Esportes

Marcelo Veiga surpreende e já dá
ao São Caetano cara, corpo e alma

DANIEL LIMA - 17/06/2013

Estou repetindo no titulo o que escrevi de passagem depois da derrota do São Caetano para o Bragantino, em Bragança Paulista, na penúltima rodada do primeiro turno da Série B do Campeonato Brasileiro: o técnico Marcelo Veiga está dando cara, corpo e alma à equipe. O jogo seguinte, vitória ante o Oeste, em Itápolis, confirmou a sentença que para muitos foi audaciosa demais. A crônica não tem por hábito, porque medrosa, porque conservadora, elogiar time que perde. Mesmo que a derrota seja injusta, como em Bragança Paulista. A crônica em estado crônico prefere elogiar time que ganha mesmo jogando mal. O mundo é dos vencedores, dizem os filósofos de resultados, uma versão rebuscada dos sindicalistas de resultados.


 


A parada de três semanas por conta da Copa das Confederações deverá apurar as linhas do São Caetano que terminou a primeira fase da competição em oitavo lugar na classificação detalhada. Um posicionamento bastante razoável para quem começou com empate em casa, empatou com as calças na mão fora, perdeu em casa no último minuto no terceiro jogo e só sentiu o gosto da vitória e de balançar as redes adversárias no quarto jogo, também em casa, quando goleou o Atlético Goianiense por 4 a 2 já insinuando estar entrando em forma.


 


A cara, o corpo e a alma do novo São Caetano estão sendo esculpidos com alguns traços surpreendentes, os quais precisam ser reforçados e consolidados. Não se trata apenas de uma associação de cara à meia luz, de uma simples silhueta e tampouco de imaterialidade subjetiva. Tudo está bem caracterizado, definido, mas ainda não tem a tonalidade forte que possa assegurar completa imantação. Mas está a caminho. A cara é um esquema coletivo moderno, o corpo é um nível de rendimento individual bastante satisfatório e a alma é a competitividade transpirante em cada rodada da disputa.


 


Surpresa tática


 


A maior surpresa proporcionada por Marcelo Veiga é que o esperado 3-5-2 com o qual se tornou célebre no Bragantino em 390 jogos durante cinco anos foi quase inteiramente abandonado no São Caetano. Entenda-se abandono como sistema matriz, sobre os quais todas as variáveis rodam de acordo com as circunstâncias do jogo.


 


O treinador que tem como principal virtude o dia a dia construtor de relações fortes conectadas às ambições táticas utilizou três zagueiros de forma convencional apenas no primeiro jogo em casa contra o Ceará, quando escalou o volante Leandro Carvalho no meio da defesa que também contava com Douglas Grolli e Luiz Eduardo. Nos demais jogos mudou de planos. Leandro Carvalho atuou de forma híbrida, prioritariamente como volante e circunstancialmente como zagueiro, numa movimentação de vai e vem conforme a situação de jogo.


 


Tudo indica que Marcelo Veiga se convencerá de que será sempre mais ajuizado, quando necessitar de um terceiro zagueiro, contar com um especialista, no caso Wagner, um dos principais destaques na Série B do ano passado e, neste ano, vítima de seguidas contusões. Wagner só entrou no final do jogo em Itápolis, o que devolveu Leandro Carvalho à função de volante que deixara quando da contusão de Renato Ribeiro. Marcelo Veiga errou na mudança tática, mas depois corrigiu e o São Caetano restabeleceu o controle ante um adversário que se lançou todo à frente para tentar descontar a então desvantagem de dois a zero, que acabou ampliada logo em seguida.


 


O estereótipo do Bragantino briguento para tomar a bola do adversário e objetivamente pragmático com a bola nos pés também está sendo dinamitado por Marcelo Veiga no São Caetano cada vez menos São Caetino, neologismo que criei ante a expectativa de se reproduzir aqui o que foi feito em Bragança Paulista. O treinador está desenhando um time que valoriza a posse de bola, que não tem pressa demais em atacar, que procura avançar principalmente pelas beiradas. É verdade que essa versão se deu depois dos dois primeiros jogos, contra Ceará e Paraná. Quase que de forma inesperada, ante a experiência dos dois primeiros jogos, o São Caetano mudou da água para o vinho. Os chutões cederam espaço aos passes curtos, aos deslocamentos mais sincronizados e à organização principalmente no meio de campo. Até os zagueiros passaram a fazer parte do script de arrumação.


 


Muito há ainda a avançar para que o São Caetano alcance a automaticidade coletiva que só o tempo e um treinador competente, além de um elenco interessado em avançar, são capazes de oferecer. O time ainda tem muito a mostrar nos três setores para ganhar mais robustez defensiva, mais versatilidade no meio de campo e maior variedade de opões no ataque.


 


Mas o que surpreende é que a distância para chegar ao nível desejável reduziu-se fortemente nos três jogos que antecederam à parada técnica da competição. Ainda falta maior compactação durante mais tempo de jogo. A equipe começa bem, dá a impressão de que é um todo e não três compartimentos separados, mas aos poucos se dispersa espacialmente. Isso é escassez de tempo de preparação.  Daí as três semanas de parada técnica serem uma dádiva.


 


Ação coletiva


 


Marcelo Veiga está conseguindo no São Caetano uma verdadeira façanha: traçou uma expectativa de que a equipe quebrará um longo ciclo de incômodos coletivos e atingirá um equilíbrio entre qualidade individual e capacidade coletiva. Há muitos anos o São Caetano é um contrassenso, mesmo na brilhante campanha do ano passado, quando chegou perto da Série A do Brasileiro. Que contrassenso é este? Um time em que o coletivismo jamais sincronizou a soma das individualidades de que dispunha. Trocando em miúdos: até surgir a esperança de novos dias com Marcelo Veiga, o São Caetano insistia em jogar sempre abaixo do conjunto das individualidades. Um retrato oposto ao perfil daqueles times formados ao longo dos primeiros anos da década passada e que tanto encantaram à torcida nacional. Times que chegaram ao título paulista, ao título de vice-campeão brasileiro em duas temporadas seguidas e à final da Taça Libertadores.


 


É claro que não estou a sugerir que o São Caetano voltará compulsoriamente aos bons e velhos tempos, porque o futebol mudou demais desde o aporte de dinheiro grosso da televisão e dos patrocinadores nas equipes de maior massa de torcedores, o que influenciou decisivamente a relação de forças também dentro de campo. O que quero dizer mesmo, diretamente, é que o São Caetano que Marcelo Veiga está forjando instaura a esperança de que ganhará nesta temporada homogeneidade em suas linhas e com isso tornar-se sim candidato sério aos primeiros lugares.


 


Projeções positivas


 


Sei que é arriscado fazer previsões no futebol. Há vetores intangíveis que podem atrapalhar as projeções, mas prefiro arriscar porque torcedores apreciam análises prospectivas com um mínimo de fundamento. Em circunstâncias normais apostaria no encaixe já bastante avançado das linhas do São Caetano, e na tradução dessa engrenagem em forma de resultados positivos em campo.


 


Só se espera, entretanto, que fatores aleatórios não causem estragos. A equipe perdeu por contusão dois titulares e um reserva de luxo nos seis primeiros jogos. O zagueiro Luiz Eduardo e o volante-armador Wagner Carioca ficaram fora de combate. Situação mais grave envolve o atacante Danielzinho, fora da competição.


 


Mas até na adversidade o São Caetano parece que reverteu a situação dentro de campo. A entrada de Fred na zaga ao lado de Douglas Grolli corrigiu incorreção dos primeiros jogos: com Luiz Eduardo e Grolli o sistema defensivo tem mais força que posicionamento e inteligência tática. Com Fred a defesa ganhou o contraponto de técnica e de sensibilidade especial que faltavam em Luiz Eduardo, do mesmo estilo acrobático de Douglas Grolli.


 


Já a ausência de Wagner Carioca permitiu a titularidade de Renato Ribeiro, um meia-atacante sempre livre de marcação, que descentraliza as jogadas, que dá o ritmo ao meio de campo e que ainda aparece na frente para atazanar a vida dos zagueiros. Danielzinho era reserva e uma boa opção para situações em que a velocidade é ideal para ocupar espaços ofensivos. Vinha há muito tempo em má fase, longe dos melhores momentos constantes na Série B do Brasileiro do ano passado. Cada vez mais bem marcado, Danielzinho virou um jogador comum.


 


Titulares definidos


 


As seis primeiras rodadas da Série B do Campeonato Brasileiro evidenciaram que há jogadores garantidos como titulares. Quase todos começaram a partida ante o Oeste. Falta ao técnico Marcelo Veiga definir que tipo de segundo volante pretende adotar como titular. Parece que está decidido a manter apenas Leandro Carvalho como marcador implacável. O companheiro dele à frente dos zagueiros deverá ser mesmo Pirão, de estilo mais clássico, surpreendentemente mais aplicado e determinado após a chegada do treinador. Um Pirão que tem a vantagem sobre os demais concorrentes de não se assustar com a bola nos pés quando passa do meio de campo e, mais que isso, de enxergar o gol adversário como meta a ser atingida com chutes sempre violentos.


 


No esquema 4-2-3-1 definido por Marcelo Veiga, os meias Renato Ribeiro e Danilo Bueno são titulares sem restrições. Eles se completam. Renato Ribeiro não tem a agilidade, a movimentação, o posicionamento mais abrangente e mesmo o vislumbre de armador clássico de Danilo Bueno, mas é um meia-atacante que tem frieza, inteligência e discernimento para oferecer-se sempre como companheiro ao próximo passe, ao lançamento de meia distância.


 


O ponto destoante dos três meias escalados por Marcelo Veiga para dar sustentação ao centroavante Jael e também ao sistema de marcação no meio de campo é Geovane. É verdade que o atacante-meia surpreendeu com subida de produção em relação à apatia que antecedeu a contratação de Marcelo Veiga, mas tem dificuldades em executar a função. Faltam-lhe a segurança de aplicação de algumas das características de Danilo Bueno e de Renato Ribeiro como meias de ligação. Sobram-lhes características de segundo atacante, driblador em velocidade, inquieto. Mas não está conseguindo extrair o máximo do que tem de melhor, sobretudo nas penetrações e finalizações.


 


Jael é um centroavante de tamanho, de transpiração, de boa técnica, de solidariedade na abertura de espaços para quem vem de trás. É uma preocupação constante aos zagueiros adversários. Não é nada agradável tê-lo como alguém a marcar. Pivô nas bolas incertas, nas bolas podres, nas bolas táticas, nas bolas escassas, nas bolas acidentais, Jael melhorou a cada partida como atacante que também sabe jogar de frente para o gol adversário. Só precisa apurar mais os arremates. A parada técnica deverá lhe fazer bem.


 


O 4-2-3-1 de Marcelo Veiga, com alguns momentos de 3-5-2, consolida-se como sistema que deverá prevalecer na competição entre outros motivos porque contempla as características individuais e coletivas mais importantes do elenco. Os laterais Samuel Xavier e Diego, remanescentes da equipe rebaixada à Série B do Campeonato Paulista, estão atuando em nível bastante superior ao passado mais próximo ou remoto, entre outros motivos porque ganharam asas para voar sem se preocuparem demais com o aparato defensivo. O São Caetano está atacando e defendendo com mais equilíbrio e determinação. Marcelo Veiga já doutrinou o elenco sobre a importância de jogar sem a bola. Algo inédito há várias temporadas na equipe.


 


Com os ajustes ofensivos, o rendimento será ainda melhor. Quando o sistema ofensivo ficar à altura do sistema defensivo, tudo indica que os resultados serão compensadores. Afinal, a equipe só sofreu quatro gols em seis jogos do campeonato, enquanto o ataque fez sete. O rendimento ofensivo está aquém do esperado e sofre mais restrições ainda quando se lembra que ficou em branco em quatro dos seis confrontos. Nada, entretanto, a causar calafrios. Arrumar a cozinha é sempre mais fácil que ajeitar a sala-de-estar quando se trata de metáforas do futebol. Na vida real a situação é inversa, segunda as inconsoláveis mulheres e suas manias de manter a casa sempre limpa.


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