Esportes

Santo André volta à Primeira
Divisão. É hora de mudanças

DANIEL LIMA - 02/05/2016

O Santo André está de volta à Primeira Divisão do futebol de São Paulo depois de empatar de zero a zero no Interior com o Barretos na semifinal da Série B. O título será disputado neste final de semana com o Mirassol, que superou o Batatais por dois a zero. A disputa será uma formalidade da tabela, mas também um registro histórico que não pode ser desprezado. Entretanto, o maior campeonato que o Santo André começou a disputar com o acesso à principal competição estadual do País é a renovação do desafio de deixar de ser um clube em constante estado de penúria financeira associado a acentuado envelhecimento diretivo.

Agora, com um ano inteiro para instrumentalizar o prestígio da Primeira Divisão, o Santo André não tem mais o direito de adiar o futuro, tornando-o ainda mais sombrio para quem observa o clube de futebol mais tradicional da região muito além da próxima competição.

Tomara que o milagre do técnico Toninho Cecílio se ramifique fora de campo. Se o treinador chamado às pressas para evitar que o time caísse ainda mais na tabela e fosse ameaçado de rebaixamento alcançou o acesso, não é improvável que um grupo dos antigos dirigentes do Santo André caia na real e decida abrir as portas a mudanças.

É preciso oxigenar o Conselho Deliberativo, principalmente. Há jovens na cidade que querem e poderiam colaborar mais. Deixá-los de fora seria uma aberração para um clube que perde seguidamente colaboradores mais tradicionais, abatidos pela cronologia da vida. Morrer faz parte da natureza, mas os dirigentes do Santo André não parecem levar a premissa a sério. Poucos encaram a possibilidade de reforços fora de campo como iniciativa a ser deflagrada o quanto antes. Rebaixar a faixa de idade diretiva é imperativo à própria manutenção do Santo André.

Escolha certeira

O milagre proporcionado por Toninho Cecílio e um grupo de limitados mas valentes jogadores tem muito a ver também com a lucidez de dirigentes que, no momento crucial da disputa, quando o técnico Luciano Dias já dera provas de que estava fora de sintonia, decidiram contratar um profissional conhecido pela capacidade motivacional e pelo pragmatismo. Foi uma decisão arriscada, mas o Santo André não tinha muito a perder. Era ousar ou perecer.

Toninho Cecílio fez do Santo André uma fortaleza defensiva. O time que chega à Série A do Paulista é tecnicamente o mais pobre representante do Ramalhão    a fazer sucesso dentro de campo na história. Mas foi valente, organizado, dedicadíssimo. Um time que driblou os salários atrasados, a preparação deficiente no início da temporada e principalmente o descrédito geral.

Atire a primeira pedra quem em sã consciência, vendo aquele bando sem ordem tática e vulnerável demais na defesa, imaginou tamanha transformação a ponto de comemorar o acesso.

Se o acesso à Primeira Divisão não for suficiente para mudar a engrenagem diretiva do Santo André, acrescentando sangue novo, então que se olhe para um outro quase milagre -- o fanatismo e da dedicação de um elevado número de torcedores que prestigiou a equipe em todos os momentos do campeonato. Há uma massa de torcedores do Ramalhão que nem mesmo os cronistas mais experientes ousariam imaginar. O processo de esvaziamento das arquibancadas foi surpreendentemente interrompido. Mais que isso: foi substituído por meninos barulhentos que independem das parcas finanças do clube para se mobilizarem. Eles são autônomos em forma de torcidas organizadas ou torcedores avulsos.

Invasão de jovens

De onde vêm tantos jovens com camisas azul e branco? Como se explica tamanha paixão sem nenhuma chancela de apoio do clube que mal paga os salários dos jogadores? Como explicar tamanha devoção levando-se em conta que o calendário do futebol reserva pouco mais de três meses do ano à competição. Como esses jovens trocam os clubes grandes centralizadores da mídia por um Santo André havia cinco anos na Segunda Divisão?

Há alguma coisa diferente a mover o Santo André fora de campo. Compete aos dirigentes decifrarem o enigma. A começar por se darem conta de que uma reformulação estrutural completa não pode deixar de ser planejada e lançada. O Santo André não pode continuar a existir movido por ciclos de fartura de resultados dentro de campo e permanente penúria financeira e institucional. Os meses que separaram a equipe da estreia na Primeira Divisão do ano que vem precisam ser muito bem aproveitados.

O Santo André já aprendeu dentro e fora de campo com as lições do passado. Não pode mais cometer erros antigos. E deve reduzir drasticamente o tamanho dos erros novos. É indispensável que o clube mimetize a obra de Toninho Cecílio e da Comissão Técnica que levaram a equipe de volta à Primeira Divisão. Tolerância Zero com equívocos. Com a vantagem de que, se a Toninho Cecílio faltaram melhores opções para a equipe jogar menos defensivamente, aos dirigentes sobram possibilidades de amealhar reforços para áreas reestruturadoras do clube. Há propostas de um passado nem tão distante que devem inspirar os dirigentes às mudanças. A privatização dos tempos do Saged foi um fracasso entre outros motivos porque dirigentes e conselheiros mais antigos se acomodaram com a chegada de um salvador da pátria.

Fim de redundância

Talvez uma das iniciativas que poderiam dar ao Santo André um novo fôlego fora de campo seja, no final do ano, com o encerramento do mandato de Jairo Livolis, eleger um presidente fora da redundância de nomes das duas últimas décadas. A experiência de Jairo Livolis e de Celso Luiz de Almeida, entre outros dirigentes, será muito útil à composição de novos nomes diretivos e também do Conselho Deliberativo. A ação que ambos podem desempenhar é justamente no sentido de buscar talentos diretivos para dar nova configuração ao Santo André.

O heroísmo da equipe de Toninho Cecílio mais uma vez consumado em Barretos, quando jogou mais de um tempo com 10 jogadores, por conta da expulsão do lateral Paulo, não é algo a ser cultuado como regra geral do Santo André do futuro. Há espaço de sobra para que a equipe dentro de campo alcance resultados menos dramáticos. Basta que se reorganize e se potencialize fora das quatro linhas.

Assim como um povo não deve viver de messias, um time de futebol não pode depender de uma única liderança, caso de Toninho Cecílio. Sem o treinador, espécie de Felipão dos bons tempos, o Santo André não teria chegado à Primeira Divisão da forma mais impressionante da história.

E nem se pode afirmar que o acesso é imerecido. Havia, certamente, equipes mais bem preparadas e organizadas, como o São Caetano e o Bragantino, primeiro e segundo colocados na classificação ao final da primeira fase. Mas nenhuma dessas equipes contava com um Toninho Cecílio a decifrar cirurgicamente o melhor caminho à festa final. O Santo André que volta à Primeira Divisão fez de cada jogo do mata-mata a própria sobrevivência como instituição.

Cinquentenário valioso

A partir de agora a direção do Santo André deve olhar para o calendário e traçar um plano de metas que precisa ser levado à prática para que, ano que vem, quando a equipe estrear numa Primeira Divisão que terá apenas 16 equipes, o que a tornará ainda mais valiosa, os 90 minutos de cada jogo não sejam uma luta acima do normal pelos três pontos e que a classificação a cada rodada não seja um tormento para fugir dos últimos lugares.

Os 50 anos de vida que o Santo André completará no ano que vem não são pouca coisa. Há uma herança de paixão em azul e branco que aquela massa de jovens torcedores expressou ao invadir as arquibancadas no Estádio Bruno Daniel. O Santo André é um dos elementos mais importantes da identidade cultural, esportiva e social de uma cidade que se desmancha institucionalmente com a perda do tônus econômico.

Um patrimônio de 50 anos ainda subestimado como fonte de inspiração a novas empreitadas da sociedade como um todo.



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