O acesso do empresarial São Caetano à Primeira Divisão de São Paulo no final do mês passado é o fertilizante de que o velho rival Santo André precisava para ver chover em sua horta a era do futebol-negócio. A definição do presidente do Santo André, Jairo Livolis, no dia seguinte ao triunfo do rival não poderia ser mais estimulante, embora paradoxal: "Os torcedores do Santo André estão tristes porque a rivalidade está acima de tudo, mas os investidores devem estar interessadíssimos em olhar para nosso clube de forma diferente" -- afirmou o dirigente, numa espécie de convite aberto a investidores.
Há pouco mais de um ano, exatamente em junho do ano passado, Jairo Livolis virou Reportagem de Capa de LivreMercado ao anunciar, com exclusividade, a proposta de transformar o clube em empresa. “Santo André S/A -- Lei Pelé à Moda Thatcher” anunciava a ideia de lançamento público de ações de controle do futebol do clube, algo equiparado ao que fez a ex-primeira ministra Margareth Thatcher quando decidiu pela privatização na Inglaterra.
A expectativa de Jairo Livolis de que no primeiro trimestre deste ano o Santo André estaria formalmente transformado em sociedade anônima acabou frustrada. O dirigente atribui o atraso às idas e vindas da Lei Pelé no Congresso Nacional. Mas agora está tudo definido. A mudança da legislação torna o futebol-empresa opcional e não mais obrigatório. Além disso, a responsabilidade jurídica do departamento de futebol profissional não sairá do controle dos clubes. São resultados do lobby de lideranças de grandes clubes, que querem afastar investidores do comando formal das equipes. Interessam a eles os recursos financeiros disponíveis no mercado e que são captados por fundos de previdência privada e agências de marketing esportivo.
Lei não atrapalha
A nova configuração da Lei Pelé em nada atrapalhará os planos de Jairo Livolis. O dirigente já apresentou ao Conselho Deliberativo o que chama de pontos centrais do Santo André S/A. Os debates têm inicio provavelmente este mês. O presidente admite dificuldades para sensibilizar todo o quadro de conselheiros sobre o momento decisivo que envolve o modelo de futebol profissional do Município: "Estamos vivendo uma terceira fase da história do clube. A primeira foi de muito voluntarismo diretivo, quando futebol era basicamente emoção. Não havia recursos orçamentários para sustentar o clube e era preciso recorrer a todo tipo de iniciativa, como venda de rifas e doações, entre outras. A segunda é a que estamos vivendo, de clube social e esportivo. Mas não há mais como competir com clubes empresariais se não nos tornarmos empresas também, como o São Caetano e o Etti, por exemplo" -- expõe o dirigente.
Jairo Livolis espera que o Santo André não retroceda com fórmulas desgastadas para sustentar-se no futebol. Depois de oito anos na presidência, ele consolidou o patrimônio social do clube no Parque Jaçatuba, mas não conseguiu manter a equipe na Primeira Divisão dos estelares Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos. Foram dois acessos seguidos de dois rebaixamentos. O dirigente garante que os dois últimos anos de seu mandato serão prioritariamente do futebol profissional, já que a consolidação do clube associativo é obra praticamente acabada. Por isso, a constituição do Santo André S/A é interpretada como missão complexa e desafiadora.
Equacionamento econômico
Empresário do setor de confecções esportivas e reconhecidamente planejador, Jairo Livolis é o principal dirigente do Santo André em mais de 30 anos de história. Ele confessa que está preocupado com os rumos do clube: "Não podemos deixar que o Santo André se torne motivo de disputas políticas. Temos de equacionar seu futebol no sentido econômico" -- afirma com ares de inquietação sobre a outra variável desencadeada pelo acesso do São Caetano: a tentativa de atingir a Primeira Divisão através de métodos obsoletos que venham a comprometer o acervo patrimonial e histórico do clube, ou seja, o complexo material que está à disposição dos associados e a independência em relação à política partidária.
Comando central
A proposta de pulverizar as ações ordinárias do Santo André ainda está nos projetos de Jairo Livolis. Ele reconhece que o mais provável é que um grupo de pouco mais de 10 investidores acabará prevalecendo na aquisição. "Daremos oportunidade para que todos os torcedores participem como investidores do Santo André. Ninguém poderá alegar que foi marginalizado". O Santo André S/A imaginado por Jairo Livolis teria composição diretiva de nove membros, cinco indicados pelo Conselho Deliberativo do clube e quatro pelo Conselho de Acionistas. O órgão que controlaria o futebol seria espécie de Conselho Consultivo, com poderes para decidir desde a composição dos executivos responsáveis pela equipe, como o técnico e seus auxiliares.
O modelo desverticaliza o poder presidencial, que estaria restrito ao clube social. Isso não quer dizer que o presidente do clube ficará necessariamente fora das decisões, já que poderá ser um dos nove membros do Conselho Consultivo do Santo André S/A. As decisões passariam a ser de um colegiado legalmente majoritário do clube, mas não compulsoriamente desvinculado dos objetivos empresariais porque um ou mais representantes do clube no Conselho Consultivo poderiam também integrar o quadro de acionistas.
Jairo Livolis acredita que o sucesso do São Caetano e do Etti/Jundiaí, que decidiram o título da Segunda Divisão deste ano, é o mais novo ingrediente para desobstruir as barreiras de conservadorismo entre alguns influentes conselheiros do Santo André. Esses conselheiros ainda projetam a manutenção de sistema gerencial em que parte dos recursos do quadro associativo é canalizada para o departamento de futebol profissional.
Money, Money
No mundo do futebol empresarial as cifras financeiras são tratadas com todo sigilo. Mas nada resiste à curiosidade. São Caetano e Etti desembolsaram valores muito acima dos demais competidores para chegar à decisão. Calcula-se que o orçamento para a disputa do Acesso ultrapassou a R$ 3 milhões. Muito distante, portanto, dos valores divulgados nas páginas esportivas dos jornais. Só o centroavante Túlio, artilheiro do São Caetano e do campeonato com 18 gols, exigiu investimento de R$ 750 mil. Metade de tudo o que o Santo André aplicou no campeonato como concorrente do bloco intermediário de receitas.
O título conquistado pelo São Caetano é resultado lógico de competência e dinheiro, ou de dinheiro e competência -- a ordem não importa. Comandado de fato pela Datha Representações, empresa do ex-goleiro José Carlos Molina, o São Caetano é tão discreto nas decisões de seus investidores quanto contundente nos resultados dentro de campo, onde colecionou 19 vitórias, duas derrotas e seis empates durante o Acesso.
Só torcedor
O prefeito Luiz Tortorello é um ilustre torcedor do clube, esmera-se em apoiar a equipe dentro da lei, como no fato de investir forte na ampliação do Estádio Anacleto Campanella. Mas sabe que sua presença nos vestiários antes ou durante os jogos faz parte da coleção de histórias dos tempos em que era impetuoso presidente de fato e de direito e, quando lhe apetecia, virava treinador. Agora, nem presidente de direito é -- o cargo é ocupado pelo amigo Nairo Ferreira, homem discreto, paciente e que não costuma rivalizar holofotes com os jogadores, como a maioria dos presidentes de clubes do Brasil. A sensibilidade do prefeito em incentivar o esporte de São Caetano o coloca bem acima de todos os seus antecessores no cargo. Tanto que o Município tornou-se campeão dos Jogos Abertos do Interior, espécie de olimpíada intercidades paulistas.
A estrutura empresarial criada pelo São Caetano inclui rede de olheiros em busca de novos talentos e vídeos individuais de todos os jogadores profissionais. O goleiro Sílvio, que já jogou na Seleção Pré-Olímpica, chegou a ser cogitado para vestir a camisa de grandes clubes, mas até o final do mês permanecia no São Caetano, assim outros campeões do Acesso descobertos pelos grandes clubes.
A subida do São Caetano para a Primeira Divisão de São Paulo deverá representar novo salto no empreendedorismo esportivo. A visibilidade do principal campeonato estadual do País estimula mais investimentos porque o retorno em forma de venda de jogadores passa a ser superlativo. Sem contar que a equipe também está na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro, o que equivale a disputar um dos módulos da Copa João Havelange e, ainda este ano, a possibilidade de juntar-se aos melhores times do Brasil.
Saad é precursor
O São Caetano vitorioso sob organização empresarial é o sucessor do Saad como representante do Município na Primeira Divisão. O Saad fez muito sucesso nos anos 70, quando chegou a disputar a Primeira Divisão de São Paulo como convidado. Foram dois anos em que, a exemplo de agora com o São Caetano, a equipe teve gestão empresarial. A direção do time foi repartida entre três empresários com o propósito de fazer dos resultados em campo negócios rentáveis com a valorização de jogadores. A equipe conseguiu tanto sucesso que até o Santos com Pelé e tudo, em plena Vila Belmiro, sentiu o peso de sua força. Num sábado à noite, o placar apontava inacreditáveis 3 a 1 para um time que tinha nomes desconhecidos do grande público, como Arlindo, Zanetti e Márcio.
Que não se duvide das proezas que o São Caetano poderá oferecer no próximo Campeonato Paulista. Além de não se ter nem Santos e muito menos Pelé como antigamente, os grandes clubes paulistas viraram disputadíssimos balcões de negócios. Por isso, longe estão do padrão técnico e tático de outros tempos em que a Europa também desconhecia o futebol-empresa. Agora, seus dirigentes não resistem à primeira proposta em dólares. Esse é exatamente o patamar que o São Caetano espera alcançar. Ou alguém acha que futebol-empresa tem limites?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André