Esportes

Para o Rei do Acesso, resultado
depende mais dos 90 minutos

DANIEL LIMA - 08/12/2014

O técnico Luiz Carlos Martins está no São Caetano para devolver a equipe à Série A do Campeonato Paulista e, na sequência, recolocá-la na Série C do Campeonato Brasileiro. O chamado Rei do Acesso, responsável pela ascensão de divisão de clubes em 15 competições, garante que o peso dos 90 minutos é decisivo em cada jogo de futebol, por mais que os preparativos durante a semana sejam importantíssimos.


 


Luiz Carlos Martins atribui ao espaço de tempo entre o primeiro e o último apito do árbitro nada menos que 60% de peso na definição de um resultado. Trocando em miúdos, na maioria dos casos os chamados resultados de laboratório têm peso bem inferior. Essa é uma mensuração empírica, até porque futebol não é ciência exata. Cada 90 minutos tem importância enorme para quem sabe que é durante um jogo que as verdades se estabelecem.


 


Engana-se, entretanto, quem acredita que Luiz Carlos Martins seja descuidado com o dia a dia de preparação do grupo de jogadores. Por entender que todas as equipes se dedicam semelhantemente à arrumação técnica e tática, ao individualismo e ao coletivismo, é que projeta 60% de peso aos jogos. É durante cada partida que técnicos e jogadores mostram se têm garrafa para vender.


 


Mas para vender garrafa não existe milagre: sem preparação adequada prevendo o máximo de incidência de jogadas individuais e coletivas, bem como nuances táticas, nada seria respondido de forma afirmativa durante os 90 minutos. Da mesma forma que, por melhor que uma equipe se organize durante os dias que antecedem cada jogo, nada supera as circunstâncias e o contexto de cada disputa por três pontos. Um lance fortuito pode mudar a trajetória da partida. Uma leitura mais precisa de eventuais falhas individuais ou coletivas do adversário pode modificar as decisões na área técnica adversária.  


Quantificação imediata


 


Talvez tenha sido a primeira vez que um técnico de futebol é instado a quantificar a importância de si próprio e do conjunto de fatores que atuam decisivamente durante um jogo. Ao responder de bate-pronto que é de 60%, Luiz Carlos Martins surpreendeu o interlocutor que imagina tê-lo colocado numa enrascada.


 


Entretanto, o que parece um contrassenso, ou seja, um técnico tão meticuloso no dia a dia com o elenco dizer sem pestanejar que os 90 minutos são um território especial no qual os três pontos prevalecem em proporção maior que o arranjo preparatório, trata-se de fato de uma convicção de alguém que passa o tempo todo na área técnica a observar os movimentos das duas equipes. A programação previamente estabelecida para neutralizar os pontos fortes do adversário e explorar os buracos que se apresentam por conta de observações das individualidades que o compõem faz parte da teoria do futebol. A prática é mesmo um exercício experimentado a cada jogo.


 


Luiz Carlos Martins reserva-se à modéstia que poucos técnicos de futebol praticam. Mas aos poucos conta histórias de jogos em que a avaliação atenta a cada movimento técnico e tático dos jogadores fez a diferença. Já ganhou jogo ao dar completa liberdade ao lateral até então mais contido e que passou a atacar como ponta porque percebeu a abertura de um corredor no setor do adversário mas não se descuidou ao determinar atenção máxima ao volante para atuar como terceiro zagueiro e evitar surpresa de eventuais contragolpes. 


 


Quando se conhece bem os jogadores de que se dispõe é possível também substituir o empate do placar nos últimos minutos do jogo ao retirar do banco de reservas um zagueiro-central exímio cabeceador que, na área adversária como segundo centroavante, aproveita o espaço livre de bola cruzada que até então insistia em passar sem estragos diante dos defensores.


 


Passado que pesa


 


O São Caetano não trouxe Luiz Carlos Martins pensando apenas em participar da Série B (Segunda Divisão) do Campeonato Paulista. O passado no clube, pré-explosão de grandes resultados nacionais com a conquista de dois vices do Brasileiro seguidos do vice da Libertadores da América, já seria suficiente para voltar ao passado de olho no futuro. Mas o Luiz Carlos Martins que o São contratou é fruto de um passado de respeito no clube e de contar com 15 acessos. Luiz Carlos Martins é visto como profissional capaz de montar peça por peça o time da próxima competição.


 


Quem acompanha a preparação do São Caetano e quem conhece o histórico do técnico Luiz Carlos Martins encontra uma potencial contradição entre o que ele diz sobre a importância dos 90 minutos no resultado de um jogo de futebol e a dedicação durante os treinamentos e busca por informações do próximo adversário. Quem pode dar tanto valor ao jogo propriamente dito e não acrescentar mais valor à preparação?


 


A premissa de que todos os treinadores e integrantes da comissão técnica seguem o mesmo receituário de organização tática e técnica é o ponto central de Luiz Carlos Martins: “A forma com que preparamos a equipe e com que observarmos o próximo adversário é fundamental à definição do time que escalaremos, mas nada supera os 90 minutos. Durante esse tempo tudo pode acontecer, do imponderável ao providencial” – afirma.


 


Números vistosos


 


Luiz Carlos Martins é um profissional tão de bem com a vida que nem se perturba quando alguém lembra que tem a fama de retranqueiro, de treinador que cuida primeiro do sistema defensivo e depois do ataque. “Meu time joga o tempo todo com a bola nos pés e também sem a bola nos pés”.


 


O quinto lugar na Série B do Campeonato Paulista desta temporada no comando do Mirassol oferece números que confirmam a versão de Luiz Carlos Martins: a equipe apresentou o melhor saldo de gols da competição (17 em 19 jogos), fruto do melhor ataque (38 gols) e de uma defesa que sofreu apenas quatro gols a mais que as melhores defesas da competição (21 gols, contra 17 do Red Bull, do São Bento de Sorocaba e do Santo André). O acesso só não foi comemorado porque o Mirassol acabou em quinto lugar na classificação final, atrás do Marília, igualmente com 36 pontos mas superior no número de vitórias – 11 contra 10.


 


Na mesma competição em que dirigia o Mirassol na tentativa do quarto acesso na história, o São Caetano só escapou do rebaixamento na última rodada, com números bem menos brilhantes: foram apenas 19 pontos ganhos, com 19 gols a favor e 22 contra. 


 


O termo que Luiz Carlos Martins não pronunciou uma única vez mas que exprime a maneira de atuar dos times sob seu comando é “compactação”. A preferência pelo 4-4-2 de muita mobilidade defensiva e ofensiva não interdita a opção por três zagueiros, liberando os alas ao ataque. “Tudo depende das circunstâncias do jogo” – lembra o treinador.


 


Mesmo com dificuldades para reforçar o São Caetano à temporada paulista, que será seguida pela disputa da Série D do Campeonato Brasileiro, tudo indica que Luiz Carlos Martins organizará um time pronto para disputar a competição com possibilidade de acesso. Ele lamenta, sem choradeira, que alguns jogadores convidados a reforçar o São Caetano optaram por equipes da Série A do Campeonato Paulista, de maior visibilidade televisiva.


 


Rebaixamento atrapalha


 


Se o São Caetano não houvesse sido rebaixado à Série D do Brasileiro nesta temporada seria possível convencer os reforços pretendidos a assinar contrato até o final do ano. Mas Luiz Carlos Martins não expõe lamentos quando lembra que a corrida por reforços é sempre uma porta que se abre a decepções. As negativas o obrigaram a buscar outras opções. E opções não lhe faltam. Vive futebol intensamente durante todos os dias. Conhece a fundo grande parte dos jogadores em atividade. Faz do futebol a própria vida. Durante a Copa do Mundo trancou-se em casa e acompanhou todos os jogos. Não viu nada que o despertasse a grandes inovações do futebol. É cuidadoso e diplomático ao evitar críticas à Seleção Brasileira.


 


Até jogos da Série D do Campeonato Paulista, ou Quarta Divisão, Luiz Carlos Martins andou assistindo. Acompanhou a final entre Nacional da Capital e Atibaia. Viu dois ou três bons jogadores, mas todos já comprometidos com empresários. Garante que não tem parceria com agentes econômicos de jogadores mas os respeita. Sabe que essas são as regras do jogo.


 


Luiz Carlos Martins fala da autonomia com que conduz as equipes sem parecer pretensioso ou arrogante. Faz valerem conhecimentos práticos de ex-médio volante que passou até pelo Vasco da Gama e também da experiência de mais de duas décadas à beira do gramado, a partir da primeira iniciativa no Guaçuano, equipe que nesta temporada disputará a Série A Paulista. “Se alguém tiver alguma coisa nova no futebol, me apresente que quero aprender”, diz Luiz Carlos Martins logo depois de lembrar a atenção com que acompanhou os jogos da Copa do Mundo.


 


Livro dos recordes


 


Não houve até agora quem propusesse que duas façanhas de Luiz Carlos Martins fossem sugeridas ao livro dos recordes. Ele dirigiu duas equipes ao mesmo tempo em duas oportunidades diferentes. Serviu ao Marília na Série B do Campeonato Brasileiro e ao Mirassol no acesso à Série A do Campeonato Paulista. Era a etapa final das duas competições. Os dirigentes se acertaram e permitiriam que atuasse duplamente. Salvou o Marilia do rebaixamento e liderou o acesso do Mirassol. Na outra jornada dupla do treinador, levou o Rio Branco de Andradas à Primeira Divisão de Minas Gerais e o Palmeiras de São João da Boa Vista à salvação no futebol paulista.


 


Luiz Carlos Martins conta essas histórias numa tarde de descontração nos vestiários do Estádio Anacleto Campanella. Não faltou quem considerasse estranha a postura do treinador, geralmente comedido. Nem ele explica a razão de ter aberto o baú de memórias. “Não sou um profissional que se utiliza de marketing” – afirma. Provavelmente o ambiente no São Caetano, que ele controla com o comprometimento de quem não se limita ao gramado, seja o combustível do entusiasmo.


 


Quem o acompanha de perto há muitos anos sabe que Luiz Carlos Martins é um mestre na arte de fazer do ambiente de vestiários um poderoso trunfo nos 90 minutos decisivos de cada jogo, no gramado onde as verdades são implacáveis. O segredo do relacionamento com o grupo de jogadores é o que o treinador chama de franqueza desde o primeiro instante de convivência: “Digo a cada um deles que há três situações implícitas em fazer parte do grupo que comando: primeiro, estar entre os 11 titulares; segundo, estar no banco de reservas; e terceiro, estar na arquibancada. Quem encarar as três situações sem problemas, está habilitado a pertencer ao grupo” – afirma. Traduzindo a filosofia do treinador: quem está melhor, joga.


 


Armador clássico


 


O primeiro reforço solicitado por Luiz Carlos Martins é o experimente meia-armador Xuxa, com quem trabalhou em várias equipes. Martins não abre mão de um jogador de meio de campo com as características de Xuxa, canhotinha que retém a bola quando preciso, que passa e lança com correção, que finaliza de média distância e que bate faltas como poucos. “A Seleção Brasileira sentiu muito a falta de um meia de armação com essas características” – diz Martins.


 


Outros jogadores virão para dar a robustez de que o São Caetano carece para chegar entre os quatro primeiros na Série B do Campeonato Paulista. Acredita-se que chegarão mais seis titulares. Todos com o formato técnico e tático solicitados por Luiz Carlos Martins. Ele quer terminar a competição como um dos melhores ataques e uma das melhores defesa, como o Mirassol na Série B desta temporada, mas, agora, entre os quatro primeiros.


 


O 16º acesso ao longo da carreira não seria uma obra do acaso na vida de Luiz Carlos Martins. Ele sabe que os 60% de possibilidades de vencer um jogo durante os 90 minutos só se materializam se a base dos 40% de preparação durante a semana for intensa, meticulosamente cuidadosa, com detalhamento de ações individuais e coletivas.


 


O gol do zagueiro central que estranhamente tirou do banco de reservas nos últimos minutos para fazer dupla de ataque com um centroavante que não achava as bolas aéreas só saiu porque aqueles momentos eram de pleno ataque e de bolas que cruzavam a área adversária à espera de um cabeceador de qualidade. Um atacante de ofício sem a mesma característica jamais daria a resposta de que precisava.


 


O zagueiro bom nas bolas aéreas para salvar o time na defesa também pode, eventualmente, salvar o time no ataque, sem que necessariamente a origem do passe seja uma bola parada, de falta ou de escanteio, em jogadas de laboratório. Aí estão os 60% de uma vitória no gramado.


Leia mais matérias desta seção: Esportes

Total de 985 matérias | Página 1

05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André
26/07/2024 Futuro do Santo André entre o céu e o inferno
28/06/2024 Vinte anos depois, o que resta do Sansão regional?
11/03/2024 Santo André menos ruim que Santo André. Entenda
05/03/2024 Risco do Santo André cair é tudo isso mesmo?
01/03/2024 Só um milagre salva o Santo André da queda
29/02/2024 Santo André pode cair no submundo do futebol
23/02/2024 Santo André vai mesmo para a Segunda Divisão?
22/02/2024 Qual é o valor da torcida invisível de nossos times?
13/02/2024 O que o Santo André precisa para fugir do rebaixamento?
19/12/2023 Ano que vem do Santo André começou em 2004
15/12/2023 Santo André reage com “Esta é minha camisa”
01/12/2023 São Caetano perde o eixo após saída de Saul Klein
24/11/2023 Como é pedagógico ouvir os treinadores de futebol!
20/11/2023 Futebol da região na elite paulista é falso brilhante
16/10/2023 Crônica ataca Leila Pereira e tropeça na própria armadilha
13/10/2023 Por que Leila Pereira incomoda tanto os marmanjos do futebol?
10/10/2023 São Bernardo supera Santo André também no futebol
10/08/2023 Santo André prestes a liquidar R$ 10 mi de herança do Saged