Esportes

Veja as sete virtudes capitais
que deram título ao Santo André

DANIEL LIMA - 09/05/2016

O Santo André que conquistou o acesso ao principal campeonato estadual do País (a Série A do Paulista do ano que vem) e que, de lambuja, também ganhou o título da competição ao vencer o Mirassol de um a zero sábado à noite no Interior, entra para a história como um time que construiu enredo surpreendente. O mais surpreendente de seus 50 anos a se completarem em 2017. O tetracampeonato da Segunda Divisão (1975, 1981, 2008 e 2016) mostra um Santo André que desafia as próprias limitações como clube às voltas com dificuldades financeiras e com o envelhecimento de dirigentes e conselheiros que insistem em não abrir espaço à renovação.

De equipe desacreditada quando da chegada do técnico Toninho Cecílio na 13ª rodada da fase classificatória, o Santo André tornou-se num bloco monolítico de gladiadores.

Que se lixasse a técnica mais qualificada e a tática mais abrangente.  O Santo André jogou tudo para o alto porque o que lhe interessava e – mais que isso – o que estava ao seu alcance era a objetividade de uma meta que parecia impossível. Ganhar de qualquer jeito cada batalha era o que importava. Mesmo que para isso recorresse a entrincheirar-se na metade defensiva do campo com esforço coletivo heroico – e se lançasse ao campo ofensivo em incursões seletivas e incisivas.

Os números provam que Toninho Cecílio promoveu espécie de choque anafilático para retirar a equipe da décima colocação ao final da 12ª rodada da fase classificatória e levá-la, 12 jogos depois, à festa do título.

As sete virtudes capitais que ajudam a explicar como um time em decomposição passou por tamanha mudança são um resumo da reviravolta empreendida por técnico Toninho Cecílio. Com Luciano Dias, que dirigiu o Santo André nos primeiros 12 jogos, o Santo André somou 18 pontos em 36 possíveis, com índice de aproveitamento de 50%. Estava a dois degraus da classificação necessária para integrar o G-8 e disputar a fase de mata-mata.

O desequilíbrio estava explícito. O ataque até que funcionava bem, com 19 gols e média de 1,58 gol por jogo. Mas a defesa fracassava. Sofrera 14 gols, média de 1,16 por jogo. Quando se somavam os gols a favor e os gols contra o Santo André registrava média de 2,75 tentos por jogo. Foram cinco vitórias, três empates e quatro derrotas. Se mantivesse a média de pontuação até o final da fase classificatória o Santo André correria o risco de não se classificar ao mata-mata.

Toninho Cecílio chegou e dirigiu a equipe nos sete jogos finais da fase classificatória. Registrou índice médio de pontuação de 52,38% ao ganhar 11 pontos em 21 possíveis. Foi o suficiente para que a produtividade subisse para 50,9%. Parece pouco, mas até a última rodada o Santo André estava ameaçado de ficar de fora da etapa mais importante. O frustrante empate em casa com o Paulista só não foi um desastre porque Guarani e Velo, que o ameaçam, perderam. Toninho Cecílio chegou numa etapa de três jogos por semana e sem tempo a treinamentos.

O que marca a diferença entre Toninho Cecílio e seu antecessor, e explica a conquista do Santo André, está no conjunto dos sete jogos que o treinador dirigiu a equipe na reta de chegada da fase classificatória e, principalmente, nos cinco jogos da fase de mata-mata. O índice de rendimento alcançou 61,11%. Tudo como resultado de um compacto sistema defensivo e de cirúrgicas ações ofensivas. Se forem contabilizados apenas os cinco jogos da fase de mata-mata, o Santo André ganhou 11 em 15 possíveis. Um aproveitamento de 73,33% num período de jogos apenas a cada afinal de semana – e de muita preparação técnica e tática.

Com Toninho Cecílio o Santo André marcou em 12 jogos menos gols do que os 12 jogos dos tempos de Luciano Dias (11 no total, média de 0,916 por jogo), mas reduziu drasticamente a vulnerabilidade defensiva (seis gols, ou média de 0,583 por partida).

Em função desses números, que refletem o comportamento da equipe em campo, construímos as sete virtudes capitais de um time surpreendentemente vencedor. Vejam quais são esses pontos:

1. Peladeiro vira estratégico

O meia-atacante Guilherme Garré simboliza a mudança de postura tática do Santo André após a chegada de Toninho Cecílio. De peladeiro, tornou-se peça-chave ao equilíbrio do sistema defensivo. Garré deixou de ser um atacante que se preocupava demais em ter a bola sob controle, em parecer mais importante do que o restante da equipe. Passou a funcionar como motorzinho na marcação da saída de bola dos adversários por uma das laterais e, sem a bola, ganhou liberdade para ser mais objetivo. O Santo André de Toninho Cecílio foi a imagem de Garré: deixou de ser lúdico, com baixa engenharia tática, e se tornou atento, brigador, determinado a desmontar os ataques adversários e a surpreender numa bola bem trabalhada em escanteio, falta ou mesmo em contragolpes – como o do gol em Mirassol, numa jogada típica de laboratório.

2. Escondendo as deficiências

A prioridade absoluta de se tornar um bloco defensivo intenso que não deu trégua e nenhum adversário principalmente na fase de mata-mata minimizou as deficiências individuais e fortaleceu o coletivo. Os laterais do Santo André são marcadores de baixo rendimento defensivo, os zagueiros de área são lentos na cobertura dos laterais e os volantes, exceto Dudu Vieira, não têm a versatilidade e a agilidade de se tornarem opções ofensivas. O meio de campo também sofreu com a ausência de pelo menos um jogador com capacidade de organização, ajudando na marcação com a mesma qualidade de apoio ao ataque. Antes da chegada de Toninho Cecílio o Santo André chegava ao cúmulo de jogar com dois volantes de contenção e quatro meias-atacantes ou atacantes. Não havia coordenação no setor. Buracos sobravam por todos os cantos. Compactação setorial era heresia. Com Toninho, acrescentou-se um volante para dar solidez defensiva e passou-se a explorar mais a subida dos laterais, de características ofensivas. Ao dar uma cara ultradefensiva à equipe, mas com válvulas de escape, Toninho Cecílio eliminou o vazamento dos tempos de Luciano Dias. Ao reduzir em mais da metade a média de gols sofrido nos dois períodos mais graves da competição – a reta de chegada classificatória e o mata-mata – o Santo André alcançou equalização defensiva acima do esperado.

3. Aprimorando as eficiências

O Santo André de Toninho Cecílio não contou com um arsenal de qualidades que poderiam encantar os torcedores, mas teve o suficiente para dar conta do recado. A opção pelo defensivismo a qualquer custo reduziu a força ofensiva, como provam os números, mas os resultados finais foram mais favoráveis porque o equilíbrio se instaurou. Branquinho poderia ter rendido muito mais do que nos 12 jogos com Toninho Cecílio. O atacante sofreu com a ausência mais permanente de companheiros no ataque e também passou a sofrer marcação mais rígida porque os adversários começaram a se preocupar com a facilidade com que fazia gols.  A cada rodada disputada as equipes tornam-se mais conhecidas em qualidades e defeitos. Os pontos fortes individuais e coletivos são esquadrinhados tanto quanto os pontos negativos individuais e coletivos. Os laterais do Santo André passaram a render muito mais, porque tiveram melhor preparação nos treinamentos. Dudu demorou a se soltar mais como surpreendente volante que ocupava o ataque, como o fez no gol diante do Mirassol. Sem um centroavante em forma – Diego Viana se contundiu e Trípoli não ganhou o ritmo de jogo necessário – Toninho Cecílio acertou em cheio quando optou por Antônio Flávio como falso atacante centralizado. Experiente e mais bem preparado fisicamente durante a fase de mata-mata, esse meia-atacante movimentou-se entre zagueiros e volantes adversários para confundir a marcação. O gol da vitória em Mirassol contou com sua participação, ao sair da área e servir ao volante Diogo Orlando que, surpreendente, apareceu como ponta-esquerda para cruzar na pequena área onde Dudu Vieira apareceu de surpresa para completar. As bolas paradas também foram aperfeiçoadas, com os zagueiros Samuel Teram e Diogo Borges sempre ameaçadores. O Santo André de gladiadores defensivos de vez em quando se esmerava em ações de guerrilha ofensiva.

4. Reconhecendo limitações

A constatação de que o Santo André não contava com jogadores nem elenco para ser propositivo na maioria dos jogos foi decisiva à conquista do acesso à Série A do ano que vem. A ilusão do time ofensivamente forte dos 12 jogos sob o controle de Luciano Dias não se sustentava. Até aquele 12ª rodada o Santo André marcara 19 gols, perdendo para apenas três equipes à frente na classificação do campeonato. Poucos observavam que a defesa era uma das piores também entre os 10 primeiros colocados. Os 14 gols sofridos só eram superados pelo Taubaté, que sofrera 15 gols até então. Ao incorporar mais um volante defensivo à equipe (Thiago Ulisses, Agenor e Dudu Vieira), o Santo André assumiu um tratado de humildade. Sem isso, não teria se classificado entre os oito. E muito menos ganhado força técnica, tática e emocional para surpreender na etapa de mata-mata.

5. Liderança no banco de reservas

O peso da Comissão Técnica do Santo André no banco de reservas (e também no dia a dia) ajudou a fazer a diferença. Antes do jogo com o São Caetano, que abriu a fase de mata-mata, Toninho Cecílio providenciou a gravação dos cinco últimos jogos do adversário. Levou todas as observações para dentro de campo, nos treinamentos. Cada jogador sabia o que fazer para neutralizar um adversário muito mais qualificado. Antes e depois do confronto com o São Caetano operações semelhantes foram executadas. Toninho Cecílio não abre mão de conhecer o adversário do próximo jogo para explorar detalhes que passam despercebidos da maioria. No jogo de sábado em Mirassol ele optou pelo volante Thiago Ulisses como lateral-esquerdo no lugar do suspenso Paulo porque sabia que o adversário fazia do lateral-direito um verdadeiro atacante. O ambiente no Santo André mudou com a chegada do técnico e de seus assessores. Ele sustentou o controle do grupo. Centralizou de tal forma as relações internas que os dirigentes preferiram acompanhar tudo à distância. Toninho Cecílio é um azougue no banco de reservas durante os 90 minutos. Não há como qualquer jogador da equipe descuidar-se das ordens. Nem como manter os microfones abertos nas transmissões de rádio e televisão.

6. Suporte diretivo e da torcida

O Santo André chegou à Série A com múltiplos problemas financeiros. Os salários seguiram atrasados durante toda a competição. Houve alguns sinais de esgotamento de paciência, mas o técnico Toninho Cecílio e o supervisor Carlito Arini agiram prontamente. O dirigente Celso Luiz de Almeida, presidente do Conselho Deliberativo e atento acompanhante dos preparativos da equipe, mobilizou-se para tranquilizar o grupo. Saídas foram encontradas. Em paralelo, jovens torcedores que integram torcidas organizadas sem qualquer relação direta com o clube, deram um peso extraordinário ao comprometimento do grupo de jogadores. Os jogos no Estádio Bruno Daniel receberam público cada vez maior e mais participativo. O Santo André redescobriu a força popular. Algo tão inesperado quanto o título porque a equipe, como tantas outras, conta com calendário curto demais para sustentar fidelidade dos torcedores.

7. Concentração mental

A mobilização do Santo André dentro de campo, em obediência total ao técnico Toninho Cecílio, qualidade que se acentuou a cada novo jogo disputado e que chegou ao ápice na fase de mata-mata, não é algo comum no futebol. Nesse ponto, a liderança do treinador tem peso relevante. Nos cinco jogos da etapa decisiva Santo André só sofreu um gol, contra o São Caetano. Média de 0,20 por jogo. Quase seis vezes menos que o 1,16 gol por jogo durante o comando de Luciano Dias e de 0,714 com Toninho Cecílio nos sete jogos da reta de chegada da fase classificatória. Ou seja: o Santo André aperfeiçoou de tal maneira o viés defensivo, única maneira de tentar chegar aonde finalmente chegou, que a capacidade destrutiva superou todas as expectativas. Quando se lembra que o único gol sofrido em cinco jogos na fase de mata-mata foi de penalidade máxima infantil do lateral Apodi, contra o São Caetano, o desempenho da equipe é ainda mais impressionante.



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