Esportes

Sempre há duas equipes atrás de
um bom resultado, mas não parece

DANIEL LIMA - 22/08/2012

Vá lá que os torcedores não se deem conta disso, mas comentaristas, repórteres e narradores, tenham a santa paciência! Eles, na quase totalidade da crônica esportiva, teimam com velhos chavões dos tempos em que o rádio velho de guerra ditava o ritmo das emoções nas transmissões esportivas e só enxergam um time em campo. Joguem quem jogar, grande versus pequeno, principalmente mas não apenas, eis que as análises convergem sempre para um mesmo eixo. Quando é a Seleção Brasileira que está em campo, então, o paroxismo é mais cristalino.


 


Basta acompanhar com alguma frequência os programas esportivos e, principalmente, as transmissões esportivas, antes, durante e após o jogo, para matar a curiosidade: se às vezes não se detecta de imediato para que time torce determinado profissional da crônica, não resta dúvida sobre o time que detesta. 


 


Entre todas as nuances dos jogos a que mais me intriga mesmo é a unilateralidade analítica. Esquecem-se cronistas esportivos que uma virtude tática ou técnica circunstancial ou estruturada pode depender do adversário para se efetivar ou esboroar. Um Neymar numa jornada pouco impetuosa provavelmente é um Neymar bem marcado pelo adversário, como o foi nos jogos decisivos da Taça Libertadores contra o Velez Sarsfield, tanto na Argentina quanto na Vila Belmiro, e ante o Corinthians, também nos dois jogos.


 


Descobriu-se naqueles quatro jogos – independente da queda de rendimento nos jogos da Seleção Brasileira – que há sim uma fórmula senão mágica ao menos minimizadora dos estragos que Neymar costuma produzir a cada partida.


 


Lição argentina


 


Os argentinos mostraram e Alessandro do Corinthians aprendeu rapidamente que ante Neymar qualquer tentativa de bote pode dar com os burros nágua. É preciso inteligência para marcar o jovem atacante. Em vez da força da antecipação, a mobilidade para correr em paralelo às arrancadas em direção ao comando do ataque ou ao outro extremo, ou mesmo em diagonal em direção à linha de fundo. O combate direto, frontal, é um risco elevadíssimo porque Neymar é jovem, tem explosão muscular, domina a bola com os dois pés, faz da ginga de corpo uma constante serpentina que pode endoidecer o marcador. É claro que, para arrefecer as diabruras não se pode esquecer também que, além de um marcador frio e calculista, é indispensável sempre alguém na cobertura. A chamada marcação em dobro.


 


Pois quanto Neymar encontra esses obstáculos e seu futebol esfuziante pode ficar sob controle, não lhe faltam críticas. O outro lado do jogo, o outro lado do adversário organizado, estudioso, mobilizado, sequer é lembrado.


 


De torcedor deve-se perdoar tudo, porque a grande maioria raciona com o coração, mas dos formadores de opinião, os profissionais de Imprensa, deve-se cobrar sim um mínimo de distanciamento emocional e, principalmente desatrelamento dos interesses econômicos pautados por sistemas de marketing que encontram nos patrocinadores e na audiência torniquetes à compreensão dos espetáculos.  



Sem exceção, as transmissões do Campeonato Brasileiro que colocam frente a frente os grandes clubes paulistas e os times médios são estupidamente parciais. O São Paulo sofreu uma goleada para o Náutico no meio de semana passada mas não faltou quem só observasse as falhas da equipe, como se o time pernambucano fosse integrado por um bando de pernas de paus.


 


Quando o Santo André fez aquela campanha memorável na Série A do Campeonato Paulista de 2010, a ponto de decidir o titulo com o Santos e de, inclusive, ficar a uma trave da conquista (Lembram-se da jogada de Rodriguinho aos 45 minutos da etapa final?) a crônica paulistana só descobriu aquela fantástica sinfonia de azul e branco quando já era impossível ignorá-la, após o primeiro da série de dois jogos finais. Antes, em várias ocasiões, o Santo André enfrentara as grandes equipes paulistas, na fase classificatória, mas praticamente ninguém da crônica lhe deu a menor bola. O desdém paulistano é um traço de personalidade de quem vive sob o jugo da audiência e do poder econômico.


 


Provavelmente não faltariam comentaristas que, ante a possível conquista do Santo André, prefeririam desfilar montanhas de críticas à atuação do Santos de Neymar e Ganso, a admitir que no campo havia uma outra equipe com qualidade.


 


Causas e consequências


 


Talvez a crônica esportiva precise aprender que nem sempre uma má jornada de uma determinada equipe se dê exclusivamente porque seus jogadores não estavam inspirados. Semanalmente a TV exibe ao vivo exemplos muito bem acabados de jogos cujos resultados previsíveis são contrariados por equipes que se organizaram melhor e aplicaram um plano de jogo neutralizador dos principais pontos do adversário.


 


A Portuguesa que ganhou do Grêmio em Porto Alegre no meio de semana passada, o mesmo Grêmio que derrotara o São Paulo três dias antes no Morumbi, é uma Portuguesa de Geninho que, já em jogos nos quais foi derrotada, demostrava evolução coletiva que a credenciava à recuperação na competição. Mas nem todo mundo da Imprensa sabe distinguir resultado de desempenho para formar juízo de valor gradual, ou seja, que possa robustecer-se ao longo da temporada. 


 


A crônica esportiva em larga escala é imediatista, redundante, previsível e presa a conceitos há muito arquivados, quando não enterrados. A dinâmica do futebol, um jogo cada vez mais medido, centimetrado, cronometrado, esquadrinhado e previsível por instrumentos tecnológicos, exige atenção permanente. O talento individual sempre tenderá a fazer a diferença, mas mesmo nesse caso, a diferença só se fará se o conjunto, o coletivo, não for exageradamente abaixo do outro time que está em campo, com um uniforme diferente e as mesmas ambições de vitória.


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