Esportes

Afinal, quantos times você vê de
verdade diante do aparelho de TV?

DANIEL LIMA - 07/05/2013

A maioria dos torcedores e também dos profissionais de comunicação desconhece uma verdade visceral que os conduz a raciocínios equivocados: por conta de preferência clubista ou de ojeriza clubista esquece que um jogo de futebol é disputado por duas equipes. Por isso produzem-se comentários, observações, análises, lamentos e comemorações sem aferir para as duas metades da mesma laranja de uma partida de futebol.


 


A interdependência dos confrontos coletivos e individuais de cada 90 minutos é a raiz sobre a qual a quase totalidade dos amantes do futebol deveria dirigir máxima atenção, porque geralmente explica o resultado final. Quem só vê um lado da moeda do futebol vê futebol pela metade. Mas também há casos que nem mesmo apenas um lado da moeda é visto. Vou tentar explicar.


 


Geralmente assisto sozinho aos jogos do meu time e também de tantos outros times. Futebol é um espetáculo tático a ser apreciado com a curiosidade de quem valoriza a própria vida. Somente nos finais de semana um de meus filhos se acomoda ao meu lado no sofá. É com ele que debato conceitos sobre futebol, com repasse análogo aos âmbitos da vida. Digo a ele que há sempre alguém do outro lado a nos opor desafios, seja porque nos ama, seja porque nos são hostis.


 


E que o futebol é emblemático, pedagógico, na transmissão dessa premissa.


 


A sensibilidade dos comentaristas, repórteres e narradores de futebol está condicionada em larga escala à preferência ou rejeição clubista. Para a maioria, quando se tem a paixão em jogo, o rendimento do time de preferência é sempre abaixo da crítica nas derrotas. Não existe sentido algum em procurar detectar as razões do insucesso, principalmente por conta das virtudes da equipe adversária. Já nas vitórias o sentimento é inversamente proporcional: fechassem-se os olhos a eventuais erros individuais e coletivos em nome do resultado final.


 


Tostão cirúrgico


 


O melhor de todos os analistas de futebol do País, o ex-craque Tostão, costuma escrever com legitimidade, conhecimento e sinceridade de quem não se deixa monitorar por motivações financeiras que assaltam a mídia em geral. O hoje médico Tostão afirma que a maioria da imprensa produz comentários e interpretações de acordo com o resultado final de cada partida. São analistas de conveniência.


 


Tostão está certíssimo. E há 10 dias tivemos uma prova desse oportunismo acomodatício da imprensa esportiva. O Corinthians foi derrotado por 1 a 0 pelo Boca Juniors na Bombonera e o resultado foi tratado por alguns cronistas como consequência de atuação desastrosa da equipe de Tite. Certamente teriam mudado de opinião, como mudaram em relação ao mesmo jogo disputado na final da Libertadores do ano passado, caso Romarinho voltasse a empatar a partida naquele chute de primeira que o goleiro Orion desviou a escanteio.


 


Comparativamente, o Corinthians do jogo com o Boca neste ano na Bombonera foi levemente superior ao Corinthians frente ao Boca no ano passado no mesmo estádio. Isso não significa dizer que tenha sido brilhante. Mas também esteve longe da mediocridade propagada após uma derrota acidental, porque não foi um cruzamento bem elaborado que, desviado pelo atacante do Boca, levou a torcida argentina ao delírio, mas um chute que saiu do esquadro imaginado, em diagonal e não em direção ao gol, que proporcionou ao atacante um desvio às redes de Cássio.


 


O Palmeiras que empatou com o Tijuana, no México, um dia antes de Corinthians e Boca Juniores pelas oitavas de final da Taça Libertadores, provavelmente voltaria sob desconfiança generalizada se sofresse um gol mesmo que de bola parada. A crônica esportiva esqueceria que o time de Gilson Kleina fez uma ótima exibição de competitividade, dominando o adversário durante o primeiro terço do jogo e, nos dois restantes, mantendo equilíbrio nas ações. Uma façanha num gramado sintético que deveria ser proibido na competição porque favorece quem já tem a cultura de uso.


 


Campo sintético


 


Aliás, sobre o rendimento comparado de equipes brasileiras nas poucas experiências em pisos sintéticos, não li qualquer análise que procurasse explicar as razões que levaram o Corinthians a sofrer tanto para tentar se adaptar ao campo do Tijuana e os motivos que minimizaram a quebra de produção do Palmeiras. Em suma, o que teria levado o Palmeiras a sentir menos dificuldades para jogar no México em relação à apresentação do Corinthians?


 


Que resposta teria o leitor quando se sabe que individual e coletivamente o Corinthians é superior ao Palmeiras?  Quem disser que o Palmeiras fez alguns treinos para se adaptar à grama sintética estará longe da verdade, embora a medida tenha contribuído para o que chamaria de preparo psicológico ao impacto, sugerindo aos jogadores a possibilidade de não sentirem tanto as diferenças.


 


Mas o que pesou mesmo são as diferenças de estilo de jogo de Corinthians e Palmeiras. O campeão da Libertadores e do Mundial joga por aproximação, em espaços mais curtos, em progressões laterais. O Palmeiras atua mais espaçadamente, com lançamentos longos, maior empenho físico, mais velocidade de contragolpe. Um estilo mais apropriado à adaptação ao gramado artificial e a combater as virtudes do Tijuana, de perfil mais próximo ao do Corinthians. Ou seja: O Tijuana reúne vários aspectos do figurino técnico-tático corinthiano, mas não sofre os efeitos sentidos pelo Corinthians no México porque já está adaptado às especificidades do piso sintético. Gramado artificial torna a bola mais veloz, mais rebelde e mais errática. Uma variável postiça dos efeitos naturais dos campos localizados em altitudes elevadas.


 


Ver atentamente o movimento dos dois times que lutam pela vitória durante 90 minutos deveria ser uma obviedade sobre a qual nenhum profissional de Imprensa deveria ignorar. Dessa forma, transmitiriam aos torcedores uma carga de conhecimentos à valorização do espetáculo como um todo. 


 


Pior que não ver as duas equipes que se defrontam é não ver nenhuma. Como assim? Prestem atenção como podemos ser vítimas do que chamaria de empáfia do distanciamento, que se manifesta quando a equipe pela qual torcemos não está envolvida no jogo que vemos. A tendência de transformar o descompromisso com a emoção em desatenção e subestimação ao que se passa no gramado, porque estamos viciadíssimos em valorizar apenas aquilo que nos afeta diretamente, é um passo mais que compulsório ao tratamento frio a um espetáculo que seria emocionante se uma das camisas fosse aquela que tanto amamos.


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