Esportes

Seleção da Série B é uma piada
tática que não resiste aos fatos

DANIEL LIMA - 10/05/2016

A Seleção da Série B do Campeonato Paulista, escolhida por jornalistas a pedido da FPF, é uma piada tática desdenhada pelos treinadores. Nada mais lógico. Alguém ouviu falar no sistema 4-0-2-4? Certamente ninguém, porque não existe. Há o 4-4-2 e suas variantes, como o 4-3-3-, o 4-2-3-1, o 4-1-4-1, mas o 4-0-2-4 é uma tremenda bobagem. Traduzindo esses números táticos em fatos: a Seleção da Série B não resistiria a qualquer adversário mais ou menos organizado. Ao Santo André, por exemplo, campeão da competição, que se utilizou do anacrônico mas necessário 4-3-3 de viés completamente defensivo. Quem predominou na escalação da Seleção da Série B precisa rever seus conceitos. Na Série A, por exemplo, os jornalistas não cometeram tamanha barbaridade.

Escalar qualquer time ou seleção sem contar com um meio de campo que reúna jogadores qualificados na marcação, na armação ou no apoio ao ataque é flertar com derrotas sobre derrotas. Pois a Seleção da Série B abriu mão de qualquer resquício de um especialista às funções de volante. Seja volante-volante, desses que não desgrudam da proteção dos zagueiros e dos laterais. Seja volante-zagueiro, desses que são falsos volantes porque jogam mesmo como terceiros zagueiros para reforçar ainda mais a proteção ao goleiro. Seja volante-armador, desses que saem do campo defensivo para dar apoio à organização do setor de meio de campo. Seja volante-atacante, desses que, em velocidade, penetram campo de defesa do adversário adentro.

A Seleção da Série B não tem um jogador com qualquer uma dessas características. Ou seja: é uma Seleção de araque. Seleção de verdade segue à risca o escrutínio histórico das táticas do futebol, com especialistas em determinadas funções.  Quanto mais agregarem recursos complementares, mais valem no mercado da bola. Ou seja: quando um especialista incorpora outras especificidades técnico-táticas, mais é cobiçado.

Abismo no meio de campo

O time do Audax é um exemplo de multiplicidade funcional. Chegou ao estado da arte, considerando-se, claro, as condições estruturais e financeiras de que dispõe. É uma exceção à regra do futebol brasileiro ao levar ao paroxismo a versatilidade funcional. Mas sempre com uma base sólida que respeita em primeiro lugar a característica mais proeminente de cada jogador.

A Seleção da Série B é um acinte, portanto, ao conceito, ao princípio e a tudo que se definir como essência do futebol. Quem se meter no sistema 4-0-2-4 cairá do cavalo porque não resistiria à organização tática adversária.

Não se devem discutir as individualidades que formam a Seleção da Série B. O goleiro Felipe (Bragantino), os laterais Carlinhos (Taubaté) e Bruno Recife (São Caetano) e os zagueiros de área Diogo Borges (Santo André) e Reniê (Mirassol) formam um grupo de muito valor. Quem vai jogar, entretanto, entre eles e os atacantes? Aí é que a roda pega. E pega feio.

Segundo a maioria dos jornalistas, os demais jogadores da Seleção da Série B são o meia-atacante Branquinho (Santo André), o meia-organizador Norton (Barretos), o meia-organizador Xuxa (Mirassol), o meia-atacante Raphael Toledo (Batatais), o atacante Tiago Santos (Bragantino), e o atacante Eliandro (Batatais). Reparem que não existe nenhum tipo de volante escalado.

Marcação fortalecida

Por mais que o futebol venha dando sinais de que está em nova era, a era de ofensividade ditada pelos grandes clubes europeus, não existe o menor sinal de que a função de volante está extinta. Muito pelo contrário: cada vez mais os jogadores de meio de campo precisam acrescentar às habilidades individuais um sentido de conjunto que exige disposição permanente à marcação, ao combate, à compactação.

Jogadores com mãos na cintura já não têm futuro no futebol de alta competitividade. E logo não terão também em competições menos badalados. Aos poucos o exemplo de Tite, no Corinthians, que atua com apenas um volante de marcação, que também se projeta ao ataque, faz escola no futebol brasileiro.

Já imaginaram os leitores um time ou uma seleção que tenha um meio de campo formado por Douglas (Grêmio) e Ganso (São Paulo) e, à frente deles, quatro atacantes natos, desses que jogam de olho no gol adversário? Quem iria combater um adversário que tenha equilíbrio tático, com dois volantes de contenção que também avançam ao ataque, com dois meias de articulação e apoio ao ataque e dois atacantes velozes, técnicos, incisivos?

Qualquer treinador de futebol que se metesse a escalar uma equipe reunindo Douglas e Ganso como volantes receberia o cartão vermelho dos dirigentes antes de terminar o primeiro tempo. Pois uma boa parte dos jornalistas convidados a escalar a Seleção da Série B do Campeonato Paulista cometeu essa barbeiragem. Não só cometeram como a divulgaram com a naturalidade dos inocentes ou dos cabeças-duras.

Uma Seleção bem equilibrada

Uma situação bem diferente da Seleção da Série A, anunciada ontem pela Federação Paulista de Futebol em festa que reuniu os grandes vencedores da temporada. Nesse grupo, não existe um grande buraco tático no meio de campo, formado pelos volantes-armadores-atacantes Thiago Maia (Santos) e Camacho (Audax), que jogariam atrás dos meias-atacantes Lucas Lima (Santos) e Tchê Tchê (Audax) e dos atacantes Gabriel (Santos) e Roger (Red Bull). Pronto, sem invenção, uma seleção que, tendo no sistema defensivo Vanderlei (Santos), Fagner (Corinthians), Gustavo Henrique (Santos), Felipe (Corinthians) e Zeca (Santos) poderia perder do próximo adversário, mas não faria papelão e muito menos desesperaria o treinador escolhido.

A Seleção da Série B do Campeonato Paulista foi tão mal escalada do meio de campo para frente que não seria possível nem mesmo um rearranjo tático. O 4-0-2-4 não seria convertido ao 4-1-4-1, muito menos ao 4-4-2 ou ao 4-3-3, porque é vocacionalmente um extraordinário furo nágua. Seria algo como anunciar cardápio com feijoada e servir uma cumbuca que tenha tudo, menos os ingredientes de feijoada.



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