Política

Vale a pena
ver de novo

DANIEL LIMA - 05/09/2000

Vale a pena ver de novo nos Paços Municipais os seis prefeitos eleitos em 1996? Fazer suspense em torno da resposta poderia sustentar leitura até o último parágrafo, porque há um Hitchcock em cada brasileiro. Mas preferimos antecipar o resultado final com a certeza de que nem isso vai quebrar o interesse de quem quer saber como se comportaram os administradores e os executivos públicos da região no quesito desenvolvimento econômico. O grau de importância da atividade para aferir o desempenho da gestão pública pode ser resumido na obviedade de que sem recursos gerados pela economia, roda-gigante que faz girar investimentos, salários e impostos, o mais provável é que se encontre o trem-fantasma da depauperação social.

Coletivamente, Celso Daniel, Maurício Soares, Luiz Tortorello, Gilson Menezes, Oswaldo Dias e Maria Inês Soares passaram com dificuldades pelo crivo de quem espera um Grande ABC revigorado na principal peça do tabuleiro de recuperação regional.

O xeque-mate imposto pela globalização e pela estabilidade monetária ainda desnorteia a região. Não há no horizonte prático nada que garanta superação dos transtornos.

Os últimos resultados que indicam a redução do desemprego formal e informal da indústria na região não devem ser catapultados ao proselitismo de recuperação definitiva. Pelo contrário: indicam apenas retomada da produção comparativamente a um período de mergulho da economia nacional. Portanto, está distante da segurança de uma situação sistemicamente tranquilizadora.

Os seis prefeitos ultrapassaram conjuntamente a corrida de obstáculo da gestão regional na área econômica principalmente porque a base de comparação é covardemente inexpressiva. Sim, os ex-prefeitos Newton Brandão, Antonio Dall’Anese, Walter Demarchi, José de Fillipi Júnior, Leonel Damo e Valdírio Prisco, também vistos de forma conjunta, foram iguaizinhos aos antecessores Lincoln Grillo, Tito Costa, Walter Braido, Aldino Pinoti, José Augusto da Silva Ramos, Amauri Fioravante, entre outros, ao longo dos tempos: praticamente nada fizeram de forma concatenada para fortalecer institucionalmente e também estruturalmente o desenvolvimento econômico do Grande ABC.

Resumo da ópera – a história da economia da região é de conteúdo microscópico quanto ao envolvimento estratégico do Poder Público. O que se viu por aqui nos últimos quatro anos foi uma exceção de empenho pouco científico no âmbito doméstico e de discretíssima aproximação regional, que não pode ser catalogada como integração.

E o futuro?Para os seis prefeitos que eventualmente se sintam aliviados pela aprovação, entretanto, o futuro próximo não é dos mais alvissareiros e pode ser traduzido com a seguinte formulação: os níveis de exigência vão se elevar na sintonia que um segundo mandato consecutivo determina e as circunstâncias históricas e conjunturais recomendam.

Isso quer dizer que é necessário que os prefeitos e executivos das pastas econômicas façam mais individualmente, em seus respectivos municípios, e muito mais também coletivamente, porque os problemas que atingem a região não estão concentrados num determinado território.

O preço da simbiose territorial, econômica e cultural é distribuído equitativamente a todos os municípios locais. O Grande ABC, lá fora, é visto como bloco monolítico. Uma catastrófica constatação da mídia nacional de que São Bernardo tem banditismo incrustado na periferia mais pobre tanto quanto ao redor dos bairros de classe média atinge igualmente a imagem de todos os municípios locais, com reflexos danosos aos investimentos.

O aperto do torniquete ainda não atingiu o grau máximo. Qualquer tentativa de negar a continuidade de ações isoladas voltadas para o dinamismo econômico deve ser interpretada com a mesma lucidez de quem usa óculos de lentes cor-de-rosa para que o problemático torne-se resolutivo.

Por isso, quanto mais os prefeitos e secretários econômicos compreenderem que o tempo para reações incisivas é comparativamente escasso em relação à velocidade imposta pela globalização, mais o Grande ABC poderá adaptar-se à banda larga da competitividade menos traumática.

Os prefeitos que pleiteiam manter-se à frente das administrações públicas na região por mais quatro anos têm como principal capital de credibilidade no setor econômico a quebra de uma tradição tão estúpida quanto imprevidente. Eles simplesmente agregaram ao organograma das Prefeituras um espaço que inacreditavelmente inexistiu durante quase meio século de omissão, a partir do impulso industrial com a chegada das montadoras de veículos.

Ao criarem secretarias de Desenvolvimento Econômico, Celso Daniel, Maurício Soares, Luiz Tortorello, Gilson Menezes, Oswaldo Dias e Maria Inês Soares compreenderam a necessidade de dar um mínimo de respaldo público a uma atividade então lançada aos leões do individualismo do próprio mercado que, por natureza, normalmente dispensa o que se passa além de suas fronteiras corporativas.

PrioridadePena que os prefeitos de maneira geral não deram à pasta de desenvolvimento econômico a prioridade de reações que continuam sendo exigidas pelas deserções de fábricas, redução da mão-de-obra industrial e invasão de grandes conglomerados comerciais e de serviços. Eles criaram secretarias para o setor, mas injetaram conta-gotas na estrutura física, material e de recursos humanos.

Nenhuma das administrações públicas teve discernimento ou articulação multimunicipal suficiente para perceber que a pauta da recuperação passa obrigatoriamente pelo desafio de identificar alternativas econômicas que possam compensar o emagrecimento da atividade industrial, tradicional matriz da riqueza regional.

Uma reviravolta no organograma é o que se espera dos gestores públicos. Se as secretarias de Desenvolvimento Econômico não forem alçadas à condição estratégica de comandantes do processo de recuperação e sustentação de investimentos públicos, tudo deverá se complicar ainda mais.

O agravamento adicional pode ser contabilizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que introduz mecanismos de seriedade na gestão do Estado em suas várias esferas, inclusive os municípios.

O impacto dessa bomba de restrições orçamentárias será estrondoso na região. Os sete municípios locais construíram ao longo das administrações um endividamento cumulativo de R$ 1,5 bilhão. Quantia próxima da soma de todas as receitas tributárias previstas para este ano. Só Mauá deve mais de quatro orçamentos anuais.

Se a legislação não virar letra morta, acabou a farra-do-boi de populistas de plantão que se acostumaram a jogar no colo do prefeito seguinte a granada de despesas com aumentos salariais demagógicos e financiamentos de obras eleitoreiras de fim de mandato.

Esperar que as secretarias econômicas cooperem entre si é acreditar em Papai Noel quando se sabe que mesmo domesticamente, no âmbito da estrutura municipal do Poder Executivo, são corriqueiros os casos de disputa por nacos orçamentários.

Quando dinheiro é o ponto convergente de todos os interesses, cheira a romantismo supor que haverá desprendimento de gestores públicos comprometidos direta ou indiretamente com projetos políticos.

Nas empresas privadas açoitadas pela competitividade, estão se tornando comuns programas cooperativos num mesmo segmento ou setor. Sem contar a interminável onda de fusões e aquisições. Com a sobrevivência em jogo, não há como esbofetear o bom senso.

Já na administração pública, conflitos de interesse superam largamente o compartilhamento de soluções. O custo geralmente vai para a conta do contribuinte.

DissimulaçãoFoi o que se viu nos últimos 44 meses das administrações eleitas em 1996. Cobertos pela novidade da Câmara Regional e pela reativação do Consórcio de Prefeitos, protagonistas das pastas econômicas dissimularam durante algum tempo suas reais intenções. Se havia entre os secretários de desenvolvimento econômico o esperado compromisso regional, suas iniciativas acabaram sucumbindo. Não demorou para que fraturas se tornassem expostas, como revelou LivreMercado em inédita Reportagem de Capa com o título Tiros na Integração.

Os executivos públicos de economia e desenvolvimento dos municípios da região ergueram mais que muros entre os territórios que os separam geograficamente. Na verdade, são autênticas barricadas a separá-los. Nelson Tadeu Pereira (Santo André), Fernando Longo (São Bernardo), Jerson Ourives (São Caetano), Maria Regina Gonçalves e seu substituto Davi Schmidt (Diadema), Paulo Eugênio Pereira (Mauá) e Jorge Hereda (Ribeirão Pires) são tão parceiros quanto Sílvio Santos e Roberto Marinho. Todos estão à caça de investimentos. Pouco importa se esses investimentos estão no Município mais próximo.

Os casos envolvendo interesses conflitantes são fluviais. A última rodada de bravatas foi registrada pelo Diário do Grande ABC, com bate-boca explícito pelo título regional de capital dos plásticos entre Diadema de pequenas e médias indústrias de autopeças, químicas e de cosméticos, contra Mauá de uma cadeia de empresas de terceira geração de insumos derivados do Pólo Petroquímico de Capuava e que estão optando preferencialmente pelo Pólo Industrial de Sertãozinho, última grande reserva industrial do Município.

Estão em Sertãozinho mais de uma dezena de empresas que tiveram de providenciar mudança formal de endereço. Debandaram de Santo André, São Bernardo e Diadema, principalmente. O apelo de melhores condições de logística, a vantagem de preços mais digeríveis do metro quadrado de terreno e o aceno governamental de usufruir do Rodoanel — que promete encurtar distâncias até a Via Anchieta — seduzem qualquer empreendedor minimamente interessado em retirar da planilha de custos as desvantagens provocadas pela saturação de antigas áreas produtivas.

São Bernardo tomou a cozinha industrial do Habib’s de Diadema e avocou para si o selo SBC Design como grife de móveis depois de entrar em zona de atrito com os interesses de Ribeirão Pires. Diadema tirou empresas químicas e de autopeças de São Bernardo. Santo André quis furar o olho de Mauá com a proposta de sediar a Universidade do Trabalhador do empreendedor Abraham Kasinski que, cansado de esperar pelo Poder Público, preferiu lançar o projeto com recursos próprios. Ribeirão Pires provavelmente perderá a importante unidade de produção da Bartira, fábrica de móveis do Grupo Casas Bahia que deverá concentrar todas as divisões em São Caetano, mas faz esforços para levar aos seus domínios tudo o que se relacionar com opções de entretenimento e que reforcem sua veia turística. Mesmo que isso conflite com São Bernardo, igualmente banhada pela Represa Billings.

Outros casos poderiam ser registrados para comprovar que a integração entre os secretários de desenvolvimento econômico assemelha-se à medição de forças dos gladiadores romanos. São Caetano lançou a Casa do Mercosul no início deste ano e nenhum representante dos demais municípios se interessou pelo assunto que, como se sabe, atende a interesses dos pequenos industriais.

No caso do Banco do Povo, lançado por Santo André, o enredo é diferente. São Bernardo e Diadema correram para reproduzir essa ferramenta de suporte a micronegócios. Mas imperou o caráter concorrencial no sentido mais divisionista do termo, sem trocas de informações que minimamente possam ser vistas como sinérgicas.

Ciumeira é artigo de primeira linha na vitrine das administrações públicas. Reafirma uma das heranças culturais de uma região cujos movimentos de emancipação política e administrativa soterraram a sensibilidade de interação econômica.

Quando Santo André lançou o Projeto Eixo Tamanduatehy com pompa e circunstância no Moinho São Jorge, contavam-se nos dedos de uma única mão os representantes de outros municípios do Grande ABC. Principalmente da vizinha São Caetano, na zona de influência do programa.

A recíproca é verdadeira quando se trata de eventos em outros municípios. Somente a Câmara Regional tem potencial de agrupar interesses convergentes. Mesmo assim, com os limites naturais de que as soluções precisam ser caracterizadas como vantagens mútuas ou que possibilitem reciprocidades. Enfim, são frestas que se abrem nas quase indestrutíveis barricadas de exclusivismos, sempre ao sabor de eventualidades.

A parafernália de tributos municipais no Grande ABC não virou peça de museu nem mesmo depois que os prefeitos resolveram investir num modelo de uniformidade de alíquotas através do Consórcio Intermunicipal. Antes mesmo que o projeto fosse consolidado, houve casos de rompimentos unilaterais premidos por interesses específicos.

É verdade que a bagunça já foi pior. O desnivelamento de alíquotas de uma mesma atividade era verdadeiro samba do crioulo doido. O que se tem agora são sambas desafinados. Nem de longe se pode garantir que macro-objetivos foram alcançados.

Os administradores públicos não abriram os flancos de atratividade em setores cuja operacionalidade é intransferível. Caso, por exemplo, do setor de saúde, penalizado com alíquotas extremas. Uma política tributária que contemplasse o aspecto social poderia ser aplicada na área de saúde, estimulando a competição e a redução de preços na ponta final dos usuários dos serviços.

Quem mais apareceu como vilão de ações unilaterais foi o prefeito Luiz Tortorello, de São Caetano. A febre salvacionista de atrair o setor de serviços para um território de espaços físicos exíguos e que sofreu com a debandada industrial explica mas não justifica as atitudes isoladas.

Entretanto, outras administrações trataram de meter a mão de gato no sentido de manipular as alíquotas de acordo com as circunstâncias que mais lhes apeteciam. O empreendedor que pretender vir para a região vai ter muitas dores de cabeça até chegar à vantagem tributária que mais lhe convém.

Nenhum organismo público – Consórcio, Câmara e Agência de Desenvolvimento Regional — tem informações confiáveis sobre a grade regional de alíquotas do ISS (Imposto Sobre Serviços), que envolve gama de 99 diferentes categorias de negócios.

Alíquotas enigmáticasQuem mais se debruçou sobre o potencial de preciosidade das informações é o economista Ary Silveira, que comanda a ASPR Consultores, empresa sediada em Santo André. O site da consultoria disponibiliza quadro comparativo de todas as atividades econômicas abrangidas pelo ISS e seus respectivos pesos de tributos. “Só não posso garantir que os números estão em dia porque a última atualização foi feita há três meses e qualquer alteração só será informada depois de espera de 20 dias ao requerimento que devemos enviar a cada Prefeitura” – conta Ary Silveira.

O empenho privado em tentar decifrar o enigma das alíquotas é desconhecido na maioria das administrações públicas. Seus representantes enxergam unicamente o próprio umbigo municipal.

Se a pretensa padronização do ISS tornou-se tour-de-force de vantagens individuais, a criação da Loto Fiscal não teve destino diferente. Também de âmbito regional e resultado de negociações conjuntas no Consórcio de Prefeitos, a legislação voltada para atrair prioritariamente indústrias de transformação sofreu esquartejamento prático. A diferença é que, nesse caso, o ônus decorre principalmente da própria realidade regional.

A região está encurralada economicamente. Sem marketing para atração de investimentos, o Grande ABC ainda tem de vergar sob o peso da desconfiança de relações sindicais fortes, custos elevados da mão-de-obra, exaustão viária, criminalidade crescente e implacável fiscalização federal, estadual e municipal devido ao ganho de produtividade dos homens do Fisco decorrente da concentração geográfica de negócios.

Novas unidades fabris resultam principalmente de integração compulsória à cadeia automotiva e petroquímica, embora não falte secretário que exagere nas cores de egocentrismo e se atribua exagerada importância pela chegada dos negócios.

A Loto Fiscal não passa de tentativa de fazer de conta que a região não embarcou na guerra fiscal que tanto condena. Basicamente é um instrumento legal para atrair novos negócios ou ampliar investimentos já materializados. A legislação prevê devolução de percentuais do ICMS adicional aos empreendedores sob a condição de algumas regras que combinam valores investidos e empregos gerados, o que estimula o nome oficioso do programa.

A operação exige cálculos aritméticos complicados e foi anunciada com estardalhaço só comparável ao tamanho da decepção pela escassez de beneficiários.

Guerra FiscalCom parque industrial consolidado e cada vez mais enxuto tanto em quantidade como em universo de trabalhadores, é impossível o Grande ABC praticar guerra fiscal nos mesmos moldes de outros municípios paulistas e de Estados que implantaram medidas generosas a partir de ocupação zero.

Por isso, a Loto Fiscal carrega no bojo o espectro do privilégio tributário aos novos investimentos, em prejuízo dos já instalados. Duas empresas de produtos semelhantes tratadas desigualmente incorporam automaticamente potenciais vantagens e desvantagens que podem se refletir no custo final das mercadorias.

O caso da Otis, fábrica de elevadores em São Bernardo, é exceção de benefício tributário que confirma a regra de dificuldades operacionais da Loto Fiscal e a impraticabilidade de implantar guerra fiscal nos padrões de outras regiões.

A empresa desistiu de trocar São Bernardo por uma cidade do Paraná porque teve socorro do governo estadual com alíquota de ICMS reduzida de 18% para 12%. O governador, avesso à guerra fiscal, não teve escolha porque ficou entre a cruz e a caldeirinha. Se não cedesse, o Estado de São Paulo perderia não só mais uma fábrica, como Covas teria de ouvir a estridente reação dos metalúrgicos de São Bernardo. A medida só foi possível porque a Otis não tem concorrente nem no Grande ABC nem em qualquer região paulista.

Também os moveleiros paulistas respiraram aliviados com igual rebaixamento do ICMS estadual, adequando-se a legislação aos competidores de outros Estados. O governador Mário Covas acabou cedendo à tentação localizada dos moveleiros paulistas porque chegou à conclusão de que a emenda da equidade fiscal em relação a outros Estados era melhor que o soneto da omissão. É possível, nesse caso, aumentar as receitas tributárias com a diminuição da alíquota — porque o volume de vendas deve crescer — do que continuar perdendo empresas com a guerra fiscal. Até porque, os moveleiros paulistas não têm a representatividade de massa tributária de outros setores mais dinâmicos.

A ação do governador do Estado impediu mais um desfalque industrial na região, mas a sangria do setor comercial depende exclusivamente de organização interna. Nenhuma Prefeitura se movimentou para reduzir o impacto dos megaconglomerados comerciais. O Grande ABC, como as demais regiões metropolitanas do País, continua a permitir que shoppings, supermercados, hipermercados e homecenters instalem suas poderosas estruturas e desenvolvam ações de marketing sem a menor cerimônia.

Mercearias, bares, lanchonetes, armazéns e outros pequenos negócios familiares de bairros vivem na corda bamba entre falência e sobrevivência. O comércio central de rua não está em situação melhor.

A Prefeitura de Santo André vetou recentemente a criação de comitê que analisaria o impacto dos grandes investimentos varejistas. A alegação de inconstitucionalidade tem por base a garantia jurídica de que a matéria é de âmbito do Poder Executivo, não do Legislativo. Esperar que o Executivo opte pela iniciativa é o mesmo que remeter o caso para um improvável ou demorado consenso da Câmara Regional.

Nenhum prefeito quer assumir individualmente o ônus de disciplinar os grandes negócios porque teme que investimentos migrem para vizinhança mais complacente. Enquanto se consolida esse jogo de empurra, o Grande ABC absorve mais e mais empreendimentos do terciário. Já é notório, entretanto, que a região não tem a mesma elasticidade econômica dos bons tempos, resultado da contínua perda de massa salarial derivada da troca de milhares de empregos industriais por comércio e serviços e também da progressão geométrica da atividade informal.

Como se observa, há muito mais reticências do que ponto final nas relações econômicas regionais. As ações conjuntas dos prefeitos e dos secretários tornam difícil e injusto graduar vilões. Todos estão no mesmo barco de individualidades depois de uma tentativa de aproximação. Tem-se a impressão de que se pretendia dançar num ritmo previamente escolhido por cada um dos envolvidos. Menos mal para o Grande ABC — e essa constatação contribui para a aprovação dos atuais gestores públicos — que no contexto municipal há melhores resultados e, também, distinções de desempenho.

Novo CalçadãoAlém do lançamento do Eixo Tamanduatehy com participação de planejadores urbanos internacionais e cujos primeiros resultados práticos já aparecem, Santo André contabiliza iniciativas interessantes. O Calçadão da Oliveira Lima ganhou cobertura de polietileno e equipamentos que conferem ar de recuperação a um endereço que já foi referência de consumo de alto padrão.

É evidente que falta muito para a repaginação comercial da Oliveira Lima e nem se cogita que volte aos tempos de glória, porque agora há a concorrência dos shoppings. Mas é possível atrair empreendimentos que não sejam tão direcionados ao consumo exclusivamente popular, segundo especialistas.

A deserção da Lojas Americanas, após demorada negociação sobre valores de aluguel, poderia ter sido evitada se o Poder Público intermediasse até mesmo com oferta de redução do IPTU. Nada se fez e o Calçadão perdeu sua principal âncora.

Também o projeto Centros de Bairros produz os primeiros resultados ao utilizar ações urbanísticas e viárias como freio à fuga de consumidores da periferia em direção a estabelecimentos de maior porte.

A Cidade Pirelli, megaprojeto hoteleiro, de escritórios e da área de serviços, está em fase de preparação. Já foi superada a difícil etapa de desapropriações. A Cidade Pirelli integrará o contexto logístico e de marketing do Eixo Tamanduatehy, ávido por símbolos que possam atrair novos investimentos. Dessa forma, vai seguir os passos do Shopping ABC Plaza e da UniABC, que deram novo formato à então deteriorada Avenida Industrial, e também do Autoshopping, programado para ser inaugurado neste mês na Avenida dos Estados.

Mais importante do que essas e outras obras públicas e privadas catalogadas como retalhos de uma colcha de investimentos, a Administração de Santo André reagiu no último ano de mandato ao aprovar a LDI (Lei de Desenvolvimento Industrial). Trata-se de autêntico chute nos fundilhos da burocracia legislativa erguida nos tempos em que a região se dava ao luxo de fazer doce aos investimentos.

Praticamente todas as restrições para ocupação e uso do solo que não comprometam o meio ambiente foram jogadas na lata do lixo. Se dependesse da nova legislação municipal — e não do emaranhado de disputa por investimentos que reúne especialistas e lobistas das mais diferentes regiões do País — Santo André anunciaria uma nova fábrica com a frequência dos assaltos em cada esquina.

Abrir porteirasSe a chegada da indústria de transformação está liberada em qualquer solo de Santo André, a recíproca será verdadeira no setor comercial e de serviços se houver a aprovação da LDC (Lei de Desenvolvimento Comercial). Entretanto, ao que tudo indica, as dificuldades serão maiores porque donos de estabelecimentos protegidos pela legislação não estão exatamente satisfeitos com a possibilidade de ganhar concorrentes. Seriam afetados postos de combustíveis, farmácias e outros negócios que contam com a salvaguarda da distância mínima para impedir o choque de oferta de produtos e serviços em seus arredores.

A proposta da Administração Municipal também está voltada a permitir o funcionamento de pequenos negócios em espaços originariamente destinados a residências. Na realidade, a lei apenas se adaptará à prática porque não faltam garagens que viraram pizzarias, bares e mercearia, entre outros. A perda de empregos industriais e a saturação de mão-de-obra no terciário culminaram com explosão de pequenos negócios de sobrevivência.

A Administração Celso Daniel teve peso importante no desdobramento funcional do Grupo de Sinergia do Pólo Petroquímico de Capuava. Desde que o secretário Nelson Tadeu Pereira passou a contar com o reforço de Nívio Roque, ambos ex-executivos privados, outros grupos de empreendedores estão adotando o conceito de integração estratégica em compras de produtos e serviços, mesmo que não sejam vizinhos territoriais tão próximos.

A iniciativa deve ser creditada ao secretário Nelson Tadeu Pereira, mas também teve o peso de Nívio Roque, que participou ativamente do Grupo de Sinergia de Capuava quando ocupava o cargo de superintendente da OPP Polietilenos. Chegou inclusive a coordenar ações que envolvem 10 empresas até recentemente integradas apenas pela logística de produção a partir da matéria-prima centralizada na Petroquímica União.

A Administração Municipal de São Bernardo não apresentou volume de iniciativas semelhante a Santo André. Também por problemas estruturais, o secretário Fernando Longo não ofereceu sequência de resultados esperados. O Conselho de Desenvolvimento Econômico anunciado há três anos raramente se reuniu e o Grupo Automotivo da Câmara Regional, setor âncora da cidade, não sobreviveu aos primeiros encontros.

Executivos das montadoras, de autopeças e sindicalistas deram a impressão de que pretendiam o baralho da repartição do Custo ABC desde que tivessem a garantia das melhores cartas.

Pequenas incubadoras de empresas em parceria com o Sebrae são muito pouco diante do quadro de exclusão empresarial que atinge o setor de autopeças, concentrado no núcleo de sistemistas e subsistemistas.

Parceria com o Sindicato dos Moveleiros retirou parte do segmento do quarto escuro do individualismo estratégico e tático, mas ainda há muito terreno a percorrer. Tanto que nem a tradicional feira anual que coincide com o aniversário do Município integrou o calendário deste ano por falta de espaço para exibir o que faz um setor decantado como vocação regional.

A verdade é que São Bernardo continua dependente demais das montadoras de veículos. Volkswagen e Ford, que produzem veículos em massa, têm sofrido a cada ano a perda de participação relativa por causa da descentralização de unidades próprias e, principalmente, de concorrência.

A expectativa de que o Pavilhão da Vera Cruz seria transformado num núcleo primeiromundista da indústria do entretenimento cinematográfico não ultrapassou a barreira do sonho.

A expectativa de que o trecho da Via Anchieta entre a Rota do Frango com Polenta e o subdistrito de Riacho Grande seria transformado em grande portal da indústria de lazer e entretenimento também acabou frustrada. A potencialidade explícita da área não teve a contrapartida de plano de investimentos para atrair capitais privados.

Da mesma forma, só ficou nas manchetes a chegada de parque temático. A Cidade da Criança continua envelhecida e politicamente resistente à proposta de novos concessionários. A Cidade Tognato, semelhante à Cidade Pirelli de Santo André, não saiu do plano teórico.

Menos mal que o bom relacionamento com o governo do Estado e com o empresariado geograficamente envolvido tenha possibilitado funda redução do caos com obras de complementaridade e de construção de alças de acesso da Via Anchieta. Trata-se de importantíssimo ramal à eficiência da produtividade da cadeia industrial ditada pelo just-in-time.

A situação em Diadema só difere da de São Bernardo porque as promessas foram bem mais modestas. O prefeito Gilson Menezes demorou quase 30 meses para criar secretaria voltada à área econômica, mas não ofereceu a contrapartida de infra-estrutura e recursos financeiros. Somente nos últimos meses houve alguns espasmos de iniciativas que ainda estão em fase embrionária, como é o caso da adaptação do conceito de condomínio industrial para racionalizar os custos de empreendedores com aluguel de galpões desocupados.

A proliferação da economia informal segue o ritual do alto índice de desemprego, o que imprime concorrência desigual entre os pequenos competidores. A aparente tranquilidade com ausência de grande estabelecimento comercial vai acabar agora em setembro, com a inauguração de uma unidade do Carrefour.

Com centenas de galpões industriais vazios por conta principalmente de políticas macroeconômicas, Diadema sofreu nos últimos anos perda de participação relativa na distribuição do ICMS, depois de acumular vitórias e vitórias. Reverter esse processo exige muito mais que desprendimento da Administração Pública, historicamente voltada para a comunidade. É preciso reciclar o dinossáurico conceito socialista de que voltar-se para a infra-estrutura social significa fechar as portas para o econômico.

Mauá faz dos mais de cinco milhões de metros quadrados desocupados do Pólo de Sertãozinho a grande esperança de fortalecimento econômico. A dependência do Pólo Petroquímico de Capuava é acentuadamente crônica. Quase 50% do repasse do ICMS emerge dos derivados de petróleo que chegam na Petroquímica União, seguem para as mega-industrializadoras de segunda geração e alcançam, já fora do Pólo Petroquímico, as transformadoras de terceira geração.

A expectativa de aumento da capacidade de produção da PQU embala o entusiasmo de que a economia de Mauá dará salto arrecadatório, já que o uso de mão-de-obra no setor é cada vez mais seletivo. Resta saber o que a Administração Pública tem a propor como alternativa viável à cadeia químico-petroquímica que inclui o segmento plástico. Além disso, o volume suplementar de nafta para a PQU depende de enxadrismo político e econômico que passa pelos escalões nem sempre decifráveis da Petrobras.

O secretário Paulo Eugênio Pereira, porta-voz permanente de novas unidades industriais, mesmo que sejam de empresas do próprio território regional, ainda não conseguiu dar resposta à uma alternativa ao pólo químico-petroquímico. Por isso, Mauá tem preferido festejar a chegada de redes de supermercados e a descoberta do potencial de consumo pelo McDonald’s. A reestruturação urbana do centro comercial foi ação importante para dar ares de modernidade a uma região que praticamente mal se distinguia da periferia.

Ribeirão Pires parece ter encontrado o rumo econômico com a adoção definitiva da vocação à natureza. Ao ganhar a identidade legal de estância turística, Ribeirão Pires parece ter caído na real de que não lhe resta outra possibilidade mais concreta do que combinar qualidade de vida com investimentos que gerem empregos e arrecadação tributária.

A prefeita Maria Inês Soares tem-se dedicado com desembaraço ao projeto de pontilhar o mapa do Município de atrações de lazer e entretenimento. Ao representar o maior naco de impostos, a indústria de transformação reflete a incapacidade histórica de Ribeirão Pires vestir o figurino socioeconômico que mais lhe convém. O maior valor de Maria Inês Soares foi ter descoberto o óbvio de que Ribeirão Pires será realmente um Município turístico quando não depender tanto do ICMS industrial.

Receitas própriasA virtude do prefeito Luiz Tortorello, de São Caetano, é semelhante. Ele decidiu apontar as baterias em direção ao aprofundamento das atividades de comércio e de serviços para compensar as perdas econômicas da debandada industrial. Por isso não teve dúvidas de rebaixar alíquotas do ISS.

Está certo de que a General Motors faz muito peso na planilha de recursos orçamentários vindos do ICMS e que o terminal de combustíveis da Petrobras também representa gordas fatias tributárias, mas o impulso de receitas próprias tem sido cada vez mais importante para equilíbrio das contas e também para investimentos públicos. Empresas de serviços financeiros foram atraídas com a redução do ISS e porque o Município exibe os melhores níveis de qualidade de vida da região.

Falta a São Caetano plano para atrair investimentos de alto valor agregado e geradores de emprego, como um pólo de componentes microeletrônicos, por exemplo, e até mesmo da indústria de espetáculos culturais e de negócios. Colada à Capital do turismo corporativo do País, São Caetano poderia promover inventário de áreas públicas e privadas potencialmente selecionáveis para receber centros para feiras e convenções, hotéis, restaurantes, casas de espetáculo e outros equipamentos da indústria que mais cresce no mundo.

Aproveitar o vácuo de São Paulo, que já reclama da falta de espaços para sediar encontros nacionais e internacionais de negócios, é provavelmente a melhor alternativa econômica para quem tanto se orgulha de seus indicadores sociais.



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