Festejei para valer (com dó danada das criancinhas) a goleada dos alemães ontem contra um arremedo de caçapa cantada da Seleção Brasileira. Não escondi de ninguém nas poucas vezes que me referi à Copa do Mundo que não torceria pelo time de Felipão. Tenho razões de sobra e não estou preocupado com o julgamento de leitores anônimos ou conhecidos que consomem esta revista digital.
Os sete pecados capitais que me fizeram feliz ontem são uma espécie de manual de maturidade profissional e de cidadania responsável a colidir frontalmente com o esportivamente correto cultivado pela grande maioria dos brasileiros.
Vivemos num País de acomodações, de fingimentos, de hipocrisia. A Província do Grande ABC, todos sabem, é nosso depositário de sem-vergonhices cotidianas. Que tem, analogamente, muita semelhança com o desastre do Mineirão, embora o dia do juízo final não tenha chegado a esse território como, ao que se insinua, pode ter chegado à Pátria de Chuteiras mentirosamente poderosa quando a realidade da infraestrutura é de penúria, de aniquilamento de pequenos e médios clubes e de endividamento sistêmico dos detentores de grandes torcidas.
Vamos então ao manual de resistência aos predadores do futebol brasileiro, locupletadores da desgraça generalizada que nos mantém muito distantes da primeira divisão de organização na modalidade:
Galvãonismo – O animador-narrador-treinador e tantas outras coisas Galvão Bueno é um irresponsável social a serviço do marketing materialista de tudo pela audiência. Guindado à função de co-âncora do Jornal Nacional, ao lado de uma ovelhinha do jornalismo televisivo que emprestou ar de ingenuidade estudada à programação, Galvão Bueno exercitou acima do limite do extremo do extremo um ritual de triunfalismo e de mistificação que conduziu os pobres brasileiros à hipnose acrítica de conquista do hexacampeonato. Como era esperado, de aliado de Felipão na escalação da equipe, tornou-se algoz antes que o primeiro tempo da goleada parcial de cinco a zero se consumasse.
Entreguismo – A maioria dos demais profissionais de comunicação, sobretudo os mais influentes, caiu ingenuamente ou por outros interesses na armadilha de uma dupla operação maquiavélica, do Palácio do Planalto e da Comissão Técnica da Seleção Brasileira. Primeiro foi Dilma Rousseff a lhes oferecer um jantar em que, a pretexto de aproximação diplomática, o que se pretendia e se alcançou foi o rebaixamento crítico sobre o entorno temático da Copa do Mundo. Segundo foi cair na lábia sempre escorregadia de Felipe Scolari ao converterem em unanimidade o pensamento positivista e protetor a uma Seleção Brasileira que, para estancar a mediocridade em que se instalara, exigia exatamente o contrário – uma cobrança permanente, uma resistência a definições técnicas e táticas equivocadas.
Exibicionismo – A massificação das mídias sociais levou a Seleção Brasileira ao deslumbramento contínuo durante a competição. A agenda dos profissionais que atuam quase que totalmente fora do País, pátria à qual retornam apenas para gozar as delícias de milionários, tornou-se uma corrida de força pela liderança de postagens e outros babados. Algumas pinceladas de notícias, sem destaque porque o coro em torno do apoio à Seleção Brasileira não poderia sofrer avarias, mostrava que o time de Felipão era bom de gandaia e ruim de preparação tática, principalmente de preparação tática. Trocou-se o suor dos treinamentos e a inteligência de correções do grupo dentro de campo pela ostensiva celebração midiática. Comparem os últimos 30 dias dos alemães e dos brasileiros e entendam como não tem sentido tentar sustentar que houve apenas um apagão do time nacional naqueles 30 minutos de massacre.
Emocionalismo – É verdade que com o avanço trôpego na competição o semblante dos jogadores já não carregava tanta inquietação, mas não é preciso entender de psicologia para perceber que a Seleção Brasileira seguia a cantar o Hino Nacional além do tom emocionalmente desejável. Diferentemente, portanto, de tantas outras seleções de olhares serenos, de compenetração aguda e de confiança nas próprias pernas e mentes, não na terceirização à capella. A Seleção Brasileira foi um time à flor da pele permanente, prontíssimo para o abate diante de um adversário bem melhor preparado. A Seleção era uma pilha de nervos e de insegurança a utilizar a máscara do patriotismo de chuteiras.
Neymarismo – Os dias que se seguiram à contusão de Neymar foram dignos de arrasa-quarteirão cinematográfico. Uma ausência que em nada se diferenciou em importância relativa entre tantos casos semelhantes envolvendo outras seleções ao longo da história da Copa foi transformada em megaespetáculo. Esqueceu-se o princípio básico de que o coletivo é sempre mais importante no futebol, inclusive como impulsionador do individualismo estelar de um craque que longe está de ser canonizado por conta de uma jogada dura e imprevidente do adversário, porque já cometeu deslizes semelhantes com grau muito superior de intencionalidade danosa.
Ziguezaguismo – Em nenhum dos seis jogos que disputou a Seleção Brasileira equilibrou-se sobre uma base fundamentada de emoção, tática e técnica. Por isso não manteve em nenhum dos jogos estabilidade de rendimento que pudesse sugerir algo diferente do que uma derrota antes que chegasse aos tão falados sete passos. A crônica enfeitiçada pelo pra-frente-Brasil do marketing interesseiro movido a muita grana publicitária minimizou a importância de acionar o dispositivo de alerta. Preferiu-se sempre e sempre fantasiar a realidade dos gramados, ora inventando pênaltis, ora reclamando de suposta perseguição disciplinar dos árbitros, ora enaltecendo individualidades que brilharam apenas fugazmente.
Gersismo – A filosofia do técnico Felipão, inspirada naquela peça publicitária que estigmatizou o então já aposentado craque Gerson, porque pregava o conceito de que o importante é vencer, sejam quais forem as armas, manteve-se como mantra nacional. Sempre com o suporte do galvãonismo irresponsável. Ex-craques internacionais sem compromissos contratuais com os mercadores publicitários, alertavam em notas pinçadas aqui e ali na mídia, sempre editadas sem grande destaque, que a Seleção Brasileira não lembrava em nada a cultura do futebol nacional porque abdicara do talento em favor do brutamontismo.
Entre o romantismo dos tempos em que o futebol não passava mesmo de esporte e o materialismo que conduz a modalidade à estratosfera de operações de guerra financeira com direito a montanhas de corrupção, existe um meio termo de competitividade limpa, plástica, artística. Como provou a seleção da Alemanha.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André