O São Caetano frustrou demais os oito mil torcedores que foram sexta-feira à noite no Estádio Anacleto Campanella no jogo decisivo contra o Botafogo de Ribeirão Preto. O zero a zero garantiu acesso à Série C do Campeonato Brasileiro ao time do Interior e colocou o São Caetano fora do circuito nacional de futebol pelo menos até o ano que vem. Foram 18 temporadas consecutivas no calendário da CBF e a 43ª posição no ranking da entidade, o qual leva em conta os resultados dos últimos cinco anos. Agora o São Caetano está na Sexta Divisão Brasileira. Como o Santo André. Isso significa que o calendário do ano que vem vai se limitar praticamente a três ou quatro meses do primeiro semestre.
Por que o São Caetano, detentor da melhor campanha da fase classificatória, fracassou nas quartas de final diante de um Botafogo que só garantiu a vaga na última rodada e, reconhecidamente, é menos gabaritado?
Construímos um edifício explicativo que comporta seis andares de complicações sobrepostas para chegar à conclusão que a festa feita pelo visitante tem maior peso de responsabilidade do próprio São Caetano. Não que isso signifique que o Botafogo não se fez merecedor da classificação. A premissa de que o que interessava ao time visitante era voltar com vaga foi rigorosamente cumprida. Não teria sido se o São Caetano jogasse mais tempo do que os 25 minutos finais com a intensidade indispensável para quem precisava de apenas um gol para chegar ao objetivo traçado.
Sim, nos últimos 25 minutos, quando o adversário estava reduzido a 10 jogadores e o São Caetano se acertou com a entrada de Xuxa na organização tática, o resultado poderia ter sido outro. Mas o goleiro Neneca fez grandes despesas. Paradoxalmente, esses 25 minutos ajudam a incriminar o comportamento do São Caetano porque provam que era possível ter atuado com postura mais agressiva. Não só não foi assim como esticou o jogo excessivamente frio durante dois terços dos 90 minutos.
O Botafogo jogou de forma semelhante ao São Caetano durante todo o primeiro tempo em Ribeirão Preto, na semana anterior, mas fez do gramado do Estádio Santa Cruz campo de guerra na etapa final, quando dominou o adversário, fez dois gols, perdeu um pênalti e poderia ter aumentado a diferença. Vejam os pontos que interferiram diretamente no resultado final:
Desarranjo tático
Para quem jogava em casa contra adversário reconhecidamente menos qualificado e, mais ainda, com a única opção de ganhar por vantagem suficiente que garantisse a classificação, o São Caetano se equivocou totalmente. Foi escalado em conflito com a exigência de vitória. A matriz de todas as demais deficiências concentrou-se na composição do grupo que entrou em campo. O lateral-direito Ângelo, titular durante todo o campeonato, ficou no banco de reservas, substituído por Arthur. Uma bobagem porque Arthur é um zagueiro que virou lateral de pouca mobilidade e velocidade, enquanto Ângelo é essencialmente um lateral-ala, desses que se projetam em direção à linha de fundo ou entram em diagonal.
Sem Ângelo, foram poucas as incursões do São Caetano pela direita. Sobrou a alternativa de apoio ao ataque do lateral-esquerdo Bruno Recife. Entretanto, o técnico do Botafogo, Marcelo Veiga, foi esperto: ao perceber que Arthur não oferecia riscos pela direita, deslocou o atacante Francis à direita do ataque, para inibir ou para acompanhar os avanços ao ataque de Bruno Recife e, também, puxar os contragolpes em velocidade. Com isso, o São Caetano ficou sem saída fértil pelas laterais.
A explicação para a escalação de Arthur, de fortalecimento defensivo e principalmente nas bolas aéreas, não se ajusta à imperiosidade de o São Caetano atacar para valer desde o início do jogo. Seria mais coerente se Arthur tivesse sido titular em Ribeirão Preto. Lá, o Botafogo atacou pela esquerda com Francis, aproveitando-se dos avanços de Ângelo.
Mas os problemas se estenderam a outros setores: os volantes Leandro Carvalho e Esley raramente foram vistos com qualidade no campo de ataque. Uma situação que sacrificou a atuação de Daniel Costa, isolado e longe do centroavante Jô, sempre contido por dois zagueiros. Ricardinho substituiu a Robson, cumprindo suspensão automática, mas ficou isolado por conta da ausência de Bruno Recife como companheiro. Sobrava com alguma liberdade o meia Neto, que se movimentava entre os setores, mas não tem a velocidade nem a agilidade de um meia-atacante. Está mais para a função de segundo volante do que de segundo ou mesmo terceiro atacante. Poderia ter atuado ao lado de Esley no meio de campo.
Com isso, Xuxa teria iniciado o jogo. Não se pode esquecer que só a vitória interessava ao São Caetano e que essa formação não enfraqueceria o sistema defensivo. Xuxa é um meia-armador tradicional, talhado para jogos em que sua equipe precisa de gols e o adversário planta-se todo na defesa.
Posse improdutiva
Com tantos problemas de ordem técnica e tática, o São Caetano passou quase todo o jogo num inútil exercício de controle da posse de bola sem capacidade de penetração. Dependeu o primeiro tempo inteiro de cobranças de faltas geralmente da intermediária, todas batidas por Neto. Cobranças de baixa contundência porque frontais e com velocidade convidativa à neutralização.
Como se o regulamento determinasse que quem conseguisse mais a posse de bola ganharia um gol de bônus ao final dos 90 minutos, o São Caetano não se deu conta, durante quase todo o jogo, de que cada minuto de girar inútil da bola para lá e para cá era um minuto a menos para construir o resultado de um a zero bastante factível. Afinal, o adversário, durante principalmente todo o primeiro tempo, não fez outra coisa senão recuar inteiramente, fechar as entradas da área e reduzir ao máximo os espaços à penetração.
Baixa intensidade
Mesmo com problemas técnico-táticos, o São Caetano poderia ter desempenho coletivo mais próximo do necessário para sair de campo com a vitória. Deveria, para tanto, aumentar a intensidade dos passes, a mobilidade dos jogadores, as ultrapassagens e as triangulações. Nada disso se viu até os 25 minutos do segundo tempo, quando o Botafogo foi reduzido a 10 jogadores ao perder o melhor do jogo, Vitinho, expulso corretamente pelo árbitro.
A morosidade do São Caetano contrastava com a imperiosidade de fazer o resultado e também com o mais que surpreendente entusiasmo de uma torcida que foi ao estádio exclusivamente para apoiar a equipe.
É incompreensível que num jogo de tamanha importância, porque o contraponto do acesso à Série C do Campeonato Brasileiro era a fuga da Sexta Divisão do futebol brasileiro, o São Caetano tenha se mantido em fogo brando durante a maior parcela do jogo. Era necessário botar fogo na canjica, incomodar o adversário nitidamente orientado a defender e defender.
Se o São Caetano repetisse a atuação da virada contra o Água Santa, no hostil estádio da equipe de Diadema, pela Série B do Campeonato Paulista deste ano, tudo poderia ser diferente. Mas optou por jogar com um sustentáculo de racionalidade exagerada. Mata-mata é uma competição diferente, mas o São Caetano não se apercebeu disso. Jogou como jogou na fase de classificação, quando os pontos em disputa não eram decisivos na individualidade de cada rodada.
Dispersão ocupacional
Como se não tivesse tido dois meses de preparação e a própria competição em si para apurar as linhas, o São Caetano se perdeu na ocupação do espaço de jogo. Manteve buracos demais entre defesa, meio de campo e ataque. Ainda no primeiro tempo houve ajustes que não comprometiam o conjunto, mas no segundo tempo, até a expulsão de Vitinho, o São Caetano permitiu ao Botafogo a construção de contragolpes geralmente pela direita, às costas de Bruno Recife, ou com Nunes mesmo lento, mas experiente o suficiente para encontrar espaços às costas dos zagueiros de área.
Mesmo com o jogo excessivamente lento, o São Caetano oferecia espaços demais entre a defesa excessivamente recuada e o meio de campo fortemente refratário à compactação. Foram muitas as vezes em que o São Caetano perdeu a chamada segunda bola, ou seja, a bola que, rebatida por zagueiros, não encontrava imediata recuperação. Quem perde a segunda bola com frequência assina atestado de que está desconectado do jogo coletivo.
Baixa mobilidade
Chegou a ser irritante o modo com que os jogadores do São Caetano atuaram durante pelo menos dois terços do jogo – ou seja, até que Wesley e Xuxa entrassem na equipe e que Vitinho fosse expulso. Um torcedor desavisado poderia acreditar que o São Caetano se travestiu de equipe de soldados de bronze. Havia baixíssima movimentação individual em favor do coletivo. Os jogadores permaneciam quase que intransigentemente presos aos respectivos microterritórios. Faltavam infiltrações, deslocamentos, idas e vindas que confundissem a forte marcação adversária.
Desequilíbrio emocional
Faltou ao São Caetano a expressão mais palpável de que o aspecto motivacional não fora torpedeado pelo equilíbrio emocional. Manter-se aparentemente no eixo adequado do vetor emocional à custa de esfriamento do ímpeto técnico e tático não é a melhor saída para vencer um jogo. Existe um limite integrador que permite o ajuste entre entusiasmo em busca de um resultado e comedimento disciplinar.
Um time com garra e dedicação física em alguns momentos exageradas não é obrigatoriamente um time em desequilíbrio. O Botafogo provou nos dois jogos das quartas de final, mas principalmente em São Caetano, que encontrara o meio termo para não afrouxar a combatividade física por causa de eventuais complicações disciplinares.
O São Caetano pareceu hipnotizado pela ideia de seguir como a equipe mais disciplinada do campeonato e se esqueceu de jogar com mais volúpia. Nem a expulsão de Vitinho retira do Botafogo o selo de casamento perfeito entre motivação e disciplina, porque o lance foi técnico – ele obstou um contragolpe na intermediária defensiva do São Caetano.
A sucessão de fracassos do São Caetano em seu próprio estádio desde 2012, quando poderia ter voltado à Série A do Campeonato Brasileiro, talvez mereça avaliação mais minuciosa. O excesso de zelo técnico e tático de sexta-feira contra o Botafogo pode ensejar duas avaliações antagônicas: ou o time está com síndrome de fracasso porque carrega o peso do passado de glórias ou entra em campo carregando uma história de tanto sucesso que se imagina suficientemente forte para ganhar o jogo quando bem entender.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André