Esportes

Santo André foi à guerra e
São Caetano a jogo comum

DANIEL LIMA - 11/04/2016

Apresento a seguir quase duas dezenas de razões que explicam a vitória do Santo André no clássico de sábado no Estádio Bruno Daniel pelas quartas de final da Série B do Campeonato Paulista. O resultado de dois a um foi uma dádiva ao São Caetano. Fosse o Santo André menos limitado individualmente, o São Caetano teria sofrido derrota praticamente irrecuperável no jogo de volta, sábado no Estádio Anacleto Campanella.

O Santo André foi arrasador e brilhante durante quase todo o tempo. O São Caetano foi a rotina de sempre: joga como se pudesse converter posse de bola em gols a qualquer momento.

O técnico Toninho Cecílio amarrou o São Caetano depois de assistir a vídeos de quatro jogos disputados pela equipe adversária. O técnico Luiz Carlos Martins caminha para colecionar mais um fracasso seguido no São Caetano, sempre na fase mais aguda da competição. Foi assim na Série B do Campeonato Paulista e, na sequência, na Série D do Campeonato Brasileiro do ano passado. De chamado Rei do Acesso, Luiz Carlos Martins está se transformando em Rei da Estatística no São Caetano: o time apresenta currículo de números impressionantes, mas nada, nada e morre na praia da reta de chegada.

O resultado de sábado mantém o São Caetano na disputa pela vaga na semifinal do campeonato, mas não há indicativos de que possa mudar a história de jogos desse clássico quando disputado no Estádio Anacleto Campanella: em nenhum dos jogos realizados ao longo da história o São Caetano ganhou um sequer por vantagem de mais de um gol como mandante. Mais que isso: os confrontos são sempre problemáticos para o São Caetano, assim como o são para o Ramalhão em Santo André: o adversário pode causar estragos. Em 14 jogos realizados no Estádio Lauro Gomes até agora, o São Caetano venceu cinco, empatou cinco e sofreu quatro derrotas. Um aproveitamento de 47,6% dos pontos disputados. Nada tranquilizador para quem pretende evitar a sempre indesejável disputa de penalidades máximas. Já no Estádio Bruno Daniel, o Santo André venceu seis vezes o clássico, empatou seis e perdeu cinco. No cômputo geral, 10 vitórias para o São Caetano, nove para o Santo André e 11 empates.

Agora, entenda o que aconteceu no clássico de sábado que contou com quase cinco mil pagantes no Estádio Bruno Daniel numa tarde de muito sol:

1. O Santo André fez do jogo verdadeira decisão, mobilizado durante todo o tempo. O São Caetano jogou como se fosse uma disputa natural, de três pontos, do qual abdicou desde o início em favor de um empate que levaria a decisão com certa folga ao Estádio Anacleto Campanella. Fosse possível medir a soma de quilômetros consumidos pelos jogadores, certamente o Santo André ganharia de lavada. Não à toa terminou com dois jogadores em petição de miséria física, arrastando-se em campo. Nada surpreendente para um time que passou por sérias dificuldades de preparação na temporada e que teve de se exceder em tudo para arrancar a vitória.

2. O técnico Toninho Cecílio fez de um calcanhar de Aquiles da equipe uma força contínua: os laterais Apodi e Paulo, frágeis na marcação, contaram com todas as condições táticas para explorar o ataque, o ponto forte de cada um deles. Principalmente o lateral-esquerdo Paulo contou com jogadas programadas em treinamentos para explorar a improvisação de Gercimar na lateral-direita do São Caetano; e depois de Paulo Santos, substituto do improvisado titular por causa de cartão amarelo.

3. O técnico Toninho Cecílio neutralizou as duas válvulas de escape de um adversário que invariavelmente mantém dois jogadores de contenção à frente da defesa – Esley e Ferreira – ao marcar a subida dos laterais Gercimar e Bruno Recife. Garré foi muito importante na operação, tanto quanto um dos três volantes que escalou – Dudu, Antenor e Thiago Ulisses. Ao fechar o corredor por onde o São Caetano procura chegar à linha de fundo, o Santo André manietou o adversário porque os volantes Esley e Ferreira não tiveram profundidade.

4. Diferentemente de outros jogos, o Santo André foi mais compacto no sistema defensivo e menos ocioso no ataque. Houve aproximação entre os setores porque a mobilização física do grupo na tomada de bola virou evangelho.

5. O técnico Toninho Cecílio orientou a equipe a explorar as bolas longas, principalmente às costas dos laterais, aproveitando-se de uma deficiência estrutural do adversário: o distanciamento entre os zagueiros e o meio de campo, associado à baixa combatividade dos meias e dos atacantes. A medida gerou incômodos. O lateral Paulo perdeu um gol feito no segundo tempo, ao finalizar muito mal.

6. Sem saída de bola pelas laterais interditadas, o São Caetano não teve capacidade de buscar alternativa porque, além de os volantes Esley e Ferreira ficarem presos demais ao sistema defensivo, Daniel Costa e Neto não escapavam da marcação dura dos volantes, e o centroavante Noah, que jogou apenas 15 minutos, perdeu-se entre os zagueiros. Sobrou Matheus, excessivamente individualista e sem apetite de jogar verticalmente.

7. Enquanto o São Caetano optou por um jogo moroso, metódico, burocrático, quase em câmera-lenta, com muita posse de bola mas baixíssima capacidade de infiltração por dentro e pelas extremas, o Santo André utilizou-se de contragolpes rápidos. Eram equipes em rotações completamente diferentes. A eletricidade do Santo André não encontrava reação semelhante no São Caetano. Os propósitos táticos eram diversos. Um queria ganhar uma decisão de campeonato. O outro queria apenas ganhar um ponto de uma decisão programada para a semana seguinte.

8. O São Caetano transpareceu certa empáfia nos momentos em que o resultado o favoreceria, com empate de zero a zero e um a um. Transmitia a sensação de que poderia decidir o jogo a qualquer instante. Mas, de fato, essa é a maneira do time de Luiz Carlos Martins jogar: falta verticalidade produtiva.

9. O São Caetano cometeu infrações demais na zona intermediária e também à frente da grande área. Branquinho treinou muito durante a semana para transformar a falta na entrada da área em chute certeiro no primeiro gol do Santo André. E Antenor quase fez de cabeça, um pouco antes, em falta próxima da grande área.

10. Emocionalmente o São Caetano perdeu feio a disputa para o Santo André. O técnico Toninho Cecílio preparou o time para uma guerra; Luiz Caros Martins para um compromisso convencional. A facilidade com que o São Caetano saiu da linha disciplinar não combinava com a aparente certeza de que poderia ganhar o jogo quando quisesse. Talvez tenha se impressionado com as dificuldades impostas pelo adversário.

11. O São Caetano não soube explorar a vantagem proporcionada pelas expulsões de Naoh e Diogo Borges. Afinal, Naoh é menos importante para o São Caetano (ele só jogou porque o titular Jô foi vetado nos vestiários) do que Diogo Borges para o adversário. Quem acabou revertendo a situação foi Toninho Cecílio: ele consertou o posicionamento da defesa com a entrada de Marcos Vinícius na zaga, em substituição a Dudu, enquanto Luiz Carlos Martins demorou em escalar um centroavante de verdade para recompor o sistema de ataque.

12. Branquinho contou com a liberdade que os atacantes e meias do São Caetano não tiveram. Inteligente, o atacante do Santo André sempre se colocou às costas dos volantes adversários, chamando faltas e abrindo espaços para quem vinha de trás.

13. Guilherme Garré não fez apenas um gol quase lotérico – de fora da área, de surpresa, no ângulo – o primeiro no campeonato: foi importantíssimo na recomposição defensiva, especialmente no combate aos avanços do lateral Bruno Recife. Taticamente foi um dos jogadores mais importantes do Santo André. O São Caetano não contou com um atacante com a mesma disposição tática de evitar incômodos.

14. Matheus foi uma decepção no São Caetano: presa fácil na marcação, excedeu-se em passes laterais. Não chutou uma vez sequer ao gol adversário e raramente acompanhou a subida do lateral Apodi.

15. Sem o zagueiro Diogo Borges e os volantes Dudu e Thiago Ulisses, o Santo André do próximo sábado provavelmente não sofrerá tanto quanto equipes que dependem demais de individualidades. O técnico Toninho Cecílio fez do grupo um conjunto dedicado a cumprir uma missão que parecia impossível: avançar em direção a uma vaga na Série A do Campeonato Paulista do ano que vem. Algo impensável quando chegou, com o Santo André se desmanchando técnica, tática e fisicamente. E com sérios problemas de ambiente, degradado com o atraso de salários, que persiste.

16. As reclamações de Toninho Cecílio contra a arbitragem fazem parte do currículo do treinador. Ele é suficientemente inteligente para retirar da racionalidade um jogo em que sua equipe é inferior em valores individuais, repassando-o ao campo emocional. Bem ao estilo Felipão, Toninho Cecílio sabe que para superar o São Caetano é preciso retirar o adversário da zona do convencionalismo tático e emocional, levando-o a uma batalha campal, se preciso.

17. Deve consultar imediatamente um oftalmologista quem encontrou alguma dúvida no lance de penalidade máxima que culminou no empate do São Caetano ao final do primeiro tempo. Quem acompanhou o jogo ao vivo no Estádio Bruno Daniel pode ter carregado a desconfiança de que o árbitro se equivocou ao apitar a infração máxima após infiltração em diagonal de Neto e a aproximação do lateral Apodi. Quem viu a imagem na TV, como o comentarista do jogo, não pode recorrer a sofisma: Apodi estava mal posicionado, deixou Neto tomar-lhe a frente e, como último recurso, deu uma espécie de gravata no atacante. Dez entre 10 árbitros competentes teriam marcado a penalidade.

18. O lance que culminou na penalidade máxima cometida por Apodi deveria servir de base para a possível recuperação do São Caetano no jogo de volta de sábado: bastou uma troca razoavelmente rápida de passes em direção ao gol para que a defesa do Santo André, sempre bem protegida, abrisse espaço à penetração no chamado ponto futuro -- espaço desocupado entre um zagueiro e um atacante que pode ser convertido em perigo se a assistência for certeira para proporcionar a combinação de deslocamento e finalização do atacante.  O passe de Daniel Costa foi perfeito e o lateral não teve alternativa senão cometer a infração. O Santo André explorou bastante esse tipo de jogada, principalmente com avanços sobre o lado direito da defesa do São Caetano.



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