Não há verdade absoluta no futebol. Prova disso é a campanha do São Caetano na Série B do Campeonato Brasileiro. O time dirigido há algumas rodadas pelo técnico Ailton Silva passou pelas mãos de outros três treinadores – Márcio Araújo, Sérgio Guedes e Emerson Leão – e nem por isso deixou de manter regularidade que o coloca como possível integrante da Série A ao restar apenas uma rodada.
Está certo que quando se tem um técnico competente e uma comissão que lhe dê toda a retaguarda – caso de Tite no Corinthians, de Abel Braga no Fluminense -- o trabalho de longo prazo é muito melhor, porque há ganhos de escala dentro e fora de campo, tanto no rendimento da equipe como na filosofia de contratação de reforços, por exemplo. Mas não é todo time – na verdade é uma minoria – que tem essa felicidade. A maioria contrata profissionais aparentemente preparados para dar um grande salto, mas a prática prova o contrário. O São Caetano desta temporada de Série B não é o resumo da ópera de estilos de treinadores que tendem a fracassar por razões diferentes, mas é emblemático na compreensão de mudanças como as que foram perpetradas -- e que acabaram por dar certo.
Márcio Araújo, que dirigiu o São Caetano na reta de chegada da Série B do Campeonato Brasileiro do ano passado e que se sustentou no cargo durante toda a Série A do Campeonato Paulista, só resistiu a duas rodadas (e duras derrotas) na Série B do Brasileiro. Quando foi demitido, não faltou chiadeira. Gente ruim de cálculo e de observações disse que Márcio Araújo caiu após apenas duas rodadas do campeonato. Bobagem pura. Enviezamento matemático. Ele comandou o São Caetano durante 36 jogos, não deu padrão tático e se perdeu junto aos jogadores e à Comissão Técnica porque, entre outras deficiências para o mundo competitivo do futebol, exacerbava relacionamento de pastor de almas. Conquistou apenas 43,52% dos pontos disputados. Um índice muito baixo.
Limites do bom relacionamento
A contratação de Sérgio Guedes, que durou 18 jogos na Série B do Campeonato Brasileiro, com 62% de índice de aproveitamento, deu certo até começar a dar errado. Quando o estilo professoral se desgastou e o bom relacionamento com o grupo de jogadores ultrapassou os limites hierárquicos, invadindo a área da permissividade comportamental, de certo relaxamento que compromete a preparação física para suportar os arranjos táticos e técnicos, o São Caetano começou a fazer água. A baixa de produção foi detectada a tempo, embora os números gerais parecessem suficientemente respeitáveis. Os analistas esqueceram de observar o ciclo de enfraquecimento nas últimas sete rodadas, a indicar fragilização comprometedora à maratona do campeonato.
Veio, então, o xerifão Emerson Leão, oposto de Sérgio Guedes com modos truculentos, disciplina rígida. Sabia-se de antemão que seria um tiro curto, cuja data de validade não ultrapassaria a última rodada do segundo turno. Cálculo equivocado: Emerson Leão envelhece ainda mais intolerante no campo disciplinar e por demais conservador na preparação da equipe. O impacto inicial da contratação provocou efeitos esperados, mas quando, como no caso de Sérgio Guedes, identificaram-se avarias no elenco, teve a cabeça cortada. Conseguiu, mesmo assim, apresentar balanço de produtividade levemente melhor que o do antecessor, com 68% de aproveitamento após 12 jogos.
A regularidade do São Caetano, com leves oscilações interrompidas com a troca de treinador, é, paradoxalmente, consequência da instabilidade temporal dos homens designados a comandar a equipe.
Uma boa solução caseira
Ailton Silva foi a melhor escolha para a reta de chegada da competição. Poder-se-ia trazer um nome de peso nacional para uma cartada final, mas se corria o risco de o ambiente deteriorado pelos métodos de Emerson Leão não alcançar o grau de eficiência desejado. Eventual novo treinador teria dificuldades de adaptação rápida ao grupo e, principalmente, demoraria a conhecer a fundo os valores de que disporia para a tomada de decisões importantíssimas. Uma escalação equivocada pode colocar tudo a perder. Ou a manutenção de um determinado jogador preferido pelo técnico demitido praticamente eterniza dificuldades operacionais. Marcelo Costa é um caso exemplar: titular absoluto, perdeu a posição com a chegada de Ailton Silva. E Pedro Carmona ganhou a titularidade óbvia, porque é armador por vocação, enquanto Marcelo Costa é um meia-atacante que se pretendia armador.
Por essas e por outras Ailton Silva, que acompanha o cotidiano do São Caetano há mais de dois anos, que conhece todos os jogadores dentro e fora de campo, que é suficientemente trabalhador para testar algumas adaptações técnicas e táticas, caso da titularidade de Pedro Carmona, por essas e por outras, dizia, Ailton Silva acabou escolhido.
Com 61% de aproveitamento geral (68 pontos em 111 disputados), o São Caetano de quatro treinadores em 37 jogos faz a melhor campanha em seis temporadas de Série B e ultrapassa, folgadamente, o limite máximo de 55% de aproveitamento que até então prevaleceu às equipes que terminaram em quarto lugar na competição, garantindo o acesso. Somente as circunstâncias numéricas muito especiais desta edição poderão impedir o acesso do São Caetano, cuja ousadia para trocar de comandante em momentos cruciais dinamita um dos conceitos mais difundidos no mundo do futebol – aquele que assegura que uma equipe de sucesso se constrói, entre outras virtudes, com a manutenção do treinador. Se tivesse mantido o religioso Márcio Araújo além dos dois jogos, se tivesse sustentado Sérgio Guedes ante algumas escapadelas disciplinares e se insistisse nos métodos rígidos de Leão, certamente a equipe há muito estaria eliminada de qualquer possibilidade de acesso. Da mesma forma que teria tido um destino diferente se não tivesse o religioso Márcio Araújo até onde foi possível, o sempre maneiroso Sérgio Guedes até o esgotamento do repertório de bom-mocismo, o irascível Emerson Leão até que se consumisse a paciência dos atletas e surgisse a solução caseira e segura de um Ailton Silva pouco conhecido do público, mas muito próximo do grupo de jogadores.
Talvez a máxima de que futebol é uma caixinha de surpresas não devesse circunscrever-se ao gramado para explicar resultados fora dos parâmetros sugeridos pelos resultados antecedentes e pela tradição das equipes envolvidas. O quarteto de treinadores do São Caetano na Série B do Campeonato Brasileiro alcançou complementaridade que rompe o lugar-comum de que o fracasso é companhia permanente das equipes que mexem demais no comando técnico.
Escorregão numérico
Para completar, cometi um pecado numérico no texto publicado ontem nesta revista digital. Disse que o São Caetano dependeria de suas próprias forças na última rodada caso o meia-atacante Ailton tivesse convertido o pênalti batido aos 42 minutos do jogo com o Goiás. Na verdade, o São Caetano teria a mesma pontuação (70) de Vitória e de Atlético Paranaense. Entretanto, como tem uma vitória a menos, dependeria de terceiros. Mas aí reuniria um pouco mais de probabilidade matemática, porque, em vez de precisar de derrota do Atlético ou do Vitória, bastaria um empate de um ou de outro na rodada final de sábado agora. Mais ainda: o Criciúma, que empatou com o Atlético, não teria comemorado a classificação e precisaria vencer o Avaí no clássico de Santa Catarina, em Florianópolis, caso o São Caetano derrote o Guarani em Campinas.
Parece muito embaralhado tudo isso, mas o resumo é simples: o gol de Ailton permitiria que o São Caetano dependesse de apenas quatro pontos na última rodada do campeonato, ou seja, dos três pontos sobre o Guarani e de um ponto em qualquer um dos três jogos envolvendo concorrentes às vagas – Criciúma, Atlético Paranaense e Vitória. Muito melhor, convenhamos, do que os seis pontos de que necessita por conta do pênalti perdido -- os três pontos contra o Guarani e outros três em Salvador ou em Curitiba.
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