Reservei até agora uma única edição desta newsletter para escrever sobre a Copa do Mundo. E quem a leu sabe que a mensagem foi dada sem medo: não tínhamos mesmo futuro na competição. Não mais escrevi sobre a participação brasileira porque -- e confesso publicamente -- temia ser mais uma vez interpretado como chato de galocha. Infelizmente, neste País, só quem entra no oba-oba mesmo que irresponsável é visto como patriota, bobagem que jamais deveria ser transferida ao retângulo de um gramado de futebol.
Como tenho mantido desempenho em alguns temários que contrariam a unanimidade burra e manipulável, resolvi me poupar de textos diários que pudessem ser vistos como agourentos, ou coisa de quem aprecia ser do contra, como assim são definidos quem ousa contrariar os ilusionistas. Sim, é assim que alguns idiotas me vêem, sempre que seus pontos de vista não são compartilhados. Em contraponto, me chamam de gênio se seus conceitos são corroborados por mim. Mas, para ser breve, vamos a alguns pontos que preciso desabafar. Sim, desabafar, porque na medida em que escrevo, vou desopilando o fígado ou lavando a alma.
Copa do Mundo (I)
A babação da mídia sobre os jogadores brasileiros ao longo de muitos anos ajudou a fermentar caldo de egocentrismo insuportável. Jogadores apenas regulares como Kaká viraram craques entre outras razões porque preenchem explícitos desejos de plasticidade de campanhas de publicidade. Estrelas de esporádicas genialidades mas desinteressadas em participar do coletivismo intransferível do futebol como manifestação de equipe, caso de Ronaldinho Gaúcho, foram sacralizadas.
Copa do Mundo (II)
Galvão Bueno é espertíssimo. Quando viu o barco afundar no jogo contra os franceses, começou a reduzir o teor de nacionalismo xenófobo, a minimizar a importância da disputa colocada até então como questão de ordem nacional e também a admitir o que os mais sensatos há muito haviam capturado: a Seleção Brasileira estava à beira de um nocaute vergonhoso, porque sem luta. A Globo explorou ao máximo os jogadores brasileiros, induziu-os a se acharem imortais e, de repente, os largou na rua da amargura. Isso é que é jornalismo de oportunidade.
Copa do Mundo (III)
O técnico Carlos Alberto Parreira é um homem sem sensibilidade. Suas equipes são sempre sem graça, por mais vitórias que alcancem. É natural que conduziria a Seleção Brasileira àquele ritmo desaquecedor de espetáculo, em nome do pragmatismo numérico. O extraordinário Zidane deu uma lição que ele deveria aprender: por mais que o futebol seja cada vez mais extraordinária competição de mentes doutrinadas e corpos preparados à tática de guerrilhas em cada novo lance, sempre haverá espaço para talentos que, a serviço do conjunto, poderão colocar tudo a perder -- no outro banco de reservas, é claro.
Copa do Mundo (IV)
Torci o tempo todo em todos os jogos por todas as seleções. Menos para a Seleção Brasileira. Detesto ser encabrestado por gente que entende bulhufas de futebol mas muitíssimo de marketing sorrateiro. Só não festejei em alto som a vitória da França porque meu vizinho de sobrado, gente fina, lotou sua casa de amigos para comemorar a vitória brasileira com churrasco. O Brasil foi explorado demais durante a Copa do Mundo por falsos brasileiros. Tanto de gente estrelada quanto de anônimos.
Copa do Mundo (V)
Gostaria de ver a cara sempre oportunista de um empresário do Grande ABC que não perde ocasião alguma para desfilar em plagas nacionais e internacionais seu novo-riquismo feito a base de muita coisa que não passaria pelo crivo de autoridades minimamente honestas e decididas a desvendar maracutaias com o Poder Público. Ele se juntou a sua turma manjadíssima para dar provas de patriotismo, metendo-se numa festa à espera da vitória contra a França. Provavelmente aprendeu que a vida esportiva não é como a vida negocial, principalmente quando imersa em práticas, diríamos, heterodoxas.
Copa do Mundo (VI)
Luiz Felipe Scolari virou a bola da vez da subjacente frustração dos patriotas de araque. Por mais qualidades que tenha o treinador que nos levou aos trancos e barrancos ao pentacampeonato, é difícil acreditar que a impetuosidade e o senso de equipe serão suficientes para vencer os franceses e eventual e provavelmente os alemães na decisão da Copa do Mundo. Felipão é o Brasil tosco do qual lançam mãos os industrializadores de ídolos para continuar bancando o marketing esportivo da audiência em primeiro, segundo e terceiro lugares.
Copa do Mundo (VII)
Li e guardei todos os artigos de antes, durante e depois da Copa, dos colunistas da Folha de S.Paulo e do Estadão. Tenho-os todos em meus arquivos. Se fizer um balanço das incoerências, dos triunfalismos seguidos de derrotismos, os leitores desta newsletter provavelmente não os perdoariam jamais. O que ouvi então nas emissoras de rádio é um despautério só. O problema da crônica esportiva é que existe espécie de tratado diplomático que também vigora em outras áreas jornalísticas: é proibido ir contra a correnteza. Esse pessoal não toma jeito. Felizmente, alguns poucos mostraram que para toda regra há exceções. José Geraldo Couto, editor de Esportes da Folha de S.Paulo, é exemplo a ser seguido. Ele não enxerga futebol da maneira que a mídia enxerga: oba-oba acima de tudo. Alguns colunistas pára-quedistas, que não são do ramo esportivo, apenas ocuparam espaços para divagações. Eles não sabem o quanto perdem quando se metem em seara alheia.
Copa do Mundo (VIII)
É claro que me emocionei com o Hino Nacional executado antes dos jogos, mas, confesso, não foi apenas com o Hino Nacional brasileiro que me comovi. Me peguei na situação de cidadão do mundo, que vibrou com todos os hinos nacionais. E, confesso, nada supera a Marselhesa. Só mesmo o hino britânico durante os jogos, entoado por milhares de súditos da rainha. Um espetáculo que nos leva a ter certeza de que vale a pena viver. Lamentavelmente, o que mais foi possível ouvir da torcida brasileira -- no jogo final contra a França -- foi um coro conhecidíssimo que tinha no técnico Parreira o sujeito e seus fundilhos como alvo.
Copa do Mundo (IX)
O melhor time da Copa do Mundo que vi em campo foi eliminado nos pênaltis, num resultado que não pode ser considerado injusto porque seu adversário é, seguramente, favoritíssimo ao título. Estou me referindo no primeiro caso à seleção argentina e, no segundo, aos alemães. A derrota argentina foi um acidente de percurso de um time que brilhou em todos os instantes, embora não faltassem cronistas brasileiros que, provavelmente por recalque, tenham procurado deslustrar os hermanos.
Copa do Mundo (X)
Quem viu Tevez jogar na seleção argentina, no Corinthians e no Boca Juniors e comparar suas atuações com qualquer um dos jogadores da Seleção Brasileira provavelmente se sentirá humilhado se levar a ferro e fogo essa idiotice de discriminação que a mídia estupidamente propaga. Sempre achei que Kaká não serviria para lustrar as chuteiras de Tevez. Agora tenho certeza. O problema do futebol visto como marketing é que a beleza plástica é componente arbitrariamente levado ao extremo da competência dentro dos gramados. Kaká é um bom menino, mas seu futebol rigorosamente previsível não lhe confere nada mais que, nas melhores atuações, uma média que não ultrapassará a nota sete.
Copa do Mundo (XI)
Se alguém tiver dúvidas sobre o único texto que produzi durante a Copa do Mundo e, com isso, me retire de eventual lista de oportunistas, de engenheiro de obras prontas, basta solicitar uma cópia que providenciaremos em seguida. A queda da Seleção Brasileira era tão previsível quanto o discurso de Galvão Bueno para livrar a própria pele. O futebol simplesmente imita outras atividades. Poucos são os que têm coragem de suportar o peso de posicionamentos que divirjam do politicamente correto. Somos um País que gosta mesmo de fingimento, de mentiras adocicadas. Mais que isso: os ricos e poderosos parecem poder tudo. Inclusive derramarem-se de arrogância sobre os demais. E ainda posam de filantropos, distribuindo aqui e ali uns trocadinhos de ações supostamente sociais. Para delírio de colunistas sociais, na larga maioria dos casos babacas em fase de alfabetização.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André