Esportes

Ramalhão voltou. E, finalmente,
vou voltar a torcer pelo Ramalhão

DANIEL LIMA - 16/01/2013

O Ramalhão está de volta, após cinco anos encaixotado sob o carimbo do Saged, empresa criada com boas intenções, mas que se perverteu ao utilizar autoritariamente a camisa do time mais tradicional da região. Como o Ramalhão está de volta, voltarei a torcer pelo Ramalhão. Como também torço pelo São Caetano, acredito que vou ter mais possibilidades de recuperar o bom humor pós-cada partida. Já o São Bernardo não faz parte de minha torcida, do tipo de torcida que dispenso ao São Caetano e ao Santo André. Pode ser que um dia chegue a isso, mas por enquanto, porque o clube é partidário em excesso para meu gosto, não consigo perder o sono nem o sossego por conta de seus jogos.


 


Sei que não é qualquer um que se presta a esse confessionário esportivo regional público. Não se torce por um time da região num estalo. É um processo. Tanto quanto não se deixa de torcer por um time da região num estalo. Também é um processo.


 


O Ramalhão é o meu primeiro amor esportivo regional. O São Caetano veio depois. O São Bernardo ainda não penetrou em meu peito, no lugarzinho amplo que dedico às equipes da região. Lugarzinho que restou do espaço enorme que dedico ao meu time da Capital, paixão de menino estimulado pelos tios de sangue espanhol, paixão de radinho de pilha colado ao ouvido enquanto pedalava uma bicicleta velha de guerra.


 


Deixei de torcer pelo Santo André em conta gotas. O responsável pelo esvaziamento da paixão não poderia ser outro senão o empresário Ronan Maria Pinto. E não pensem os leitores que o marco zero dessa desilusão se deu assim que se transpôs a divisória entre o Ramalhão vinculado ao Esporte Clube Santo André e o então Ramalhão que se bandeou para o Saged. O Ramalhão deixou de ser Ramalhão e virou Saged na exata medida em que Ronan Maria Pinto exercitou e aperfeiçoou todo o arsenal de mandonismo, exclusivismo, arbitrariedades e outros elementos típicos dos autocratas, dos que se sentem intocáveis.


 


Reuniões tenebrosas


 


Acompanhei as primeiras reuniões de acionistas do Saged, quando da mudança do Ramalhão do Parque Jaçatuba para o Ramalhão do Centro Empresarial Pereira Barreto. Deixei de participar daqueles encontros a partir do momento em que me sentia por demais incomodado com aquela unanimidade burra em favor de Ronan Maria Pinto, das manipulações de ata de Ronan Maria Pinto, da intocabilidade de Ronan Maria Pinto. Estavam todos ante um Deus quando aqueles encontros se iniciavam, quando de fato o que tínhamos à frente era um autêntico coronel múltiplo -- esportivo, político e empresarial.


 


Quando percebi que o Ramalhão virara Saged e estava me fazendo mal à alma, e que o sono demorava a chegar ao sair daqueles encontros, me afastei de vez. A vida me ensinou que o martelar oposicionista deve ser esticado até quando é possível acreditar que a rota de mudança não é uma ilusão. Quando se chega a um veredito íntimo insofismável, de que se alcançou um estágio de modificações improváveis, o melhor é virar a página. 


 


Quando conto a alguns amigos que deixei de torcer pelo Ramalhão eles ficam estupefatos. Quando digo então que além de deixar de torcer pelo Ramalhão passei a torcer pessoalmente contra o Ramalhão, eles estatelam os olhos. Quando lembro que naquela final do Campeonato Paulista de 2010 ante o Santos de Robinho, Neymar e Ganso, torci pelos praianos, então é um alvoroço. Torci tanto que aquela bola na trave de Rodriguinho, já nos descontos, mereceu um grito de comemoração. Um dos meus filhos, corintiano como poucos, ao meu lado no sofá, não entendeu bulhufas. No fundo, não estava torcendo havia muito tempo contra o Ramalhão. O Ramalhão já estava desativado. Torcia contra o Saged, embora não me deixasse encapsular pelo sentimento e fosse o primeiro jornalista a ver naquele time tecnicamente brilhante um dos melhores da história do futebol da cidade. Digno dos melhores dias do Ramalhão de verdade.


 


Entendia que torcer pelo Saged de Ronan Maria Pinto, naquelas alturas do campeonato, era torcer contra o Ramalhão que conheci ao longo dos anos. O Ramalhão do passado e o Saged daquele presente não tinham nada a ver. O voluntarismo cedeu lugar a um mercantilismo insano, como o tempo provou com o retorno da agremiação a toque de caixa e esfacelado ao berço de origem.


 


Cavando estragos


 


Sentia intuitivamente que o sucesso do Saged era a garantia de um buraco fundo no futuro próximo do Ramalhão que acabaria por retornar. A ascensão da equipe à Série A do Campeonato Brasileiro, a um custo elevadíssimo, satisfez o ego do presidente do Saged, levou a torcida ao engano de uma grandeza de araque e contratou o passivo financeiro e a derrocada técnica consolidada em sucessão de rebaixamentos -- até que despencasse no fundo do poço da Série D do Campeonato Brasileiro e da Série B do Campeonato Paulista.


 


Vai ser ótimo voltar a torcer pelo Ramalhão de Celso Luiz de Almeida e Jairo Livolis, dirigentes que respeito muito, mas aos quais também já dediquei críticas que considero providenciais. Minha torcida pelo Ramalhão não é mesma torcida do torcedor comum. Torço sem que me esquecer da função social que o jornalismo intima. Não há coisa pior para quem torce por um time do que torcer se colocando sob suspeição durante todo o tempo. É assim que torço pelo Ramalhão.


 


E também pelo São Caetano, cujo sentimento fortaleceu-se na medida em que o coração se enviuvou do Ramalhão. A grandeza do São Caetano ainda não foi devidamente reconhecida internamente, nesta Província que teima em valorizar os malandros e a desdenhar daqueles que de fato contribuem com exemplos dignificantes. O Azulão é o melhor clube médio do futebol brasileiro, dono de um currículo extraordinário e, nos últimos tempos, dá mostras que de caminha sim para uma retomada na Série A do Campeonato Brasileiro em condições de ali se sustentar durante muito tempo, não com a sazonalidade do Saged de Ronan Maria Pinto.


 


Partidarismo escancarado


 


Tenho absoluta certeza, porque me conheço bem, que o São Caetano e o Santo André vão conviver harmoniosamente em meu peito torcedor. Já não digo o mesmo sobre as possibilidades de o São Bernardo vir a ocupar um espaço tão cedo, porque não consigo desvincular futebol de política, ou principalmente de partidarismo político. O chamado Tigre é uma equipe sob a égide petista. Transformou Lula em craque eterno sem que Lula desse sequer um chute em campo, exceto no dia em que o homenagearam com a eternização da camisa 13, alusiva ao PT. Um disparate.


 


O abusivo vinculo do São Bernardo Futebol Clube com o Partido dos Trabalhadores é um tiro no próprio pé dos dirigentes que se mostraram tão habilidosos e competentes na massificação dos espectadores no Estádio Primeiro de Maio, muitos dos quais de fato torcedores da equipe. Não chego a afirmar que se trata de cretinice tamanho disparate, mas está próximo a isso. O São Bernardo é um time dividido socialmente pelos próprios dirigentes. Vinculou-se de tal forma à Administração Pública, num relacionamento pouco republicano, que muito dificilmente conseguirá separação sem que estragos deixem rastros. Ou não seria mais ou menos isso o que ocorreria, por exemplo, caso a oposição ganhe as próximas eleições municipais? Provavelmente o São Bernardo mudaria de nome e de sede, mas sempre teria o PT como segunda camisa, quando não a primeira.


 


Houve tempos em que o Ramalhão se aproximou da Administração Celso Daniel sem, entretanto, entregar a alma. Da mesma forma o São Caetano com o prefeito Luiz Tortorello. Sou amplamente favorável a um relacionamento contributivo, associativo e socialmente complementar entre equipes municipais e administrações públicas locais. Os pequenos e médios não suportarão a concorrência dos clubes de massa sempre beneficiados pela mídia e pelas entidades esportivas na distribuição de recursos financeiros se não contarem com o auxilio estratégico, tático e financeiro do Poder Público. O que não podem é dobrarem-se às injunções partidárias como o São Bernardo em relação à Administração Luiz Marinho.


 


É por essas e outras que o São Bernardo não tocou meu coração de torcedor crítico. Nem o Ramalhão voltaria a tocar se a diplomacia construtiva com a Administração de Carlos Grana chegar a extremos de entreguismo. Ou o São Caetano às eventuais condicionalidades do prefeito Paulo Pinheiro.


 


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