A Série A do Campeonato Paulista terminou ontem à tarde com o São Bernardo salvando-se do rebaixamento que atingiu o São Caetano na penúltima rodada. A vitória de 4 a 0 ante o Oeste, em Itápolis, livrou o São Bernardo de uma segunda experiência desastrosa, já que ao subir em 2010 conheceu o fantasma do descenso no ano seguinte. O São Caetano viveu pela primeira vez a experiência de queda, após 13 anos de badalação e inclusive de um título da Série A. Afinal, por que um caiu e o outro desceu? Erra quem simplifica e reduz explicações a conceitos-chaves que a cultura do futebol favorece a tomar forma de fetiches.
Vamos tentar explicar as razões que levaram as duas equipes da região a resultados distintos. Há vários fatores, mas, por mais que sejam importantes, não têm o grau de importância dos desdobramentos provocados pela troca de treinadores durante a competição, com a contratação de Geninho pelo São Caetano e de Wagner Lopes pelo São Bernardo.
Vejam os vetores a ser considerados:
1. Equilíbrio técnico.
2. Equilíbrio tático.
3. Equilíbrio emocional.
4. Equilíbrio diretivo.
5. Arbitragens.
6. Ambiente externo.
Antes de passar às explicações, convém ressaltar que a frustração do São Caetano é imensurável, mas o desempenho geral do São Bernardo também está longe de merecer comemoração ruidosa. Nada dói mais que um descenso à Série B do Campeonato Paulista, competição que lança às equipes à penumbra midiática e esvazia os cofres, porque os valores financeiros repassados pela Federação Paulista de Futebol são ínfimos. Mal chegam a R$ 100 mil, contra mais de R$ 2 milhões aos clubes chamados pequenos ou médios da Série A. O São Bernardo investiu bastante na montagem da equipe porque queria chegar à Série D (Quarta Divisão) do Campeonato Brasileiro. Para isso, teria de realizar campanha superior à do Botafogo de Ribeirão Preto e do Penapolense. Menos mal que o namoro com a Série B foi interrompido ontem à tarde.
Agora, vamos às explicações propostas:
l. Equilíbrio técnico.
Tanto o São Caetano quanto o São Bernardo não contaram com elencos que garantissem qualificação técnica às mais envolventes funções táticas.
Ao São Caetano, mais aparelhado, não faltaram necessariamente peças, mas disponibilidade e encaixe de peças. Um excesso de contusões (do goleiro Luiz, dos zagueiros Gabriel e Wagner, do lateral Diego, do meia-atacante Ailton) quebrou a espinha dorsal do elenco que chegou entre os primeiros na Série B do Campeonato Brasileiro de 2012.
Já o São Bernardo sofreu mesmo com as limitações técnicas de boa parte do elenco. A maioria é de capacidade discretíssima, mesmo considerando-se o contexto da equipe na história da competição. Fazer mais com uma maioria pouco habilitada a multifunções seria esperar demais. Mesmo o lateral Régis, o melhor em rendimento médio durante a competição, requer exploração seletiva. É rápido no apoio ao ataque, cruza com facilidade, mas não reúne atributos que o tornem um ala de composições coletivas mais densas, porque encontra dificuldades para conciliar velocidade e técnica. Também o centroavante Fernando Baiano se saiu relativamente bem na competição, mas o peso da idade o tornou dependente demais dos companheiros. Para quem tem tamanho talento para fazer gols, o ideal seria contar com um time que fizesse de jogadas de aproximação, não de lançamentos, o principal receituário ofensivo. Houve incompatibilidade tática que fez o São Bernardo refém da letalidade de Fernando Baiano e Fernando Baiano refém da mesmice estrutural do São Bernardo.
2. Equilíbrio tático.
O principal mérito do técnico Wagner Lopes, que assumiu o São Bernardo na zona de rebaixamento é que foi cirúrgico na definição do time principal e, principalmente, na formulação tática. Trocou os zagueiros de área (Daniel Marques e Samuel por Fernando Lombardi e Luciano Castan), promoveu Daniel Pereira a companheiro de Dudu à frente dos zagueiros, escalou dois jogadores velozes pelas extremas (Gil e Ricardinho) e consolidou Bady como meia de articulação. Tudo muito simples e que deu ótimos resultados nas rodadas seguintes, até que os adversários descobrissem virtudes e deficiências da equipe. Aí a série de maus resultados indicava que o melhor mesmo era fugir do rebaixamento.
O São Caetano passou o campeonato inteiro em busca de organização coletiva. Se nas primeiras rodadas contou com as escapadelas de Danielzinho, principalmente pela esquerda, não demorou para o atacante entrar em crise porque passou a ser muito mais vigiado. Sem pelo menos um meia de ligação com vocação a penetrar na área adversária (o mesmo problema do São Bernardo) e também para puxar contragolpes, o São Caetano ficou dependente demais do apoio de laterais com pouca liberdade, de volantes que insistiram em apenas marcar e de atacantes que, sem a colaboração de laterais, meias e volantes, invariavelmente ficaram isolados entre zagueiros adversários.
Além dessas diferenças entre as duas equipes da região, o que pesou consideravelmente para o rebaixamento do São Caetano foi a inaptidão do ataque e da defesa em se transformar em sistema ofensivo e sistema defensivo. O São Caetano passou o campeonato atacando mal porque atacava com poucos jogadores e a defender mal porque defendia com poucos jogadores. O São Bernardo de Wagner Lopes passou a se mobilizar inteiramente com a bola sob controle do adversário, enquanto o São Caetano esperava cair do céu a possibilidade de interromper o circuito ofensivo do oponente, da mesma forma que imaginava ser viável aparecer alguém para colocar a bola nas redes sem que houvesse movimentação nesse sentido.
Dessa forma, mesmo com um grupo de jogadores tecnicamente menos qualificado, o São Bernardo atuou em média bem acima do São Caetano. Chegou a ser empolgante a mobilização do São Bernardo no encurtamento de espaços aos adversários e também nas arremetidas de contragolpes em velocidade – tudo sem rebuscamento técnico, porque seria exigir demais. O São Caetano foi um desfilar incessante de baixa intensidade, refletida nos números gerais: um dos piores ataques e uma das piores defesas da competição. Sempre se entendendo ataque como sistema ofensivo e defesa como sistema defensivo.
3. Equilíbrio emocional.
O São Caetano entrou no Campeonato Paulista com confiança exagerada, quase arrogância, de acreditar que chegaria ao G-8. Afinal, vinha de campanha extraordinária na Série B do Brasileiro. Também chegaram reforços antes e durante a competição, casos de Fábio Costa, Rivaldo, Jobson, entre outros. Depois das primeiras rodadas e do flerte com o rebaixamento, a confiança virou estupefação. E como os resultados teimavam em não ser satisfatórios, entrou em desespero, do qual não se livrou mais. Não se pode esquecer, também, que a tabela foi um presente de grego. Numa competição tão curta é contraproducente o risco de, nos nove primeiros jogos, atuar apenas três vezes em casa. O passado de despautérios semelhantes da Federação Paulista de Futebol já causou prejuízos a outras equipes na distribuição de jogos.
O São Bernardo corrigiu a tempo, com a chegada de Wagner Lopes, um ambiente semelhante ao do início de competição do São Caetano. O time de Luciano Dias, técnico que levou o São Bernardo ao acesso, foi montado peça a peça para fazer furor na competição. O discurso confiante de classificação à Série D do Campeonato Brasileiro prevalecia. Primeiras rodadas disputadas, resultados desastrosos confirmados, não houve saída senão trocar de técnico e de tática. O São Bernardo jogou como time pequeno entre os pequenos, na base de contragolpes preparados exaustivamente por Wagner Lopes. As limitações do elenco foram detectadas pelo novo técnico, contrariando vozes internas que entendiam ser o grupo de primeira linha. Foi o salto à salvação.
4. Equilíbrio diretivo.
Traveste-se de confeiteiro de bolo feito quem apontar que o São Bernardo contou com mais equilíbrio diretivo na competição por causa de uma medida extraordinariamente eficaz, enquanto o São Caetano, praticamente no mesmo contexto, adotava uma saída que se tornou terrivelmente negativa. O ponto crucial que separou o São Bernardo e o São Caetano na competição – um rumo ao rebaixamento e outro na direção de salvamento – foram as contratações dos técnicos Geninho pelo São Caetano e de Wagner Lopes pelo São Bernardo.
É fácil agora que o campeonato terminou apontar o dedo em direção ao comando diretivo do São Caetano como responsável por uma decisão equivocada, enquanto se aplaude a direção do São Bernardo. Nada mais oportunista. Quem arriscou mais, afinal: um time ameaçado pelo rebaixamento que trouxe um treinador desconhecido como Wagner Lopes, que dirigia o Comercial de Ribeirão Preto na Série B do Campeonato Paulista, ou um time que contratou um experimente treinador que já conquistou inclusive o Campeonato Brasileiro com o Atlético Paranaense e, mais recentemente, impediu que a Portuguesa retornasse à Série B do Campeonato Brasileiro?
Escrevi a propósito, à época das duas contratações, que os resultados que adviriam da decisão das duas diretorias só ao futuro pertenciam. No mundo do futebol o que parece certo muitas vezes não passa de equívoco e o que parece irremediavelmente errado acaba por surpreender. Não há verdades absolutas no futebol, como se sabe. Há conceitos absolutos, mas que dependem dos executores. Wagner Lopes teve a coragem e a capacidade de impor personalidade tática ao São Bernardo, a única personalidade tática possível -- de velocidade, de contragolpe, de marcação incessante. Geninho praticamente congelou no banco de reservas como privilegiado espectador, incapaz de levar o grupo de jogadores a formarem um time de futebol. Sete jogos com seis derrotas e um empate extratificam a indolência de Geninho.
Muito provavelmente nove entre 10 diretorias de clubes ameaçados de rebaixamento não teriam dúvidas de correr em busca de Geninho e não de Wagner Lopes para tapar a sangria de resultados. A hemorragia do São Caetano continuou principalmente porque Geninho observou a tudo sem se dar conta de que poderia ser o divisor de águas como Wagner Lopes no São Bernardo.
5. Arbitragens.
Embora ainda distante do ideal, porque a maioria é da nova safra, o São Bernardo não tem o que reclamar da arbitragem como fator que o tenha levado à tensão do rebaixamento até a última rodada da fase de classificação. Já o São Caetano sofreu em alguns jogos com a falta de critério principalmente em jogadas letais, de penalidades máximas. Uma bola na mão de Fabinho num lance sem o menor risco de terminar em gol contra o Botafogo no Estádio Anacleto Campanella foi entendido como intencional e virou cobrança fatal que deu a vitória de 1 a 0 aos visitantes. Já ante o Penapolense, na penúltima rodada, no Interior, um lance menos aparentemente involuntário, num chute de Danielzinho que o zagueiro desviou com o braço ao tentar se proteger, foi liberado pelo árbitro como jogada involuntária. No conjunto da obra dos resultados finais, São Caetano e São Bernardo não podem atribuir os resultados a erros de arbitragens.
6. Ambiente externo.
Embora menos numerosa e mais uma vez seletivamente animadora, a torcida do São Bernardo sempre colabora para o rendimento da equipe no Estádio Primeiro de Maio. Bem diferente da torcida do São Caetano, em menor número. Jogar em casa com o apoio do público ajuda sim a fazer a diferença. Não à toa o São Caetano só ganhou um jogo no Estádio Anacleto Campanella. O time não fez a lição de casa também porque faltou respaldo do torcedor. Mas esse quesito não pode ser elevado a uma potência extremamente decisiva. Não há jeito de uma equipe ganhar em casa caso se comporte com baixa agressividade e verticalidade, como o São Caetano se comportou no campeonato.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André