Esportes

Que bom se tivéssemos sido a
Argentina ontem no Maracanã

DANIEL LIMA - 14/07/2014

Sei que todos diriam que repetimos o Maracanaço de 1950, sei que a choradeira iria ser geral, sei de tudo isso e imagino muito mais, mas que teríamos deixado a Copa do Mundo com mais dignidade, com mais esperança e com mais orgulho se tivéssemos sido a Argentina ontem na final contra os alemães, disso não tenho dúvidas. Uma Argentina derrotada que também poderia ter saído vencedora vale muito mais que um Brasil humilhado e prostrado nos dois últimos jogos de 10 gols sofridos.


 


O silêncio quase total que ouvi após o encerramento do jogo de ontem é emblemático da vergonha e da decepção que a Seleção Brasileira nos infligiu. Nem o foguetório que se poderia esperar de torcedores espalhados pelo entorno de minha residência em São Bernardo se manifestou. O estoque então preparado para o hexa está guardado para as pelejas abrasivas do Campeonato Brasileiro.


 


A Seleção Brasileira caiu no ridículo de não merecer sequer o espocar de fogos de artifícios de desabafo ou recalque. Talvez todos tenham compreendido que a Argentina foi o Brasil com que sonhamos. Mesmo numa derrota na finalíssima com os organizadíssimos alemães.


 


Um terço argentino


 


Estou entre os estimados 30% de brasileiros que torceram pela Argentina na final do Mundial. Esse cálculo é feito com base nas enquetes de emissoras de TV antes do jogo. A tecnologia possibilita aferições quase instantâneas. Mesmo que não tenham valor técnico-científico muito confiável, os resultados revelam o espirito esportivo em ação. Torci pelos argentinos por razões múltiplas, mas fui a campo principalmente torcendo por um grande jogo. E o zero a zero provou aos babacas que acompanham apenas esporadicamente futebol que a qualidade de um espetáculo independe do número de gols marcados.


 


O zero a zero de ontem foi uma disputa muito mais sensacional que o 7 a 1 aplicado pela Alemanha, caso a questão seja medir o grau de competitividade de uma partida. Aquela goleada terminou como jogo de forças e talentos aos 30 minutos do primeiro tempo, quando já tomávamos de cinco a zero e os alemães fizeram um pacto de não humilhação total. O zero a zero conduziu a uma prorrogação que, se vencida pela Argentina, não seria injustiça. Como bem frisou o craque Tostão na coluna de hoje na Folha de S. Paulo. Tostão, aliás, um dos raros profissionais de comunicação que não se deixaram cair no conto do pra frente Brasil.


 


Também é preciso relativizar o significado de torcer pela Argentina numa final com a Alemanha, assim como os torcedores de verdade, que levam futebol a sério como atividade muito mais que lúdica, torceram pela Alemanha contra os hermanos. Torcida por time de futebol deixa sequelas e êxtase emocionais por algum tempo, quando não por mais tempo sempre que alguém nos cutuca.



Torcer e torcer


 


Derrotas e vitórias têm sabores diferentes para quem é do ramo de torcedor de verdade, não quadrienal. Derrotas e vitórias mexem com os nervos, com o coração e com a mente antes, durante e mesmo depois do resultado. Torcer por uma seleção qualquer numa Copa do Mundo, mesmo que seja a Seleção Brasileira, é uma torcida diferente, menos corrosiva, mais descomprometida.


 


Não torço pela Seleção Brasileira há um bocado de Copas do Mundo. Vejo os jogos como analista. Um analista que cede espaço ao crítico inconsolável quando começa a ouvir o unilateralismo, o marquetismo e o despotismo de Galvão Bueno e sua trupe.


 


Por conta de tudo isso, ou seja, da ojeriza ao triunfalismo irritante da TV brasileira, que se contrapõe ao modelo Pilatos quando estão em campo grandes clubes do País, quero mesmo é que a Seleção Brasileira se exploda. Ainda mais com um Felipão coalhadíssimo a comandar uma maioria de jogadores despreparados.


 


Vejam, apenas para diferenciar o que é um conjunto de atletas e um conjunto de chorões, o semblante de alemães e argentinos perfilados durante a execução dos respectivos hinos nacionais e rememorem as imagens de nossos jovens, imaturos e supostos craques. Inclusive de Neymar, coadjuvante no Barcelona e ainda longe de encerrar a primeira etapa de uma caminhada rumo à consagração nos gramados internacionais, embora tenha infinito talento individual para tanto.


 


Os brasileiros de bom senso deveriam agradecer à Seleção Argentina pelo resgate da honra futebolística da América Latina que o time de Felipão lançou nas profundezas da desmoralização em rede mundial de audiência. Os hermanos não jogaram apenas com raça como pretendem fazer crer jornalistas escravizados por clichês tanto quanto péssimos dirigentes esportivos que não acordam para as transformações do futebol.


 


Os hermanos jogaram com alma, com empenho e sobretudo com engenho. Eles mantiveram um duelo pau a pau com os badaladíssimos alemães, há mais de uma década em preparativos para mostrar o que mostraram: um futebol em que o talento individual está a serviço do coletivo. Os argentinos também foram uma equipe. A presença de um Messi discretíssimo, tanto quanto Muller do outro lado, embota o raciocínio de gente que se pretende entendedora do esporte.


 


Teve a Seleção Argentina tudo o que a Seleção Brasileira jamais mostrou em campo. Principalmente ética no cerimonial de encerramento do maior espetáculo da Terra, participando da festa dos vencedores com a dignidade de quem sabe perder. Muito diferente do time de Felipão no dia anterior, ao deixar os holandeses a ver navios.


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