Diante da possibilidade de o Ramalhão voltar a vincular-se ao Esporte Clube Santo André, após cinco anos do fracasso da terceirização do Saged, o que teríamos para valer? Teremos um novo Ramalhão ou um Ramalhão dos tempos de esvaziamento que precedeu a criação e a introdução do Saged?
Essa é uma pergunta mais que pertinente, porque é formulada provavelmente às vésperas de eventuais encontros que tracem novo destino ao Ramalhão. Sabe-se que Ronan Maria Pinto já chegou ao ponto extremo: ele está disposto, quase suplicante, a deixar o Ramalhão, enredado em complicações pessoais e corporativas. As ameaças do publicitário Marcos Valério, que o envolveriam em caso de achaque, são mais um ingrediente na tumultuada vida do empresário. Como se o Diário do Grande ABC, como o ex-Ramalhão na Quarta Divisão Nacional, não fosse suficiente.
Que Ramalhão teríamos, portanto, eis a grande questão. O retorno do futebol ao ninho original, fundado que foi em 1967, parece inexorável, porque o Saged estrebucha. Mas, voltar por voltar não é solução alguma. Como estará preparado o Esporte Clube Santo André para embalar uma agremiação que suplica por socorro? Sabe-se que proporcionalmente à desilusão de Ronan Maria Pinto com o Saged está o nível de dúvidas entre os principais dirigentes do Esporte Clube Santo André. A massa crítica do Poder Público para aquecer as turbinas do Ramalhão sensibiliza os dirigentes, mas não os deslumbraria a ponto de perderem o senso crítico e a métrica da sensatez. Há quem tema que o Ramalhão seja um presente de grego.
Há muito a escrever sobre a eventualidade de retomada do Ramalhão pelo Esporte Clube Santo André, mas alguns pontos precisam ser expostos antes que eventuais aproximações entre as partes mais interessadas se consumam.
Tempos bem diferentes
Primeiro é ter a consciência de que os tempos são outros. Não será o modelo voluntarista gestado por Jairo Livolis durante muitos anos que imprimirá ao Ramalhão um ritmo de reconstrução dos escombros do Saged. É sempre bom recordar que o Saged só entrou na história do futebol da cidade porque o Ramalhão estava com os dias contados. Havia um manancial enorme de probabilidades de sucesso na empreitada, mas o autocratismo de Ronan Maria Pinto pôs tudo a perder.
Aliás, sobre isso, vale a pena pelo menos alguns parágrafos. Ronan Maria Pinto foi potencialmente o presidente do Ramalhão que mais condições dispunha para fazer da agremiação um case de sucesso constante. Dono do principal veículo de comunicação da região (embora essa realidade histórica não insira os quesitos qualidade e credibilidade, que são outra história) Ronan Maria Pinto reunia todas as condições de aglutinar forças expressivas da sociedade, nos mais diferentes campos. Não foi o que se viu. Muito pelo contrário. Autoritário brando, arrogante dissimulado, instável do alto de suposto equilíbrio, acabou isolado. Nem mesmo os acionistas do Saged mantiveram-se próximos a ele. Fugiram como o Diabo foge da cruz. Paradoxalmente, o Ramalhão virou Saged dentro de campo porque quem tinha mais condições de multiplicar forças, esterilizou-as.
Voltar ao modelo do Ramalhão do passado, portanto, não passaria de puxadinho organizacional sem sustentabilidade em médio prazo. Mais que retornar ao Esporte Clube Santo André, o Ramalhão precisa contar com retaguarda coletiva de colaboradores que se espalhem por especialidades técnicas e operacionais. O Plano Estratégico que preparei para o Ramalhão quando da formação do Saged, não perdeu a validade e tampouco a profundidade transformadora. Basta adaptá-lo a nova configuração jurídica.
Não é preciso ser empresa-clube como se objetivava com o Saged para se alcançar o estágio de clube-empresa que o Esporte Clube Santo André jamais registrou. Pode-se chegar ao clube-empresa sendo clube-clube juridicamente. Parece elementar, não acham? O problema é que geralmente o elementar é ignorado porque a maioria quer inventar a roda para demarcar território pessoal.
Tomara que o eventual novo Ramalhão que pintar pós-devolução do futebol ao Esporte Clube Santo André não reproduza muitas das falhas do São Bernardo Futebol Clube, onde o Partido dos Trabalhadores incubou um modelo de agremiação com muitas virtudes mas cometeu um pecado capital: confundiu esporte com política partidária e o transformou, de fato, em PT Futebol Clube – com todos os custos de representatividade fragmentada e partidarizada que isso significa.
O provável suporte da Administração Carlo Grana ao Esporte Clube Santo André deve inspirar-se no perfil concebido durante a terceira e incompleta Administração de Celso Daniel, quando a então mais valiosa marca da agremiação que leva o nome da cidade ganhou a contrapartida mais que justa de iniciativas públicas que potencializaram o Ramalhão em campo.
Aquela ação foi louvável, mas também está defasada nestes tempos em que os grandes clubes tendem a tornarem-se cada vez mais fortes com a parceria da TV, enquanto os médios e pequenos só sobreviverão se caírem na real de que devem se organizar como empresas de espetáculos. O novo Ramalhão só terá sucesso por muito tempo caso sobreponha ao legado dantesco do Saged e ao passado inquietante sob o controle do Esporte Clube Santo André uma estrutura funcional que se harmonize com as novas realidades, as novas demandas e principalmente com as novas perspectivas de uma atividade social intensamente competitiva dentro de fora de campo.
Não faltará espaço, até porque o espaço virtual é infinito, para voltarmos ao assunto. O mais importante nestas alturas do campeonato é que a provável transposição que se avizinharia não se dê de afogadilho e com grau de voluntarismo que comprometa o planejamento centrado no futuro que já chegou faz tempo. O Saged deverá sair de cena pelos fundos e envergonhado como ator paspalhão. Já o Esporte Clube Santo André precisa conscientizar-se de que retomará o palco longe da condição estelar que alguns eventualmente ainda lhe atribuem, esquecendo-se que foi o estado estrutural degenerativo que favoreceu a aventura do Saged.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André