Até pode dar, mas ficou muito mais difícil. E tudo poderia ter ficado bem menos complicado. Bastava que se convertesse aquele pênalti aos 42 minutos do segundo tempo do jogo de sábado à tarde no Estádio Anacleto Campanella ante o Goiás. Estava 1 a 1. A vitória daria ao São Caetano a condição de traçar o próprio destino -- domingo em Campinas contra o Guarani -- para festejar o retorno à Série A do Campeonato Brasileiro. Uma expectativa que já se prolonga por seis temporadas e que nunca esteve tão próxima, embora pareça tão improvável.
O goleiro Harlei, 40 anos, defendeu a péssima cobrança de Zico, ou melhor, de Ailton. Por que Zico? Ato falho. Contra a França, na Copa do Mundo de 1986, o craque brasileiro mal acabara de entrar em campo e cobrou mal uma penalidade que manteve o empate de 1 a 1 e levou a disputa aos pênaltis, vencida pelos adversários. O goleiro francês fez defesa semelhante à de Harlei 26 anos depois. Ailton, como Zico, vinha de contusão e foi pouco aproveitado durante todo o segundo turno no São Caetano. Entrara cinco minutos antes de Danielzinho ser derrubado na entrada da área pelo zagueiro Ernando. Ailton estava frio e não respirava o ambiente do jogo.
O São Caetano cuidou de tantos detalhes para enfrentar o já classificado Goiás que possivelmente não se deu conta de que o pênalti marcado a três minutos do final era a travessia da ponte no campeonato. Ali estava materializada a grande oportunidade de chegar à Série A. O resultado acabou frustrante. O empate do Vitória em Joinville por 1 a 1 e o empate do Atlético Paranaense em Criciúma por 0 a 0 colocam paranaenses e baianos praticamente de volta ao principal campeonato do País. Dois pontos atrás (68 a 70) do Atlético Paranaense e do Vitória da Bahia, o São Caetano precisa vencer o ameaçadíssimo Guarani em Campinas e contar com pelo menos uma derrota de um dos concorrentes. Se o São Caetano ganhar e os outros dois jogos terminarem empatados, igualará na contagem de pontos mas sobrará no primeiro critério de desempate: teria 20 vitórias, contra 21 de Atlético e 21 de Vitória.
Velhos e surrados clichês
É claro que chorar o leite derramado nestas alturas do campeonato não resolve, até porque nem tudo está acabado. Lamentar muitos pontos perdidos em casa é clichê surrado e manjadíssimo. Todos os times perdem jogos acidentais em casa. Outros perdem pontos imperdoáveis mas lógicos em casa, porque não estavam habilitados a conquistá-los. Os teóricos das justificativas sempre enquadram o passado em contextos analíticos quando o presente incomoda. Esquecem que a realidade de cada rodada não é um jogo de acasos. Tem explicações. O São Caetano não está garantido na Série A do ano que vem, embora ainda possa vir a estar, porque não encaixou em casa um esquema tático que lhe desse mais poderio ofensivo. Algo que nos jogos fora de casa ganhou outra dimensão, porque prevaleceram contragolpes mais amoldados à estrutura tática e individual da equipe. Não é a toa que dos 68 pontos conquistados, mais da metade (35) foram como visitante. É exceção a regra uma equipe de ponta somar mais pontos fora do que em casa. Os fatores campo e torcida prevalecem no futebol, conforme provam as estatísticas.
O jogo com o Goiás mostrou um São Caetano que poderia ter prevalecido na maioria dos confrontos no Estádio Anacleto Campanella. Apesar da tensão de uma decisão, porque só a vitória interessava, o São Caetano foi um time equilibrado emocionalmente, organizado defensivamente e inteligente ofensivamente. O que não é pouco, porque enfrentou o melhor time do campeonato. Um time que ganhou de barbada o segundo turno, depois de um primeiro turno cheio de altos e baixos. Um time, a bem da verdade, mais completo, mais bem acabado, mais denso, que o próprio São Caetano. O São Caetano do empate com o Goiás jogou muito acima da média dos confrontos no Estádio Anacleto Campanella. Raras vezes recorreu a chutões, a lançamentos lotéricos, a bolas divididas em demasia. Os jogadores até pareciam ter feito um pacto em favor da técnica, do passe bem medido, da tranquilidade com a bola nos pés.
Tanto o São Caetano jogou acima do histórico de mandante que o Goiás só teve o controle do jogo nos primeiros 20 minutos, período no qual exibiu organização coletiva fechando os espaços, mobilizando-se ofensivamente em velocidade, alternando penetrações por dentro e pelas laterais. Um time sem centroavante fixo, sem meias fixos, com laterais travestidos de alas. Tudo isso foi colocado em prática ante um São Caetano que, entretanto, não se deixou asfixiar. O time de Ailton Silva foi obediente na marcação, tranquilizador na posse de bola e agudo nas tentativas de atacar. Exigia o máximo do Goiás.
Controle após 20 minutos
Depois dos 20 minutos o São Caetano começou a controlar os espaços. O Goiás brilhava mais pela plástica da automaticidade de jogadas que fluíam com mais naturalidade e leveza. Mas foi o São Caetano que poderia ter terminado o primeiro tempo à frente no placar. Danielzinho perdeu um gol aos 10 minutos, Leandrão aos 20, Leandrão aos 25 e Moradei aos 35. O Goiás só ameaçou para valer aos 32 minutos com Walter, um falso centroavante gordinho sempre à espreita para finalizar.
Não havia muito a mudar no segundo tempo no São Caetano. Pedro Carmona organizava com a habilidade de meia-armador cada vez mais raro no futebol brasileiro, Danielzinho encontrava espaços às costas do lateral Vitor, Eder deslocado à direita impedia que a equipe se resumisse às combinações à esquerda. Leandrão esforçava-se entre os zagueiros. Os zagueiros de área não recuavam demais e facilitavam a vida dos volantes. O craque do Goiás, Ricardo Goulart, não encontrava brechas entre volantes e zagueiros. A movimentação do Goiás só era dissonante como sinônimo de objetividade porque o São Caetano jogava areia na engrenagem com forte poder de marcação.
Mesmo sem precisar mudar de imediato, o São Caetano voltou sem Leandrão e com Vandinho no ataque no segundo tempo. A perspectiva de mais movimentação e de menos entrechoques remontava à vitória ante o Boa Esporte, quando Vandinho entrou e desequilibrou o jogo. Mas foi o Goiás que voltou mais perigoso. Durante 10 minutos criou embaraços. Renan Oliveira perdeu um gol quase debaixo da trave.
O jogo começou a mudar quando Gabriel foi ao ataque e cabeceou um escanteio rente ao travessão. O São Caetano decidira avançar as linhas. Vandinho perdeu um gol feito em seguida, Ramon quase fez num contragolpe do Goiás e, em seguida, aos 15 minutos, Diego avançou pela lateral, esperou o posicionamento de Danielzinho, fez o passe e viu o atacante livrar-se de um zagueiro e chutar seco, no canto direito de Harlei. O 1 a O colocava o São Caetano nas nuvens. Vandinho perdeu um gol feito em seguida e o Goiás resolveu mudar. O atacante Iarley, veterano descobridor de atalhos, tomou o lugar do mais defensivo Renan Oliveira. Imediatamente o São Caetano deu o troco, ao substituir o cansado Eder pelo menos ofensivo Allan. A ordem era fechar os caminhos à direita, onde Iarley passaria a frequentar. Aos 24 minutos Ricardo Goulart cabeceou um cruzamento do lateral Egídio e Luiz fez grande defesa. O lance revelava uma deficiência do São Caetano que somente com muito treinamento tático é possível eliminar: o lateral adversário passou a jogar com mais liberdade. A deficiência viria a fazer estragos logo em seguida.
Festival de emoções
Antes, porém, quem fez estrago foi Vandinho. Aos 25 minutos ele foi expulso depois de simular um pênalti. Já recebera cartão amarelo numa falta desnecessária no meio de campo. O árbitro Leandro Vuaden chegou a assinalar penalidade máxima quando viu o atacante cair no gramado. O bandeirinha o fez voltar atrás. A torcida ficou revoltada. E ficaria muito mais em seguida, quando do primeiro ataque do adversário após a expulsão: Egídio, de novo livre, cruzou na cabeça do volante Amaral, na entrada da pequena área. O goleiro Luiz não teve como evitar o gol de empate.
Quando tudo parecia decidido, com o São Caetano abrindo um pouco a defesa por conta necessidade de vencer, eis que o árbitro marcou o pênalti sobre Danielzinho. Ailton foi escolhido. Entrara em campo cinco minutos antes e mal tocara na bola. A câmara de TV flagrou o goleiro Harlei aparentemente convicto de que evitaria o gol. E evitou.
Quando o jogo terminou no Anacleto Campanella, faltavam 10 minutos, sem os descontos de sempre, para Criciúma e Atlético Paranaense definirem um placar que poderia reduzir as possibilidades do São Caetano. Bastava que o Atlético vencesse para que apenas o Vitória sobrasse como alternativa complementar ao retorno do São Caetano à Série A. Mas prevaleceu o empate de 0 a 0 e a festa da torcida da casa.
Resta a esperança de maldição sobre o Vitória: o time baiano fracassou na tentativa de subir no ano passado quando chegou a reta de chegada e repete neste ano uma trajetória de derrotas. O gol sofrido no último minuto em Joinville impediu a equipe baiana de comemorar o acesso. Quem sabe tenha alguma coisa a ver com o que se espera neste sábado. Custa acreditar?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André