Esportes

Somente torcida organizada da
Imprensa ignora risco de goleada

DANIEL LIMA - 19/12/2011

Somente santista incauto ou fanatizado demais poderia esperar outro resultado que não a goleada na final do Mundial de Clubes para o Barcelona. Os fanáticos acreditam em tudo, mas os incautos muitas vezes são instrumentalizados por terceiros. Principalmente pela Imprensa patrioteira. A humilhação que poderia ter números muito além dos 4 a 0, porque o time basco tirou o pé no segundo tempo, deveria ser uma lição para a maioria dos cronistas esportivos, para os repórteres e editores de jornais, telejornais, radiojornais e webjornais.


 


Colocar durante toda a semana Santos e Barcelona no mesmo patamar foi uma heresia que só teria de dar no que deu, ou seja, num desastre descomunal de expectativa frustrada. O tom das manchetes e dos noticiários dos jornais mais sérios colocava o Santos parelho ao Barcelona e Neymar em igualdades de condições com Messi.


 


O futebol brasileiro recebeu ontem uma lição do time espanhol. O Santos pagou o pato, mas qualquer um de nossos melhores times teria passado pelo mesmo vexame, ou pior ainda.


 


Somente quem ignora o futebol internacional e principalmente o deslumbrante Barcelona seria capaz de acreditar em jogo equilibrado. A força do marketing, que comanda o futebol em todas as instâncias nacionais, principalmente a TV, não pode ser um convite à estupidez.


 


Nosso futebol é de segunda linha na hierarquia dos clubes, principalmente quando estão em confronto os territórios europeus que mais investem em contratações, casos de Espanha, Itália e Inglaterra. Isso significa que o Santos seria coadjuvante fosse quem fosse o finalista europeu. Menos o Barcelona, evidentemente. O time de Messi, Xavi, Inieste e tantos outros é de outra galáxia e escanteou o Santos ao papel quase inexpressivo de figurante.


 


Costumo dizer que o Barcelona joga futebol, enquanto os demais times do mundo pensam que jogam futebol.


 


O grande equívoco da imprensa patrioteira é que levou muita gente a acreditar que o Santos teria condições semelhantes de vitória às do Barcelona.


 


Caçapa cantada


 


Sei muito bem a resposta que recebi -- um olhar fulminante -- de um amigo santista quando quinta-feira, em almoço, lhe indiquei que o Santos de domingo contra o Barcelona seria o Al-Sadd que acabara de ser goleada por 4 a 0 pelos espanhóis no Japão. Sei exatamente o que ele pensou: somos campeões da Libertadores, bicampeões mundiais de clubes, pentacampeões mundiais de seleção, chavões que todos os torcedores procuram utilizar para contrapor-se às evidências.


 


Também num bolo familiar, apostei num 4 a 1 para o Barcelona. Bobagem acreditar que foram puros palpites ou discriminação clubística. Coleciono faz bom tempo os principais jogos do Barcelona. Muitas vezes revejo-os em casa enquanto pedalo a bicicleta ergométrica com a qual revezo minhas corridas no Parque Celso Daniel. É impossível parar o Barcelona. Equipes muito mais qualificadas que o Santos já tentaram e deram com os burros nágua. Uma ou outra derrota aqui e acolá sempre é possível, porque futebol não é ciência exata. Mas em condições normais de tempo e temperatura, não dá outra.


 


Não vou desfilar uma porção de vetores que fazem do Barcelona o time dos sonhos de qualquer torcedor. Prefiro direcionar os faróis de alguma luminosidade crítica à Imprensa. O ambiente de torcida organizada é um escândalo. Pratica-se jornalismo subserviente demais ao marketing, ao bom-mocismo, à industrialização da hipocrisia.


 


Mais entretenimento


 


Caímos num modelo de jornalismo de entretenimento que ultrapassa todos os limites críticos. Não é crime informar aos leitores, ouvintes e telespectadores que o Santos teria ante o Barcelona missão quase impossível, de conquistar o título. Que terminar o jogo com uma derrota discreta seria um baita resultado. Essa era a lógica.


 


Exceto um ou outro palhaço travestido de alguma coisa que lembra jornalismo e que pauta comportamento principalmente à frente da TV com o deboche típico dos ignorantes que só olham para os resultados do Ibope, o que prevalece é a crítica de ocasião. Há uma tendência generalizada do jornalismo à acomodação, a seguir a manada. Monitorados permanentemente pelas redes sociais, os cronistas esportivos têm horror à contrariedade e à sinceridade. Fazem o jogo que interessa à platéia. Submetidos a uma prestação de contas do que falaram antes do jogo de ontem, seriam sumariamente levados à desmoralização.


 


Como dizer que o Barcelona era favorito absoluto ao título, que Neymar é bom para caramba mas não chega ainda aos pés de Messi, entre outras verdades incontestáveis, se o patrulhamento eletrônico e mesmo dos companheiros de trabalho se manifestará demagogicamente?


 


Pois é assim que funciona em tantas outras esferas a atividade jornalística. Os medíocres plasmam determinadas definições e agem severamente para desqualificar o bom senso. Não somos o País do jeitinho por acaso. É uma cultura nacional que vai muito além da consagração de dar um nó numa dificuldade burocrática ou legal qualquer. É um modus operandi que solidifica em muitos casos o mau-caratismo. O triunfalismo é o esconderijo dos mal-ajambrados. Já conheço esse filme, principalmente fora das quatro linhas. Na economia regional, por exemplo. A desindustrialização que desfraldei com estudos minuciosos que o diga.


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