou o percentual de demissões. Foram 111, ou 18% do total. Menos em números absolutos que a Secretaria de Serviços Municipais, que liderou com 185 servidores. A Saúde cortou 20 funcionários e a Educação eliminou 17. Ainda foram demitidos 163 da administração indireta, espécies de estatais municipais, casos da Craisa, Companhia Regional de Abastecimento Integrado, Faisa, Fundação de Assistência à Infância, e Semasa, Serviço Municipal de Água e Saneamento.


Não é preciso ser especialista em partidos de esquerda para dimensionar o que as demissões e a redução de salários, e da jornada de trabalho, representam de pressão ao prefeito petista de Santo André. O clima de guerra que marcou a rejeição de cortes salariais na assembléia dos servidores e depois na Câmara abalou a imagem do prefeito junto aos militantes mais extremados, mas certamente aproximou seu perfil de estratos políticos e sociais que sempre o olharam com certa desconfiança.


Celso Daniel cercou-se de toda a cautela para desenvolver o pacote de iniciativas que devem equilibrar as finanças de Santo André durante sua gestão. A ameaça de imobilidade, que lhe custaria o avanço do peso da folha de pagamentos a níveis estratosféricos até o final do ano, atingindo perto de 90%, foi avaliada como mal a ser evitado a qualquer custo.


A aparente frieza com que a secretária de Administração Miriam Belchior analisou a possibilidade de rejeição da redução de salários — “Sei que não é proposta que agrada ao conjunto dos trabalhadores, mas ainda é melhor do que as demissões” –, anunciada na semana anterior à sessão da Câmara e logo após a assembléia dos servidores, dava tom grave à posição tomada. Era reduzir salários ou cortar dois mil funcionários.


A grade da economia decorrente de medidas propostas pelo prefeito estipula os cortes necessários em R$ 22.210.180,00, ou 9,4% do total da receita anual da Prefeitura. Demissão de celetistas (2,9%), redução de horas extras (1,4%), redução do salário de comissionados (0,4%), corte da dobra de horário da Educação (0,6%), redução da jornada da Educação (1,3%) e cancelamento e redução de contratos (2,8%) integram o coquetel de enxugamento dos custos.


Para não correr o risco de sofrer desgastes junto à cúpula do partido, já que eram esperados choques com militantes mais à esquerda, Celso Daniel consultou lideranças dos diretórios municipal, estadual e nacional para expor seu plano. Bastou mostrar as projeções de custos para manter a máquina pública de Santo André e revelar disposição de humanizar as deliberações, de modo que a face social do partido não fosse prejudicada, para sensibilizar os caciques locais, Lula, José Dirceu e tantos outros.


Na sessão da Câmara que lhe deu aval legal para reduzir salários dos servidores, contou até com surpreendente apoio da mulher de Vicentinho Paulo da Silva, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e intransigente defensor junto às empresas de redução da carga horária sem prejuízo dos vencimentos. Roseli da Silva é funcionária comissionada do Semasa e poderia estar na lista de dispensas se o projeto não fosse aprovado.


Celso Daniel só não conseguiu evitar a dissidência do vereador petista Ricardo Alvarez, único a juntar-se a Dinah Zekcer (PTB), Joaquim dos Santos (PTB), Luiz Zacarias (PTB), Luiz Mansur (PPB) e André Sanches (PPB) nos votos contrários ao projeto de lei. As galerias foram tomadas de forma equitativa. De um lado ficaram 60 servidores, com suporte logístico do Sindicato e contrários à redução.


De outro, 60 funcionários, na maioria formada por professores, favoráveis ao corte linear dos salários, porque assim estariam livres das demissões. Dois vereadores petistas de São Bernardo, Aldo dos Santos e Melão Monteiro, que reforçariam o time do Sindicato dos Servidores, foram impedidos pelo presidente Vanderlei Siraque de ingressar nas galerias, porque acabariam com a equidade nas torcidas.


A posição de Ricardo Alvarez para justificar o voto contra o partido do qual faz parte mostra o quanto o PT ainda vai sofrer para exorcizar alguns fantasmas ideológicos que insistem em importuná-lo. Ele diz que o pacote de reformas de Celso Daniel, anunciadas nos outdoors como Arrumando a Casa, não passa de alinhamento ao neoliberalismo combatido pelo partido, bem como adesão à luta em favor do Estado mínimo, de privatizações e de ataque aos direitos trabalhistas e sociais. “Vai contra, inclusive, à campanha da CUT, de redução da jornada sem redução de salários” — disse.


O consolo do PT mais moderno, o qual Celso Daniel representa, é que não está sozinho nesse drama. Os franceses, sempre uma referência política e ideológica, trocaram de lado nas últimas cinco eleições gerais, revezando direita e esquerda como quem troca de camisa sem, entretanto, descobrir o óbvio de que o Estado-do-bem-estar-social nos moldes europeus dificilmente resistirá à globalização. Não foi exatamente isso que se deu com o PT britânico, o Partido Trabalhista, do novo premiê Tony Blair, cuja cartilha está mais parecida com a de Margareth Thatcher do que com a de Marx há muito banido de seu estatuto?


Não se pense, entretanto, que Celso Daniel tenha aderido ao neoliberalismo, como denuncia Alvarez. O prefeito quer tornar a Prefeitura exemplo de Estado eficiente e que conviva harmoniosamente com o mercado e também com a participação comunitária. O equilíbrio entre Estado, mercado e comunidade é a síntese do pensamento político de Celso Daniel.


Ele sabe que o inchaço do quadro de servidores do Município, que ele ajudou a inflar em sua primeira gestão ao contratar muitos funcionários para as áreas de saúde, educação, transporte e segurança, inviabiliza a execução de obras.


Está, por isso mesmo, mais para o premiê britânico Tony Blair do que para o socialista francês Lionel Jospin, um sonhador que quer conciliar redução da carga de trabalho sem redução dos salários, aumento de 4% do salário mínimo para uma inflação anual de 2%, quadruplicação dos gastos com educação e aumento das verbas para habitação ao mesmo tempo em que reduziria o imposto sobre o valor agregado e suspenderia as privatizações, entre outras bobagens para um País cujo déficit público atingiu 4,2% do PIB no ano passado, isto é, acima dos 3% previstos para a Europa unificada pelo euro, a moeda única que circulará a partir de 1999. Jospin ainda não sabe que o Estado acima do mercado e da comunidade nestes tempos de globalização é uma roleta russa.


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