Esportes

São Bernardo e Água Santa:
tudo é questão de meritocracia

DANIEL LIMA - 11/04/2016

O São Bernardo não chegou por acaso à fase da mata-mata da Série A do Campeonato Paulista nem o Água Santa foi rebaixado pelo imponderável à Série B ao final da rodada de ontem, a última da fase de classificação. Desde a chegada do técnico Sérgio Soares o time de São Bernardo mudou completamente a maneira de jogar, como registrei nesta revista digital. E o Água Santa foi se desmilinguido a cada rodada porque seus adversários criaram antídotos que anularam suas principais peças e o jeito de jogar repetitivamente em bolas longas. A meritocracia coletiva imperou nos dois casos, para o bem e para o mal.

O Água Santa precisa se reciclar porque tem síndrome de time de várzea, como se viu no jogo de ontem ao atrasar deliberadamente o início do jogo e também a volta dos vestiários na tentativa de burlar a ética para supostamente aproveitar eventual desinteresse do adversário decidido a buscar uma vaga no mata-mata.

E o São Bernardo, que vive o pior momento econômico de sua história, com dificuldades de caixa depois que fontes de financiamento secaram com os desdobramentos do escândalo do Petrolão, organizou o melhor time desde que subiu para a primeira divisão do futebol de São Paulo. Bastou não ter dinheiro de sobra, contratar um técnico qualificado mesmo durante a competição para que se trabalhasse com o que se dispunha, sem invenções. Quando há excesso de dinheiro geralmente se fazem bobagens. Na escassez sempre é possível encontrar saídas mais apropriadas.

Aprendizado importante

Tudo isso é um aprendizado que leva tempo. Santo André e São Caetano passaram por isso durante muito tempo. Até serem rebaixados. O desafiador no futebol é que as glórias e os fracassos do presente e do passado devem ser analisados com muito cuidado e atenção. O São Bernardo também voltou à Série B no primeiro ano de disputa da chamada divisão de elite. De lá para cá são quatro edições. Nas anteriores, flertou com o rebaixamento até a última rodada. Nesta, chega finalmente à vitrine do mata-mata. Pode fazer dinheiro com a negociação de jogadores e sair do atoleiro em que se meteu.

Quem acompanha o andar da carruagem das equipes da região nas duas versões do Campeonato Paulista e, principalmente, o ranking que criei para analisá-las, teve a oportunidade de verificar que a ascensão do São Bernardo de Sérgio Soares foi uma caçapa cantada.

Se nas primeiras rodadas da Série A o São Bernardo era a melhor equipe da região, nas rodadas seguintes caiu para a quarta posição. Com Sérgio Soares o São Bernardo retomou a caminhada rumo à liderança. Tanto que na edição de 28 de março o título que utilizei não deixava dúvida: “São Bernardo cresce e já é a melhor equipe da região”.

Avançando sempre

Reproduzo alguns dos parágrafos testemunhais do processo de evolução da equipe que coloca a região entre as melhores da Série A desta temporada: 

 Na reta de chegada da fase classificatória da Série A e da Série B do Campeonato Paulista, o São Bernardo é a melhor entre os quatro equipes da região. Vêm a seguir São Caetano, Água Santa e Santo André. O novo ranking é resultado de observações nas ultimas rodadas. Desde a chegada do técnico Sérgio Soares, o São Bernardo virou de ponta cabeça o esquema tático. A goleada de 4 a 1 no final de semana no Interior contra o Rio Claro mostrou um time mais uma vez solto, ofensivo, utilizando esquema semelhante ao de Tite, no Corinthians, com apenas um volante (Daniel), quatro jogadores mais à frente (Marino, Jean Carlos, Cañete e Waldison) e um atacante com mobilidade mais restrita (Henan). Um time que procura atacar e defender com o máximo possível de jogadores. E que por isso mesmo surpreende adversários engessados por práticas conservadoras. (...). A três rodadas do final da etapa classificatória da Série A, o São Bernardo não só se afastou da zona de rebaixamento dos seis últimos colocados como passou a alimentar expectativa de classificação à fase de mata-mata, como um dos oito primeiros colocados -- dois de cada um dos quatro grupos. (...) O que diferencia as duas equipes (São Bernardo e Água Santa) em termos de perspectivas é que o São Bernardo consolida rodada a rodada os ensinamentos do técnico Sérgio Soares, especialista em futebol ofensivo. (...) Mas o time de Diadema está muito atrás dos avanços do São Bernardo de Sérgio Soares. De time ultradefensivo, que vivia de contragolpes, o São Bernardo tornou-se protagonista com ocupação do meio de campo, triangulações laterais e centrais, combatividade em todos os setores e surpreendente poder de contragolpe. A derrota no meio de semana diante do Corinthians por três a zero foi um acidente numérico. Não fosse a expulsão do atacante Tatá no final do primeiro tempo, o jogo teria sido menos desigual no segundo. O São Bernardo surpreendeu o Corinthians no primeiro tempo com marcação alta e muita aplicação defensiva. (...) O São Bernardo ultrapassou o São Caetano no ranking regional neste final de semana porque confirmou o avanço técnico e tático das rodadas anteriores enquanto o concorrente segue jogando com excesso de cautela. A derrota do São Caetano em casa para o União Barbarense foi consequência disso -- escrevi naquela data.

Água morro abaixo

Se cantei a caçapa do São Bernardo, também não faltou juízo na definição do desempenho do Água Santa na competição. Leiam alguns trechos da matéria que escrevi na edição de 14 de março sob o título “Só Água Santa não evoluiu na rodada do final de semana: 

 O futebol da região representado por quatro equipes que disputam a Série A e a Série B do Campeonato Paulista ganhou apenas cinco dos 12 pontos no final de semana, mas demonstrou que está em evolução na reta de chegada da fase de classificação. Exceto o Água Santa. A equipe de Diadema, derrotado pelo Santos sábado no Pacaembu por um a zero, continua a jogar sem engenharia tática. Como se ainda disputasse um campeonato de acesso de muita transpiração. (...) Faltam apenas seis rodadas para o final da fase classificatória das duas competições. Resta saber qual será o futuro das equipes da região. (...) Já o Água Santa e o São Bernardo precisam de superação para escapar do rebaixamento à Série B do ano que vem. A vantagem do São Bernardo é que o técnico Sérgio Soares está tendo tempo para organizar a equipe que jogou apenas duas vezes nos últimos 15 dias e terá mais uma semana inteira para se preparar. O Água Santa pratica um futebol que se pauta pelo voluntarismo e o pragmatismo. Deixa muito a desejar pela quase ingenuidade de acreditar que pode atacar sem cuidar do sistema defensivo. O um a zero contra o Santos poderia ter sido muito mais. Além disso, a equipe comete infrações demais. Tanto que ficou com apenas 10 jogadores diante do Santos. (...) O Água Santa de Diadema precisa aprender que Série A não é Série B. Parece óbvio, mas o técnico do Água Santa ainda não descobriu que não é possível permitir que o adversário tenha tanta liberdade com a bola dominada. Está certo que o Santos é quase uma exceção que combina técnica e velocidade, além de muita movimentação, principalmente nas jogadas em diagonal, mas o equívoco já se manifestou em outros jogos: o Água Santa permite o controle do jogo pelo adversário ao acreditar que basta ter voluntarismo. É preciso mais que isso: engenharia tática para fechar os espaços defensivos. O time que é especialista em contragolpes, sempre com lançamentos em profundidade, principalmente em diagonal para o atacante Everaldo, está sendo minado pelos adversários, que descobriram como reduzir o grau de risco. Poucas vezes diante do Santos o Água Santa deu sinais de vitalidade ofensiva. E durante todo o jogo foi tão mal defensivamente que o goleiro Richard se tornou o melhor em campo. Quando o goleiro é o melhor do jogo, alguma coisa está fora do lugar. O Água Santa desdenha do nível de acertos dos adversários. Imagina-se ainda integrante da divisão de acesso. Série A é, em média, uma competição para poucos erros. Principalmente nos jogos diante dos grandes.

Vitória com sobras

A vitória de ontem do São Bernardo em pleno Estádio Distrital de Diadema mostrou que futebol pode eventualmente não ter lógica durante 90 minutos, mas o conjunto da obra classificatória não deve ser desprezado. Não se tem notícia de time inexpressivo campeão. O encadeamento técnico-tático do São Bernardo de Sérgio Soares mostra aos abobalhados que repetem frases inócuas -- como a de técnico não ganha jogo -- que um comandante competente coloca as coisas nos devidos lugares. O São Bernardo sobrou contra um Água Santa voluntarioso de sempre. Um a zero foi pouco para um time que surrou o amedrontamento comum das equipes brasileiras em jogar fora de casa e num ambiente hostil com apenas um volante – Marino – que está longe de ser um simples cabeça de área, porque sai a todo instante campo adversário adentro.

O time de Diadema não caiu numa ou duas rodadas, como fiz questão de registrar a cada semana neste espaço. O desequilíbrio foi contínuo. Diferentemente, portanto, do Santo André do técnico Toninho Cecílio e do São Bernardo de Sérgio Soares. Só o São Caetano de Luiz Carlos Martins segue na toada de sempre. Bom para fazer estatística, mas nada confiável para voltar à Série A.



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