Não conto com estudo específico e provavelmente nem o estatístico-esportivo Paulo Vinícius Coelho o tenha, mas acho que vale a pena colocar em dúvida essa história de que em etapas de mata-mata tudo volta à estaca zero. Ou seja: as equipes classificadas contam com as mesmas possibilidades de chegar ao objetivo desejado, independente do desempenho na fase classificatória. Sei que há inúmeros casos de azarões que se tornaram campeões, e de campeões em potencial que viraram sucata, mas serão esses casos fundamentadamente asseguradores da máxima de tudo zera nesse tipo de disputa?
A fase de mata-mata da Série B do Campeonato Paulista começa para a região neste sábado à tarde quando o Santo André vai enfrentar o São Caetano no Estádio Bruno Daniel. O Santo André se classificou na bacia das almas, na oitava e última colocação, com 29 pontos ganhos. O São Caetano terminou em primeiro, com 39 pontos.
Será que a diferença de rendimento de 25% viraria pó por conta tanto do conceito propagado de que mata-mata mata tudo que vem do passado recente e também porque se trata de um clássico e, como todos dizem, em clássico tudo é possível?
Está certo que o River Plate saiu da última posição classificatória na Taça Libertadores da América do ano passado e eliminou o Boca Júnior, primeiro colocado, e terminou como campeão da competição. Está certo que o Santos chegou em oitavo e último lugar em 2002 no Campeonato Brasileiro e ganhou o título na final contra o Corinthians. Está certo que há muitos e muitos exemplos semelhantes. Mas o que ninguém respondeu até agora é sobre o percentual de equipes que terminaram em primeiro na etapa classificatória e se deram mal nas fases seguintes de mata-matas. Ou, mais importante e relevante que isso, qual é o potencial estatístico de um oitavo colocado chegar ao título?
Um mata-mata diferente
Há mata-matas que precisam ser bem explorados para que conclusões não carreguem distorções. O mata-mata da Série B do Campeonato Paulista é diferente do mata-mata da Copa do Brasil e da Taça Libertadores, entre muitas outras competições.
O mata-mata da Série B não leva em conta a melhor campanha de uma equipe que disputa os dois jogos decisivos e se classifica automaticamente à etapa seguinte se somar os mesmos pontos e saldo de gols do adversário. Explico: se o Santo André vencer o São Caetano neste sábado por um gol de diferença e perder no sábado seguinte também por um gol de diferença, a decisão será levada às penalidades máximas. A melhor campanha do São Caetano não terá valido nada. Não seria um passaporte automático às semifinais.
Na Copa do Brasil e na Libertadores, por exemplo, pesa antes da decisão final o gol qualificado como critério máster. Gol qualificado significa que, em caso de igualdade de pontos e de saldo de gols entre duas equipes, passa à etapa seguinte quem marcou mais gols como visitante. Persistindo a igualdade, aí sim se recorreria à cobrança de penalidades máximas.
Favoritismo diminuído
Da forma que será disputada a fase de mata-mata da Série B do Campeonato Paulista, o favoritismo de quem fará o segundo jogo em casa é menos proeminente. E ainda é menor em situação de alta beligerância histórica, como a do clássico entre São Caetano e Santo André.
Mesmo assim, com todas essas ressalvas, salto mais uma vez do muro, como o fiz no recente jogo entre as duas equipes, para apontar o São Caetano como favorito. O maior adversário do São Caetano é exatamente o maior responsável pelo sucesso da equipe na fase classificatória da competição: o técnico Luiz Carlos Martins, chamado de Rei do Acesso.
Vou explicar por que desconfio do treinador do São Caetano: ele é tão metódico, tão organizado, tão comedido, que, quando é preciso um pouco de ousadia, de imprevisibilidade responsável, acaba por dar com os burros nágua pela inação de movimentos táticos. Foi assim no mata-mata da Série D do Campeonato Brasileiro do ano passado. O São Caetano fez a melhor campanha, mas caiu nas quartas de final diante do Botafogo de Ribeirão Preto, que chegou em penúltimo lugar entre os classificados. A frieza do São Caetano sucumbiu diante de um adversário fortalecido emocionalmente pelo ambiente de decisão.
São tantas as diferenças que separam o São Caetano do Santo André dentro e fora de campo que somente a história e a situação especial de mata-matas explicariam eventual surpresa ao final dos dois jogos -- no caso a eliminação do time que mandará o jogo de volta.
Seletividade de tempo
Entretanto, como o São Caetano joga invariavelmente abaixo do limite potencial, desprezando os 90 minutos como fonte de aplicação de todos os recursos, e optando por apenas 30 minutos de determinação e intensidade, a classificação do Santo André não pode ser descartada. Bastará para tanto à equipe do técnico Toninho Cecílio jogar no limite máximo do que é capaz e o São Caetano no limite normal de tantos jogos, ou seja, sempre abaixo do que pode apresentar.
Será o São Caetano mais uma vez um time previsivelmente morno, como é a característica do técnico Luiz Carlos Martins? Será o Santo André um time matreiramente morno como é a característica circunstancial do técnico Toninho Cecílio? Toninho Cecílio tem sido à frente do grupo matreiramente morno porque sabe que o elenco não comporta, pelo baixo preparo de pré-temporada, e muitos tropeços físicos, ritmo eletrizante.
Toninho Cecílio fez do Santo André uma equipe armadilhesca, que joga com suposto desinteresse, com posse de bola pouco progressiva até que, de repente, dá uma espetada no adversário.
O São Caetano é menos explícito nessa artimanha porque se excede na posse de bola de baixa profundidade. A bola fica por tempo demais no meio de campo do São Caetano. Diferentemente, portanto, do Santo André, que faz do meio de campo um deserto de criatividade e imaginação ao coalhar de volantes.
Vantagens relativas
Faltam valores individuais em forma física e ritmo de jogo para o Santo André ditar o ritmo dos jogos com maior ofensividade. O São Caetano tem tudo isso de sobra, mas insiste em fazer a bola circular demais para não perder o controle tático que nem sempre se traduz em vantagem no placar. Principalmente em jogos de elevação da temperatura emocional.
O mata-mata da Série B que envolve Santo André e São Caetano será decidido em larga escala no banco de reservas. O agitado Toninho Cecílio e o sempre gelado Luiz Carlos Martins são antagônicos no comportamento mas, no fundo, no fundo, são semelhantes na maneira com que pretendem chegar à classificação à semifinal. Toninho Cecílio faz o Santo André fingir-se de morto. Luiz Carlos Martins faz o São Caetano sentir-se controlador.
Quem vai prevalecer? Quem tiver mais ousadia -- porque mata-mata se decide mesmo com o auxílio do coração. Quem vai ter ritmo cardíaco mais ajuizadamente produtivo?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André