O São Caetano lidera a Série B do Campeonato Paulista depois de cinco rodadas, com quatro vitórias e um empate. O São Bernardo ganhou menos da metade dos pontos que disputou na Série A do Campeonato Paulista, também passadas cinco rodadas. Independentemente da distância que separa as duas competições em investimentos, comparações não são despropositais. Filosofias de jogo independem do campeonato jogado.
Mas por enquanto quem se está dando melhor é o técnico Luiz Carlos Martins, chamado de Rei do Acesso. Seria melhor chamá-lo de Tite do Interior. Ele moldou um São Caetano no estilo precavido e incisivo de ser. Exercita como poucos a paciência e a determinação dos monges. Já Edson Boaro, o técnico do São Bernardo, é um manancial de surpresas. Nas últimas rodadas ele jogou o manual de previsibilidade e arriscou forte. Será que vai continuar assim, como espécie de revolucionário?
Só o tempo vai dizer qual é a melhor maneira de chegar ao objetivo numa competição. Valeria mais o comedimento e a arquitetura tática programada e de poucos sobressaltos de Luiz Carlos Martins ou a imprevisibilidade de Edson Boaro dos últimos jogos?
Teria Luiz Carlos Martins todos os motivos do mundo para manter a organização do São Caetano intocada? E Edson Boaro, voltaria atrás na premissa de que cada jogo deve ser tratado de forma individual, não como elemento estratégico, sinérgico, e definiria de vez o modo de jogar do São Bernardo?
Objetivos e meios
O que diferencia fundamentalmente o treinador do São Caetano do treinador do São Bernardo é o olhar estratégico sobre a competição que disputam.
Para Luiz Carlos Martins o que mais interessa é chegar entre os quatro primeiros colocados ao final de 19 rodadas da Série B e, com isso, recolocar o São Caetano na elite do futebol paulista.
Já o técnico Edson Boaro quer ver o São Bernardo classificar-se à Série D do Campeonato Brasileiro, preferencialmente incluído entre os oito finalistas da Série A Paulista. Se os objetivos estão claramente definidos, os meios são conflitantes mesmo.
Luiz Carlos Martins já definiu a estrutura coletiva do São Caetano na Série B e vem extraindo bons resultados. O time joga num 4-2-3-1 com equilíbrio entre defesa e ataque. Raramente o São Caetano se dá ao desfrute de atacar sem proteção e de proteger-se demais sem atacar.
Edson Boaro também adotou o 4-2-3-1, mas sai do oito de uma retranca sólida num segundo tempo pragmático da vitória de 1 a 0 no Interior contra o Penapolense para um oitenta de uma ofensividade camicase no segundo tempo do jogo com o Santos, no Estádio Primeiro de Maio, quando retirou da equipe os dois volantes de proteção e se lançou loucamente ao ataque. É inimaginável a qualquer equipe do futebol brasileiro enfrentar o Santos sem pelo menos um protetor da defesa. Boaro abriu mão dos dois inicialmente escalados.
A tradução das cinco primeiras rodadas do futebol do São Caetano e do futebol do Bernardo é que Luiz Carlos Martins praticamente veda qualquer possibilidade de ver retratado no sistema de jogo da equipe algo que se assemelhe a um coração enfartado, na forma de um gráfico com altos e baixos de mudanças táticas. Já Edson Boaro gosta de fortes emoções. Ele transmite a sugestão de que é adepto de competição em que se misturam a velocidade dos 100 metros rasos aos mais de 42 quilômetros de uma maratona, passando por incursões de bicicleta e mergulhos de natação.
Filosofias antagônicas
São Caetano e São Bernardo são totalmente divergentes na forma de jogar porque os treinadores que dirigem as duas equipes têm filosofias antagônicas em vários pontos. A principal é mesmo, do lado do São Caetano, o conceito de solidez tática independentemente das circunstancias do jogo, enquanto o São Bernardo é sinônimo de movimentos bruscos, surpreendentes. Luiz Carlos Martins não abre mão dos conceitos que aplica nos treinamentos exaustivos, repetitivos, doutrinários. Como os monges. Edson Boaro joga às favas o modelo de precaução da maioria dos treinadores.
O jogo em que o São Bernardo perdeu para o Santos por 1 a 0 no sábado de carnaval é emblemático do perfil de Edson Boaro: ele não teve dúvidas em retirar da equipe, no segundo tempo, os volantes Daniel Pereira e Carlinhos, marcadores por excelências, substituindo-os por dois jogadores mais ofensivos. Com isso, Marino, que vinha jogando como espécie de terceiro volante, com alguma liberdade para atacar, foi recuado a uma função que não sabe executar, de primeiro volante. Resultado: o São Bernardo criou duas oportunidades para marcar mas sofreu cinco contragolpes que poderiam ter transformado um placar discreto em goleada. E duas dessas oportunidades do Santos foram claramente construídas pelo meio, à frente dos zagueiros, no vácuo deixado pelos dois volantes de ofício que já estavam nos vestiários.
Já contra o Penapolense, quando o São Bernardo terminou o primeiro tempo com vantagem de 1 a 0, o técnico Edson Boaro correu para reforçar a marcação do meio de campo com a entrada de dois jogadores de características defensivas que se juntaram a Daniel Pereira, no caso o volante Carlinhos e zagueiro Márcio Garcia, e passou a explorar os contragolpes. O treinador radicalizou o fechamento de espaços defensivos depois de ver do banco de reservas que o Penapolense, com duas substituições ofensivas no intervalo do jogo, criou quatro oportunidades seguidas antes que se completassem 15 minutos. Foram retirados do time o meia de armação Cañete, ainda fora de forma, e o centroavante Lúcio Flávio, igualmente com fôlego curto. Já contra o Santos, Cañete e Lúcio Flávio foram mantidos no time durante todo o tempo. O São Bernardo esqueceu inteiramente os cuidados defensivos quando decidiu transformar o segundo tempo numa experiência de puro ataque.
É improvável para quem conhece o histórico de Luiz Carlos Martins que o São Caetano replique em condições normais de tempo e temperatura a maneira de jogar do São Bernardo de Edson Boaro. Martins é cuidadoso ao extremo. Ele sabe que para chegar ao Acesso precisa de regularidade na obtenção de pontos. Arriscar o mínimo possível no sistema defensivo, e surpreender no ataque com jogadas de laboratório.
Os times que Luiz Carlos Martins comanda costumam erigir as melhores estatísticas, além de resultados classificatórios. No ano passado o Mirassol contou com a melhor defesa e um dos melhores ataques da competição (o correto seria dizer sistema defensivo e sistema ofensivo) e só não subiu porque faltou um ponto na última rodada sempre sujeita a manobras de bastidores, quando a mala branca produz surpresas.
Quem apostar em Luiz Carlos Martins como comandante de um time que voltará à Série A do Campeonato Paulista e duvidar de Edson Boaro como profissional preparado para levar o São Bernardo à Série D do Campeonato Brasileiro incorrerá em risco de avaliação. Não existe matriz consagrada como fórmula de sucesso no futebol. Da mesma forma que equipes defensivamente fortes já comemoram sucessos, outras mais liberais e com vocação de ataque festejaram objetivos.
Há múltiplas formas de ganhar jogos e competições. Um sistema vitorioso para uma equipe não necessariamente é replicável a outra. Condicionantes técnicas, emocionais e ambientais pesam no rendimento de cada grupo durante os jogos. Um jogo aparentemente fácil de vencer vira tormento diante de imprevisto qualquer. Pontos desperdiçados em situação que fuja à normalidade fazem muita falta no final. Reduzir ao máximo variáveis fora do eixo idealizado é um dos caminhos ao sucesso.
É verdade que o modelo adotado por Edson Boaro no São Bernardo é pouco comum no futebol. Geralmente os treinadores sofrem na pele o risco de se excederem além da conta. Há sempre um preço a pagar mediante ousadias como a aplicada contra o Santos, quando se abriu mão dos dois volantes de contenção ante um adversário muito mais forte tecnicamente e historicamente doutrinado a atacar.
Edson Boaro talvez se sinta menos pressionado porque tem a segurança de que não será substituído na direção do São Bernardo por conta de eventual goleada advinda de mudanças improváveis. Ele tem amplo apoio do presidente Luiz Fernando Teixeira, inclusive por laços familiares.
Edson Boaro resistiu no ano passado após um empate desastroso ante o Rio Claro, no Estádio Primeiro de Maio, quando o São Bernardo terminou o primeiro tempo com vantagem de 3 a 1 e um jogador a menos. Poderia ter reforçado a marcação no meio de campo, com a reposição de um volante que substituísse Daniel Pereira expulso, mas não alterou a forma de jogar da equipe. Sofreu cinco gols em 15 minutos e só alcançou o empate de 5 a 5 porque o técnico adversário não soube usufruir da vantagem no placar e de contar com um jogador a mais. Aqueles dois pontos perdidos em casa tiraram o São Bernardo da Série D do Brasileiro e da fase de mata-mata do Paulista.
Rodadas definidoras
Certo mesmo é que as próximas cinco rodadas da Série A e da Série B do Campeonato Paulista vão proporcionar situações mais claras sobre o que será do São Bernardo e do São Caetano. Mais precisamente do que será do São Bernardo comandado por um técnico que não aceita outra situação ao final da competição que não seja uma vaga na Série D do Campeonato Brasileiro. O São Caetano de Luiz Carlos Martins praticamente não sofrerá mudanças táticas depois de somar 13 pontos em 15 possíveis. Com a gordura acumulada parece evidente que Luiz Carlos Martins vai exercitar como nunca a capacidade de administrar a tabela de pontos tendo a vantagem sobre Edson Boaro de que já definiu praticamente os 11 titulares nas rodadas iniciais, enquanto o treinador do São Bernardo procura soluções para meio de campo e ataque também porque perdeu vários potenciais titulares por causa de contusões.
Se Luiz Carlos Martins mostra-se cada ver mais destinado a ganhar o título de Tite do Interior, pela forma com que harmoniza os interesses do elenco em torno de uma proposta tática e de uma vereda estratégica, Edson Boaro parece cada vez mais decidido a surpreender e a se destacar como um estranho no ninho do futebol, ou seja, alguém que não tem medo de jogar o time todo na defesa ou integralmente no ataque, de acordo com as conveniências e os infortúnios do placar.
Luiz Carlos Martins tem a devoção dos monges. A Boaro estaria destinado o papel de pretenso revolucionário. Seria bom que não exagerasse tanto quanto na escalação do fora de forma e fora de ritmo zagueiro Alex Silva para jogar como volante-volante durante 90 minutos contra o XV de Piracicaba. Foi um acesso de loucura tática que não se repetiu em nenhum jogo posterior. Menos mal. Os revolucionários que se excedem costumam quebrar a cara.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André