Esportes

Quem tem méritos no
título do Santo André

DANIEL LIMA - 08/07/2004

Há alguns pontos de vista sobre a conquista da Copa do Brasil pelo Esporte Clube Santo André, semana passada, que precisam ser devidamente enfocados. A ordem expositiva de idéias não obedece, necessariamente, o ranking de importância:

 

Primeiro: a administração municipal de Santo André tem parcela significativa no resultado final porque, a partir da eleição do prefeito Celso Daniel, em janeiro de 1997, iniciou-se a aproximação com o clube. Na medida em que o São Caetano de uma Prefeitura comandada por Luiz Tortorello chegou às manchetes nacionais e internacionais, mais o Paço Municipal se sentiu tentado a colaborar com o clube.

 

Segundo: o prefeito Celso Daniel delegou a Klinger Sousa todo o aparato de sensibilização de parceiros comerciais do Santo André porque entendia que seu menino de ouro precisaria de densidade popular para chegar ao comando do Paço Municipal nas eleições de 2004. Klinger Sousa foi em frente e jamais escondeu dos interlocutores que sua atenção ao Santo André brotava de interesses públicos decorrentes das vantagens institucionais da imagem vitoriosa do futebol, como mostrava o São Caetano, e também de benefícios políticos.

 

Terceiro: o Santo André nunca se subjugou gerencialmente, em qualquer instância diretiva, a eventuais surtos de absolutismo do Paço Municipal que, a bem da verdade, jamais se manifestaram. A ponte que ligou a administração pública e o clube jamais se consumou deletéria, nem ao menos resvalou na quebra de relacionamento ético. A Prefeitura colaborou com o clube nos momentos mais difíceis sem a contrapartida de concessões espúrias.

 

Quarto: a conquista da Copa do Brasil apresenta notório recall positivo ao Paço Municipal, porque a exposição da equipe sobretudo pela transmissão da TV Globo determinou a recuperação de boa parte da imagem destrutiva que atingiu Santo André desde o assassinato de Celso Daniel, passando por denúncias político-eleitorais sobre esquema de propinas. É estultice negar que uma fotografia que mostre o momento eleitoral de Santo André colará a imagem do Paço à equipe de futebol que carrega o nome da cidade. Tanto é verdade que opositores políticos do Paço também fizeram manobras de marketing para usufruir da euforia geral que tomou conta da cidade. Entretanto, imaginar que o título por si só já elegeu o atual prefeito é simplificar a engenharia política. 

 

Quinto: o Santo André campeão da Copa do Brasil é resultado de outros fatores de competências, casos de uma diretoria enxuta mas focada numa equipe competitiva, um técnico inovador, um grupo de jogadores unidos, uma torcida que jamais negou apoio e um grupo de patrocinadores que não deixou a peteca cair nos momentos mais delicados. O que se viu em campo foi o corolário de uma série de medidas, não a benção pura e simples de um time e de uma cidade com denominação de santo.

 

Sexto: o Santo André que chegou à glória de um título nacional não é resultado de uma única administração. Trata-se de um edifício construído ao longo de anos, a partir de 1967, quando foi fundado. Experiências de sucessos e fracassos definem a história de um clube como de uma Nação. O aprendizado constante conduz à racionalidade estratégica e tática. Da mesma forma que um Município é bom ou ruim como consequência de uma série de acontecimentos históricos, num clube de futebol o passado conta muito no presente e também no futuro.

 

Sétimo: opositores políticos de Santo André que já passaram pela direção do Santo André -- casos específicos de Newton Brandão e Duilio Pisaneschi -- também têm um pedaço de contribuição no sucesso atual da equipe. Desconsiderá-los é mais que ofensa, é a própria negação do enunciado de que só é possível encontrar a civilização nos níveis culturais de hoje por causa da interferência do passado. Entretanto, elevar a participação de ambos além da linha histórica é conferir igualdade de importância ao sucesso de um vôo entre uma aeromoça e o comandante da tripulação.

 

Oitavo: o prefeito João Avamileno foi comedido e cortês na medida do possível ao recepcionar os jogadores no Paço Municipal e dizer, ao microfone, que aquela conquista era a mais importante do esporte regional em todos os tempos. Entretanto, escorregou no tomate da soberba no artigo que assinou no Diário do Grande ABC de domingo quando, ao fazer referência sobre o título, espicaçou os demais clubes da região e o Flamengo, quando, de fato, pretendia, inadvertidamente também, cutucar o rival São Caetano do adversário político Luiz Tortorello.

 

Nono: não se pode perder de vista que entre a conquista da Copa do Brasil e as eleições de 6 de outubro há um fosso temporal que reduzirá o impacto dos efeitos positivos do sucesso. Dependerá da graduação de um marketing bem ou mal dirigido a capacidade de minimizar ou potencializar o grau de perda da memória do sucesso. Um fator inquietante está no horizonte praticamente coincidente com o pleito de outubro em forma de bumerangue e anticlimax, com o Santo André ameaçado de rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro. O destaque que se venha a dar sobre eventual catástrofe comprometeria boa parte do legado da Copa do Brasil em termos eleitorais para os maiores beneficiários públicos da conquista no Maracanã. 



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