O Esporte Clube Santo André, que durante 40 anos administrou o futebol da cidade, comemorou discretamente no final de semana 20 anos de inauguração do Centro Poliesportivo, no Parque Jaçatuba. Um patrimônio físico estimado em US$ 100 milhões. O Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), que administra o futebol de Santo André nos cinco últimos anos, com quatro rebaixamentos (fora as ameaças) vai completar cinco anos de terceirização com uma dívida não revelada e não confirmada de R$ 30 milhões. A comparação é inexorável porque são métodos administrativos contrastantes.
Foi na gestão de Jairo Livolis, com continuidade administrativa do atual presidente, Celso Luiz de Almeida, que o Esporte Clube Santo André substituiu a troca de sede a cada nova temporada de aluguel em alta por um projeto audacioso de sede própria. Mais que a própria casa gerencial, a própria casa de entretenimento a milhares de familiares do Subdistrito de Utinga, principalmente. Ou, como diziam os mais conservadores, "do outro lado da linha". Sim, "do outro lado da linha" discriminado pelo pessoal "do lado de cá da linha", uma referência à divisão financeira e cultural de Santo André estigmatizada pelo traçado da estrada de ferro que corta o Centro Velho do Município.
A aprovação da área no Parque Jaçatuba foi um processo exaustivo. Foram nove votos a favor e oito contra numa sessão do Legislativo de Santo André marcada por oportunismos políticos. Pretendia-se destinar aqueles 60 mil metros quadrados de terreno a desorganizados clubes amadores. Foi preciso pegar pelo colarinho dois vereadores fujões para que o Santo André não ficasse a ver navios.
Do abandona aos emergentes
A área do Jaçatuba estava abandonada e provavelmente viraria nova favela ou seria objeto de provável escândalo imobiliário envolvendo patrimônio público, como é comum por aqui e nada acontece. A diretoria do Esporte Clube Santo André contava com o respaldo de conselheiros com influência em várias instâncias da sociedade.
Foi uma vitória do futebol da cidade, o melhor instrumento de divulgação da imagem de Santo André ao longo das últimas décadas, mas sobretudo foi o triunfo político-institucional do Município. A partir dali, os devaneios de divisão do território, de um lado Utinga, de outro Santo André, como se dizia, praticamente se diluíram.
O Esporte Clube Santo André não contava com presidente dono de jornal e muito menos tão influente para ir em frente no projeto de cessão daquela área e também de consumação do projeto do Poliesportivo. Havia, em contrapartida e de forma muito mais democrática, sensível, comprometida, um mínimo de densidade social da representação esportiva da cidade.
Vinte anos depois, cinco dos quais sem que o Esporte Clube Santo André entre em campo de verdade, o Saged acumula derrotas e a cidade perdeu um dos principais símbolos da construção da cultura esportiva no futebol, com a demolição até prova em contrário arbitrária da marquise do Estádio Bruno Daniel.
Crescimento sólido
Uma rápida retrospectiva dos 15 anos subsequentes do Ramalhão à inauguração do Poliesportivo, até que o Saged fosse concebido, comprova que a junção entre futebol e clube associativo está na raiz dos sucessos alcançados. O Ramalhão ganhou a Copa São Paulo de Futebol Júnior, conquistou uma das vagas à Série B do Campeonato Brasileiro (o que lhe garantiu calendário anual com o qual todo time médio ou pequeno sonha), voltou à Série A do Campeonato Paulista e ganhou a Copa do Brasil num Maracanã lotado de flamenguistas, o que lhe deu o direito de disputar a Copa Libertadores. Tudo isso sem comprometer o futuro, mantendo em ordem a estrutura financeira e, finalmente, preparando revelação de jogadores com uma bem executada incubadora de talentos.
Tudo estava caminhando em direção à consolidação de um árduo projeto de sedimentação do Ramalhão no futebol brasileiro. O passo seguinte, equivalente ao sucesso do Poliesportivo, foi a transformação do departamento de futebol em aparato empresarial, com a participação de inúmeros investidores. Idealizador da proposta, Jairo Livolis foi atropelado pela impetuosidade do empresário Ronan Maria Pinto.
Cinco anos depois, o Poliesportivo do Santo André é um exemplo de construção de entretenimento premonitoriamente voltado à classe média emergente, enquanto o Saged, ex-Ramalhão, extratifica todos os males do individualismo egoísta e autossuficiente.
Será muito difícil a unificação do Esporte Clube Santo André, metade futebol, metade associativismo, depois da experiência malsucedida do Saged. Uma experiência que legalmente tem ainda mais 15 anos de prazo de validade. Seriam certamente os piores 20 anos da história do esporte da cidade. Como se os cinco já consumidos não bastassem.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André