Administração Pública

DIADEMA: tudo pelo social
DIADEMA: e o econômico?

DANIEL LIMA, TUGA MARTINS e VERA GUAZZELLI - 05/04/1999

Depois de 16 anos sob o comando de partidos de esquerda, as três primeiras gestões do PT (Partido dos Trabalhadores) e a atual do PSB (Partido Socialista Brasileiro), Diadema transformou-se numa espécie de República Socialista. Entenda-se o rótulo no sentido ideológico do termo, de administração voltada de preferência para o atendimento de padrão no mínimo saudável de equipamentos e serviços à população, predominantemente da classe operária. Se em pouco mais de uma década e meia os administradores de Diadema fizeram tudo pelo social, retirando a etiqueta de caos urbano que parecia definitiva no início dos anos 80, está faltando a outra metade da obra, na qual os socialistas não são exatamente especialistas: uma agenda de ações que facilitem a vida do empresariado local, majoritariamente de pequeno e de médio porte.

O Município mais vermelho do País está exatamente à esquerda no mapa do Grande ABC. Depois de acumular quatro vitórias eleitorais seguidas aos socialistas, quando Gilson Menezes, José Augusto da Silva Ramos, José de Filippi Júnior e novamente Gilson Menezes sucederam-se no cargo de prefeito, Diadema já respira as próximas eleições, marcadas para outubro do ano que vem. O calendário eleitoral parece e está realmente distante dos eleitores comuns de municípios comuns, mas não para Diadema, que tem uma enxurrada de militantes e simpatizantes — todos de esquerda, evidentemente.

O resultado da eleição no ano 2000 já está expresso antes mesmo da abertura das urnas de mais de 220 mil eleitores — a não ser que uma grande e improvável catástrofe ocorra. Vai dar esquerda na cabeça. Os mais puristas e dogmáticos vão escolher tonalidades variadas para a esquerda de Diadema. Gilson Menezes, o atual prefeito, José de Filippi Júnior e José Augusto Ramos, agora deputados estaduais, são de partidos diferentes, depois de forjados no PT, e simplesmente não se bicam. Convidá-los para um churrasco tem o significado de insinuar que dois deles vão ser devorados.

Essa efervescente prévia eleitoral, que vai virar fogaréu quando a disputa por votos preciosos ganhar intensidade, torna Diadema diferenciada. Muito mais que simples eleição municipal em que a esquerda mede força que lembra bem queda-de-braço com protagonistas que exibem bíceps de halterofilistas, o que está declaradamente em jogo é o projeto de continuidade da infra-estrutura física e de intervenções sociais que mudaram completamente o Município nos últimos 16 anos.

Sim, não há como negar que Diadema mudou muito com os esquerdistas que se complementaram. Deixou de ser amontoado de barracos e ruelas poeirentas ou lamacentas e ganhou desenho urbanístico premiado internacionalmente. As intervenções não se limitaram às cirurgias físico-habitacionais. Educação, saúde, esporte, transporte, saneamento básico e cultura, valores que a esquerda tanto defende, foram transformados de forma profunda. Esse lado da moeda socialista é tão ofuscantemente real que sintetiza o acelerado domínio eleitoral dos socialistas locais.

O problema é a outra face da moeda que precisa ser inserida com prioridade no conjunto de políticas públicas de qualquer que seja o próximo administrador. Como não poderia deixar de ser para quem conhece o pouco entusiasmo da esquerda com o capital, o desenvolvimento econômico praticamente foi esquecido durante os 16 anos de comando socialista. É verdade que, histórica e paradoxalmente, os administradores públicos do Grande ABC nunca foram de dar bola para o empresariado, atraídos e escorraçados por razões alheias aos manda-chuvas públicos, mas em Diadema o desinteresse foi mais explícito.

A dualística Diadema procurou dar tudo ao social e pouco se importou com o econômico, exceto durante breve período da administração José de Filippi Júnior. Por isso, a disputa que já ganha as ruas para ver quem vai governar o Município no início do próximo século representa também um desafio ao pragmatismo — medidas sociais não enchem a barriga de quem é candidato a emprego, a empregabilidade, a empreendedorismo. Enfim, de quem precisa produzir e ganhar dinheiro. Depois de 16 anos de vigorosas sessões de aeróbica socialista que esculpiram uma esquerda responsável e respeitada, Diadema sabe que tem verdadeira maratona econômica a cumprir, para dar resistência a quem se revela lépido, remoçado.

O efeito mais perverso dessa omissão histórica, agravada por políticas erráticas de governos estadual e federal, ganha a forma de bumerangue. Afinal, já se fazem sentir os impactos cada vez mais intensos do desequilíbrio provocado pelo entusiasmo quase juvenil da paixão socialista, argamassa das mudanças de uma década e meia, e o desinteresse igualmente juvenil e socialista ao desenvolvimento econômico sustentado. O quadro ganha formas dramáticas nos indicadores de criminalidade crescente. São mais de 100 homicídios por ano para cada grupo de 100 mil habitantes — um dos piores índices do Brasil.

Tornar Diadema concretamente moderna, portanto, é o grande desafio de Gilson Menezes, José de Filippi Júnior e José Augusto Ramos.
Provavelmente esteja na combinação entre a porção reconhecidamente humanística do socialismo democrático e a face indispensavelmente prática do desenvolvimento econômico a fórmula para elevar o Município ao equilíbrio jamais alcançado. Qual dos três concorrentes terá sensibilidade para agregar esses valores conceitualmente díspares, mas inadiáveis para a própria sobrevivência e aperfeiçoamento de um modelo que não pode se esgotar no narcisismo ideológico de tarefa executada apenas pela metade?

Vermelha de tijolo em tijolo

  •  TUGA MARTINS

Há 16 anos em plena construção, Diadema emerge vermelha no horizonte do Grande ABC. Não apenas por estar sob a batuta de partidos de esquerda por quatro governos consecutivos, mas por conta das incontáveis paredes de tijolo aparente que ao longo do tempo foram substituindo barracos de favelas. Para vencer o que é um dos maiores desafios administrativos do País, os governos de esquerda substituíram o urbanismo fashion por política voltada à elevação da qualidade de vida. “Diadema estava fadada a ser mero depósito do que é rejeitado pela sociedade da metrópole” — enfatiza Ermínia Maricato, coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo).

O esforço para reverter o trágico diagnóstico reservado à cidade começou com a abertura e democratização do Poder Público local. O acesso ao chefe do Executivo foi desobstruído. E mais. O prefeito passou a sair do gabinete para colher as demandas sociais in loco. Além da efetiva atuação na infra-estrutura — pavimentação, construção de galerias, tubulação, expansão da rede de esgotos, água, drenagem e início da urbanização de favelas –, Gilson Menezes (gestão 1983-1988) cunhou a primeira experiência nacional da esquerda no poder com a participação popular.

As respostas do governo local aos anseios da população caíram como luva nas expectativas de uma comunidade que espelhou as próprias reivindicações na organização do movimento sindical. À época, o chamado novo sindicalismo aflorava como caminho certeiro de conquistas e a classe operária brasileira rumava ao paraíso. “Esta população já tinha vínculos com movimentos de resistência que vão além da escolha de prefeito” — afirma Ermínia, para justificar o grau de politização originado do sindicalismo.

Como se formou essa sociedade com traços tão diferentes das demais cidades da região? Na década de 50, trabalhadores de indústrias automobilísticas e de autopeças instaladas no Grande ABC foram atraídos para morar em Diadema, onde o valor da terra era mais baixo. Além das famílias proletárias locais, a terra barata incentivou a migração nordestina. Migrantes, cuja mala era um saco e o cadeado um nó, transformaram num piscar de olhos a cidade em aglomerado de bairros populares e desordenados, com tudo por fazer. Assim, não foi difícil à esquerda exercitar sua opção preferencial pelo social.

A explosão demográfica nas décadas seguintes garantiu a Diadema cenário nada animador para candidatos a governante: em 1982, a população batia a marca de 300 mil habitantes, dos quais um terço vivia em favelas que ocupavam 3,5% dos 30,7 quilômetros quadrados do Município. Numa conta rápida, verifica-se que 100 mil pessoas moravam precariamente em cerca de um único quilômetro quadrado. “Prefeitura alguma teria condições de acompanhar tal crescimento” — dispara o deputado estadual do PPS José Augusto da Silva Ramos, que governou Diadema de 1989 a 1992.

Com orçamento de CR$ 7.623.607.949,00 (cerca de R$ 74 milhões) e dívida escriturada — sem considerar os precatórios — de CR$ 3.072.327.065,00 (cerca de R$ 30 milhões), a total falta de infra-estrutura revelava números mais que assustadores: 70% das ruas eram pura lama, 50% do Município não tinham iluminação e o índice de mortalidade infantil em 1982 era de 83 crianças por mil nascidas vivas. Depois de 16 anos, não passa de 20,6 por mil, abaixo da média do Estado, que é de 25,26 por mil. “Não faltava o que fazer na cidade” — lembra Gilson Menezes, que entregou Diadema para seu sucessor com dívida de CR$ 2.473.408,72 (cerca de R$ 76,5 milhões). E continua: “Minhas duas filhas mais velhas não passaram pela pré-escola porque não havia vaga suficiente na rede municipal de educação infantil”.

De 1983 para os dias de hoje a oferta de vagas nas escolas municipais de educação infantil saltou de 2,3 mil para 16 mil. É certo que as melhorias fomentadas pelos quatro governos não atingiram somente saúde e educação. E como não há melhor aliado ao marketing político que indicadores, a população cada vez mais foi valorizando as realizações e demonstrando satisfação com o modelo de governo por meio das urnas.

Diadema acolhe população pobre, com renda per capita de R$ 748,12 (Censo/95). A elite econômica que desfruta da produção de riquezas do Município não mora e não se identifica com a cidade. Índice revelador é que somente 3% da população tem curso universitário. Esse número não é suficiente para suprir oferta de empregos de gabarito. Resultado: os bons empregos da cidade, 9,5% dos postos de trabalho, são ocupados na maioria por gente de fora. Cerca de 60% da população são das classes D e E, 30% da classe C e 10% da classe B. Não há classe A em Diadema.

Esse perfil carente da população justifica a alta demanda por serviços. Para se ter idéia, o custeio da saúde e educação absorve 67% da receita municipal. Mas o grau de exigência da população é visivelmente superior ao das cidades vizinhas, já que os quatro governos a política de participação popular fomentou nova postura diante do poder local. Esse acentuado espírito crítico da comunidade, no entanto, corre o risco de perder espaço para o roldão de reformas em curso em Brasília. “Se a reforma tributária passar, a equação das finanças públicas vai exigir o fechamento de serviços e isso é inconcebível em Diadema, cuja população é praticamente das classes D e E” — adverte o atual secretário de Finanças, Francisco Rocha.

Com R$ 100 milhões de dívidas em precatórios, Diadema recebe anualmente R$ 90 milhões de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que, por várias vezes, acaba retido em razão dos precatórios. Lei Kandir, Fundo de Estabilidade Fiscal e municipalização do ensino empalideceram as cifras municipais. O caixa da Prefeitura deixou de ver a cor de R$ 25 milhões engolidos pelo Fundão da Educação (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). E está sob ameaça de ver descer pelo ralo outros R$ 28 milhões (R$ 18 milhões de ICMS e R$ 10 milhões de ISS — Imposto Sobre Serviço) caso a reforma tributária seja aprovada, já que a perda estimada para o Estado de São Paulo é de 18%.

Apesar das individualidades de cada governo, as administrações obedeceram projeto de políticas sociais agressivas. Além de zelar pela continuidade dos projetos do antecessor, o governo do médico José Augusto da Silva Ramos, iniciado com orçamento de Cz$ 45,02 bilhões (cerca de R$ 107 milhões), dispensou atenção especial à saúde. Construiu rede para atender a toda a população e com isso dotou a cidade de padrões de Primeiro Mundo, como uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para cada 22 mil habitantes e um médico para cada 600 moradores, (a legislação federal estabelece um para cada mil).

Diadema conta com hospital público, hospital infantil, 217 leitos públicos, quatro prontos-socorros e 15 UBSs. “Diadema foi considerada referência nacional de saúde” — orgulha-se o deputado socialista, que emblemou a própria gestão com obras e literalmente varreu a cidade. Nos primórdios, apenas 60% do Município recebiam serviço de coleta de lixo. “Instituímos oito tipos de coleta e Diadema passou a ser uma cidade limpa” — lembra José Augusto. O serviço atinge 100% do Município.

Foi ainda o governo de José Augusto que deslanchou a criação de creches, que do módico atendimento a 28 crianças hoje acolhem 2.387 em 20 unidades. Consolidou o sonho esportivo popular por meio do Clube Municipal Mané Garrincha com cinco mil sócios. Deixou o governo com dívida de Cr$ 121.501.521.598,00 (cerca de R$ 180 milhões). Mas não foi apenas a construção de equipamentos urbanos que redesenhou o perfil de Diadema. A sanção da lei de Concessão do Direito Real de Uso do Solo Municipal beneficia mais de nove mil famílias. Outra mudança estrutural na legislação criou as AEIS (Áreas de Especial Interesse Social), ferramentas imprescindíveis para a reorganização do solo urbano ocupado por famílias carentes. São 45 áreas, das quais 23 já habitadas.

Somada ao programa de urbanização de favelas detonado em 1983, a política habitacional instituída em Diadema foi consagrada durante a administração de José de Filippi Júnior — de 1993 a 1996 — eleito deputado estadual pelo PT no pleito de 1998. Durante a Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) para Assentamentos Humanos — Habitat II, em Istambul, na Turquia, o governo apresentou sua bem-sucedida experiência frente aos 192 núcleos de favela, sem qualquer suporte dos governos federal e estadual, tornando-se referência mundial. Hoje, 115 favelas estão urbanizadas e 77 em fase de urbanização. A gestão de Filippi também foi reconhecida por três anos consecutivos pela Secretaria de Saúde do Estado com o prêmio Maternidade Segura, graças à qualidade do atendimento do hospital público.

Afora as medalhas, a gestão de Filippi investiu pesado nas relações da cidade com os moradores, na nova identidade do Município e melhoria da imagem tanto interna quanto externamente. Assumiu o Executivo com orçamento de Cr$ 4,3 trilhões (cerca de US$ 300 milhões — já com parte da indenização embutida) e deu à população orgulho de morar e direito de usufruir a cidade. Filippi viu ainda a sorte brilhar: incluiu na receita R$ 72 milhões da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) em pagamento pela desapropriação de áreas do Município para construção da Rodovia dos Imigrantes. Entregou o comando a Gilson Menezes com dívida de R$ 77,9 milhões.

Na administração de Filippi, Diadema passou a exportar cultura. A Companhia de Dança criada em 1995 levou a arte para favelas e embarcou para fora do País espetáculos como Pierrot de Velas, Jardin de L’Éfant, Linha de Montagem e Tresmaisum. No mesmo período o serviço de água e esgoto foi municipalizado com a criação da Saned (Companhia de Saneamento Básico de Diadema), bem como o transporte coletivo urbano com a ETCD (Empresa de Transporte Coletivo de Diadema). “Prefeitura é prestação de serviço e melhoria continua” — diz Filippi. Sua administração promoveu educação para excluídos por meio do Mova (Movimento de Alfabetização de Adultos) e do Serviço de Integração nas escolas da rede para alunos portadores de deficiências visual, auditiva, mental e física. Gilson Menezes deu continuidade ao projeto com a Escola Especial Olga Benário, para portadores de deficiência auditiva. A escola municipal profissionalizante Fundação Florestan Fernandes também leva a grife de Filippi. Conta com quatro mil alunos distribuídos em 14 cursos.

Os resultados dessa experiência paradigmática estão estampados nos indicadores sociais. “Apenas os indicadores permitem leitura científica” — avalia Ermínia Maricato, que dedicou estudo acadêmico a Diadema intitulado Metrópole na Periferia do Capitalismo. Mas, entre todos os festivos indicadores apresentados, um martiriza Diadema. Sob a tarja de cidade violenta, a cidade em nada difere da periferia parisiense ou dos guetos de Nova York. “A periferia de Diadema é tão perigosa quanto qualquer outra, mas está melhor que há 20 anos” — garante o delegado seccional de São Bernardo e Diadema, Pedro José Liberal.

Os fatores que desembocam na violência são os mesmos: baixo nível de educação, falta de emprego e carência de lazer. Mas o caso da Favela Naval, onde policiais militares espancaram moradores e assassinaram um civil durante blitz noturna, em 1997, tão cedo não vai abandonar a memória, principalmente da mídia. Diadema ainda é cidade problema. Em 1998, registrou 351 homicídios, contra 289 em 1997 e 324 em 96. No início deste ano houve tendência de redução da criminalidade no Município. “Já notamos certa estabilização dos números tendendo a cair” — afirma Liberal.

E quem é a vítima de homicídio em Diadema? Levantamento da Polícia Civil traçou perfil das vítimas. Dos 24 casos registrados em janeiro deste ano, 13 vítimas eram brancas, nove pardas e duas negras, 23 do sexo masculino e apenas uma do sexo feminino, somente um menor e a maioria com idade entre 18 e 30 anos. “A partir deste estudo podemos chegar mais rápido ao foco da criminalidade” — diz o delegado. Porém, o maior volume de ocorrências criminosas em Diadema é de roubo de carro. Só no ano passado 1.578 veículos foram levados, cerca de 4,5 por dia. “Se comparado a bairros nobres da Capital, esse número é baixo. No geral, Diadema está melhor que São Bernardo” — garante.

Mas Diadema já hasteou bandeiras brancas. Em 1994/1995 ocupava a confortável posição de quinta cidade em criminalidade no Grande ABC. “Naquela época o trânsito matou mais que homicídios” — lembra Filippi. Como não há muito o que inventar no combate à violência, ou seja, a Polícia Militar age na prevenção e a Polícia Civil na punição, a saída encontrada para minimizar os índices de criminalidade envolve cada vez mais o empenho e participação da sociedade. E nisso a população de Diadema é craque.

Vocação industrial requer planejamento

  •  DANIEL LIMA

A industrialização é vocação tão compulsória para Diadema quanto o turismo para o Rio de Janeiro. Se os cariocas foram abençoados pela beleza natural imortalizada nas canções, os diademenses contaram com a ajuda do privilegiado posicionamento geográfico entre uma São Bernardo que explodiu com a indústria automotiva, o Porto de Santos e São Paulo, a maior capital econômica da América do Sul. A proximidade da Via Anchieta, o corte longitudinal da Rodovia dos Imigrantes, a mão-de-obra abundante num período de mercado fechado e de baixa competitividade, além do encarecimento de terrenos para investimentos produtivos nos municípios vizinhos, compuseram ambiente adequado para Diadema saltar de um vilarejo no final dos anos 60 para um dos mais expressivos endereços industriais do País.

O drama da Diadema produtiva é que, exceto num breve período de fim de mandato do prefeito José de Filippi Júnior, em 1995, a livre-iniciativa sempre foi coadjuvante. Desenvolvimento Econômico Sustentado jamais foi praticado. É verdade que a economia de Diadema não foi tratada pelos prefeitos de esquerda que se sucederam no cargo com o grau de animosidade entre corintianos e palmeirenses. A República Socialista do Brasil reservou ao capital investidor papel meramente arrecadatório de impostos.

Como não existe almoço de graça, chegou a hora de acertar as contas. Sem grandes investimentos nos setores comercial e de serviços, que vivem de estabelecimentos de subsistência com baixo número de funcionários, e com a indústria predominantemente de pequeno e de médio porte dando sinais de arrefecimento por estar no olho do furacão dos efeitos da globalização, já que é extremamente dependente do setor automotivo, Diadema sofre com o desemprego e a informalidade.

Não há números atualizados sobre o dilúvio de perdas com a desvalorização do Real. O que se pode é especular sobre a desgraça: em 1995, no primeiro e último censo que a Prefeitura realizou para conhecer a realidade do Município, o desemprego atingia 20%. Esse índice é altíssimo, quando se considera que se respirava e transpirava situação de sucesso do Plano Real. Para se ter idéia da montanha de desempregados, só em janeiro último, sob os efeitos das perdas e danos do dólar ressuscitado, essa era a taxa média do Grande ABC.

Não há outra saída para Diadema buscar o equilíbrio social senão voltar-se para avanços no planejamento econômico indutor de novos investimentos privados. Nem com o fenômeno da terceirização, estratégia de pequenas, médias e indústrias de grande porte do Município para reduzir custos, Diadema tem conseguido arregimentar novos empreendimentos. Em 1990, quando se iniciou a abertura econômica do País, durante o governo Collor de Mello, Diadema contava com 1.630 indústrias. No ano passado, já sob os efeitos ainda não esgotados da globalização, da abertura econômica abusiva do governo federal e sob os primeiros escombros de crises financeiras na Ásia e na Rússia, Diadema somava 1.548 unidades. A diferença de 5% não é elucidativa justamente porque a terceirização, que cria microempresas, esconde a debandada de pequenas e médias organizações, embora em proporções bem menos alarmantes que a de outros municípios da região.

O consumo de energia industrial em Diadema, segundo dados da Secretaria de Energia do Estado, não desabou como o da vizinha São Caetano, por exemplo, que se reduziu em 82% no período de 1990 a 1998. Nem poderia, porque São Caetano aprofundou o perfil de substituição do setor industrial pelo terciário. As perdas industriais de Diadema, mais discretas, são inquietantes, porque a única alternativa do Município é a indústria. De 485.995 MW/h de consumo em 1990, Diadema passou para 589.291 MW/h no ano passado.

Matematicamente, é um avanço. Mas, confrontado com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 23% no período, houve retrocesso. Se a comparação se restringir ao período do Plano Real, de 1994 a 1998, a perda é maior: contra a média de evolução do PIB no período de 3,7%, o consumo de energia elétrica industrial de Diadema evoluiu à média anual praticamente residual de 0,10%. Além disso, pela primeira vez desde 1992, auge da recessão collorida, Diadema acusou golpe de redução no consumo de energia industrial — em 1997 foram 600 mil MW/h, contra 589 mil do ano passado.

A tendência é de novo rebaixamento este ano, dada a dependência do setor automotivo, atingido pela descentralização de plantas. O modelo industrial voluntarista, cópia fiel do processo de ocupação produtiva do Grande ABC, parece esgotar-se. Isso é péssima notícia, porque o enfrentamento da globalização tem-se dado com redução dos quadros de trabalhadores. Apenas 3% dos moradores de Diadema têm curso universitário, contra média de 12% em Santo André, São Bernardo e São Caetano. Como os empregos industriais cada vez mais agregam valores educacionais, não é preciso ser expert em sociologia do trabalho para compreender a extensão do agravamento do quadro de desemprego. De qualquer modo, Diadema não perdeu o tônus econômico da indústria.

Tanto que se mantém há vários anos em 10º lugar no ranking do índice de Participação de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado de São Paulo. Isto é: é a 10ª economia mais importante do Estado mais rico da Federação. No ano passado Diadema apresentou participação estadual de 1,4255%. Só perdeu para Jundiaí, Santo André, Barueri, Paulínia, Campinas, São José dos Campos, Guarulhos, São Bernardo e São Paulo, a líder com quase um terço de participação — 27,4372%. O Valor Adicionado alcançado por Diadema (R$ 2.885.085.018) praticamente se equivale ao de Santo André (R$ 2.972.834.999), apesar de contar com quase a metade da população.

A explicação é simples e atesta a importância da indústria como agregadora de recursos: Santo André perdeu muitos empreendimentos de produção nas duas últimas décadas, enquanto Diadema passou a ser receptora, inclusive de migrações internas. Valor Adicionado é a diferença de valor entre a saída e a entrada das mercadorias, serviços de transporte e comunicação.

As perdas relativas no setor industrial de Diadema também provocaram mudanças pelas quais os demais municípios da região viveram no mesmo espaço de tempo: o surgimento de número cada vez mais elevado de estabelecimentos comerciais e de serviços. De 4.489 estabelecimentos em 1990, passou para 6.974 no final de 1998 — ou seja, 55% de acréscimo. Em grande parte são ex-trabalhadores industriais que abriram negócios de sobrevivência. Faltam números sobre o canibalismo que os envolveu, seja por excesso de oferta e ou por escassez de demanda.

A atenuante à esquerda que conduziu a transformação socioestrutural de Diadema nos últimos 16 anos são os tropeços das políticas econômicas do governo federal, sempre voraz no aumento de impostos e postergador em planejamento, e também do governo estadual, relapso na reação contra a guerra fiscal que atingiu em cheio o coração da Região Metropolitana, no caso o Grande ABC. Sem falar da atávica omissão de governos municipais da região, que geralmente só se lembram de quem produz e gera emprego às vésperas de eleições, para arrecadar fundos, ou em atendimentos pontuais, sempre de olho na reciprocidade de caixinhas eleitorais.

Mas a esquerda de Diadema tem muita culpa no cartório. Muito mais do que os administradores que passaram pelos outros municípios da região, porque o capital sempre foi visto de soslaio, com desconfiança. Como se poderia esperar algo diferente de uma revolução cujos principais protagonistas foram sindicalistas forjados no organismo mais combativo da estrutura capitalista, os metalúrgicos de São Bernardo e Diadema? O primeiro prefeito da história do PT, Gilson Menezes, saiu da rebeldia que fez da Vila Euclides a versão sindical da futebolística Vila Belmiro, em Santos, e de Lula um líder carismático e desafiador do estabilishiment militar. Juntaram-se a Gilson Menezes companheiros intelectuais fortemente doutrinários e dogmáticos e o resultado não poderia ser diferente: tudo pelo social, o resto para o econômico.

Como os tempos são outros e as necessidades também, capital e trabalho já se aproximam. O prefeito Gilson Menezes demorou, mas percebeu que Secretaria de Desenvolvimento Econômico, ou qualquer denominação que lembre isso, não é fantasia. Tanto que resolveu criar o organismo, depois de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Mauá e Ribeirão Pires alterarem organogramas logo no início de 1996, quando os novos prefeitos assumiram.

A instalação da secretaria que vai cuidar do planejamento econômico de Diadema é ainda algo improvisado. O presidente do Conselho Superior da Acid (Associação Comercial e Industrial de Diadema), Filipe dos Anjos Marques, um dos mais combativos adversários da esquerda no Município, garante que a nomeação da vice-prefeita Maria Regina Gonçalves não passa de acerto político-eleitoral. Gilson Menezes teria utilizado a moeda da secretaria para transformar adversária em aliada. Independente disso, o que se sabe é que Maria Regina é especialista em habitação. De macroeconomia e de microeconomia entenderia muito pouco.

A favor de Filipe dos Anjos Marques está a realidade de que a secretaria cuja missão é dar organicidade econômica a Diadema é um penduricalho burocrático, sem estrutura física, material e de recursos humanos. Filipe é contundente nas críticas ao passado de administrações de esquerda em Diadema. “O empresariado sempre foi discriminado pelo PT no Município, e agora pelo Gilson Menezes. Espaços habitacionais foram priorizados em detrimento de áreas industriais; com isso, perdemos a capacidade de crescer e gerar mais empregos” — desabafa.

O dirigente da Acid não pára por aí. Condena a política tributarista dos administradores municipais. Lembra da gestão de José Augusto Ramos, que chegou a aumentar o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) industrial em até 10.000%. “A reação do setor foi imediata, inclusive com outdoors e ações na Justiça” — relembra. Filipe também condena a política de arbitramento de receitas do setor terciário: “Aleatoriamente, os fiscais da Prefeitura estabeleceram valores mínimos para efeito de recolhimento do ISS (Imposto Sobre Serviços), a pretexto de coibir a sonegação” — critica.

Se contra números não há argumentos, a acidez de Filipe Marques conta com respaldo estatístico. O volume de recursos arrecadados com o IPTU entre 1992 e 1998 saltou seis vezes, de US$ 3,3 milhões para US$ 20 milhões. Também os valores de ISS foram à Lua: de US$ 3,4 milhões em 1992 para US$ 9,1 milhões em 1998. “O que a esquerda fez em Diadema tem semelhança com o que o governo federal fez no Brasil, isto é, aumentou constantemente a arrecadação tributária. A diferença é que o governo federal não tem mais déficit público operacional, enquanto Diadema não consegue equilibrar o orçamento porque gasta mais do que arrecada” — fuzila o dirigente empresarial.

Filipe integra o coro de quem reconhece as transformações sociais pelas quais Diadema passou em uma década e meia. Faz elogios às políticas públicas voltadas para educação, lazer, saúde e infra-estrutura. Mas é enfático: “Não se constrói um Município, Estado ou País apenas pela metade”.

O estilo agressivo de Filipe Marques talvez fosse desnecessário para cristalizar os pecados da vertente econômica das esquerdas em Diadema. Pesquisa desenvolvida pelo Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano), em 1995, a pedido de Jorge Hereda, então secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Diadema, mostrava os caminhos que precisavam ser trilhados. Produzido no final do mandato do prefeito José de Filippi Júnior e completamente ignorado pelo sucessor Gilson Menezes, o material pode ter perdido a atualidade numérica, mas é farto em diagnósticos e propostas com prazo de validade em dia.

Maria do Carmo Romeiro e Marlene Cardia Laviola, especialistas do Imes, desenvolveram minucioso relatório sobre a pesquisa, com base na definição do perfil econômico do Município. Constataram que dos 25 setores que estavam representados na área industrial formal de Diadema, quatro absorviam 60,3% do pessoal ocupado (40.050 pessoas) — fabricação de artigos plásticos e de borracha, fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias, fabricação de máquinas e equipamentos e fabricação de produtos metálicos — exceto máquinas e equipamentos. O emprego industrial predominava, com 67%.

Maria do Carmo e Marlene Cardia alertaram que a aceleração das inovações tecnológicas e a sofisticação dos processos de informação deveriam reduzir de forma acentuada o uso da mão-de-obra de baixa qualificação. “Nesse sentido, a possibilidade de ampliação dos contingentes de excluídos não qualificados e semiqualificados não adaptáveis à velocidade e às circunstâncias impostas pela revolução tecnológica é uma ameaça” — escreveram.

As pesquisadoras também advertiram para o possível agravamento na estrutura distributiva de renda, decorrente das dificuldades de transferência dos trabalhadores de setores pouco dinâmicos para os mais avançados. Recomendaram que as incubadoras de empresas são forte apelo para o fortalecimento de organizações de pequeno e de médio porte, mais intensamente demandantes de mão-de-obra.

Chamaram a atenção para o estímulo municipal favorecer contato mais íntimo entre os setores industrial e terciário, por meio de campanhas de compra e contratação de serviços locais. Sugeriram o desenvolvimento de estrutura na esfera municipal para monitorar a instalação de novas empresas de ramo moderno, a partir da identificação do encaminhamento futuro proposto para os complexos regional e estadual.

Mais à frente, as especialistas propuseram forte programa de divulgação do Município, incluindo a disponibilidade de dados das características locais e vantagens comparativas em relação a outras localidades. Também sugeriram programas de apoio educacional e de profissionalização para a gestão negocial, destinado ao pequeno empresário formal e informal. Sugeriram ainda iniciativas de fortalecimento de micro, pequenas e médias empresas diante da concorrência imposta por unidades de maior porte. Seriam tarefas como a coordenação e prestação de apoio técnico às iniciativas de compra cooperada, além de sistemas de crédito e de vendas, entre outras sugestões.

Tudo isso jamais foi aplicado. O ex-secretário Jorge Hereda é hoje braço direito da prefeita de Ribeirão Pires, Maria Inês Soares, também presidente do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e coordenadora da Câmara Regional. Hereda, por força do cargo técnico-político que exerce, de intensas relações com os prefeitos, evita avaliar as administrações de esquerda em Diadema sob o ponto de vista econômico, provavelmente para não particularizar. Certo mesmo é que foi ele o grande incentivador da pesquisa do Imes, antecipada por um censo socioeconômico executado pela própria Prefeitura de Diadema, sob sua orientação. Ele repetiu o trabalho, em menores proporções, em Ribeirão Pires, Município onde a Prefeitura, agora de esquerda, alinhou e já desenvolve políticas para sustentar as transformações econômicas. Elegeu o turismo como importante alternativa ao desgastado setor industrial, historicamente modesto por causa das restrições da Lei de Proteção dos Mananciais.

Enfim, enquanto Ribeirão Pires finalmente atira-se nos braços de sua vocação econômica, a Diadema bafejada pelos deuses do consumo material insiste em não lhe dar qualquer suporte estratégico.

Ciranda política de Gilson e Josés

  • VERA GUAZZELLI

A trajetória eleitoral de Diadema nos últimos 16 anos se parece com Quadrilha, poema de Carlos Drumond de Andrade que se refere à conhecida dança junina para descrever uma ciranda: o atual prefeito Gilson Menezes sucedeu a José de Filippi Júnior que sucedeu a José Augusto da Silva Ramos que sucedeu a Gilson Menezes, que pode se reeleger ou ser sucedido por José de Filippi Júnior ou por José Augusto da Silva Ramos. A semelhança, porém, acaba na sonoridade das palavras. O ciclo sugerido pelo poema ensaia o capítulo cinco da guerra de estrelas instalada com o surgimento das três lideranças que já ocuparam a Prefeitura sob a bandeira do Partido dos Trabalhadores. Gilson, o atual prefeito, é agora do PSB, depois de passar pelo PMDB; José Augusto está no PPS e José de Filippi continua no PT. As siglas são diferentes, mas o sonho de voltar ou permanecer na Prefeitura apimenta a disputa e contribui para que Diadema se torne cada eleição a cidade do Brasil onde os partidos de esquerda mais conquistam eleitores.

A afirmação se baseia em fatos e números. Basta passar os olhos nos resultados das eleições desde 1982, que empossaram Gilson em 1983. Os candidatos ligados a partidos historicamente conservadores, à direita, colecionam sucessivas derrotas e queda vertiginosa no número de votos. Luiz Inácio Lula da Silva nunca perdeu uma eleição na cidade, desde que tentou ser presidente pela primeira vez, em 1989. Mário Covas – que perdeu em 1994 e no primeiro turno de 1998 amargou um quarto lugar, com apenas 7% da preferência do eleitorado – arrebatou 50% dos votos no segundo turno, após apoio explícito de partidos com PT e PPS, na briga contra Paulo Maluf, ícone da política conservadora e tradicional.

“O Grande ABC é a região mais politizada do País e Diadema a cidade mais politizada do Grande ABC”. A afirmação do deputado estadual e virtual candidato à Prefeitura José Augusto da Silva Ramos é apenas leitura mais contextualizada da preferência esquerdista de Diadema. A esquerda chegou no pódio em 1982 beneficiada por racha da direita e pelo momento de ascensão que vivia no Brasil, quando o movimento sindical transcendeu as reivindicações de salário e benefícios trabalhistas para almejar também o poder político. Ironicamente, foram outros rachas, tão comuns no jogo político, que contribuíram para o surgimento das três lideranças de esquerda.

Gilson Menezes não concordou com a candidatura de José Augusto, à época seu secretário de Saúde e homem de confiança. Saiu do partido e apoiou outro candidato. Já José de Filippi não aceitou supostas ingerências de José Augusto, então seu secretário de Governo, e o exonerou no segundo ano de mandato. Gilson de Menezes, primeiro prefeito do Partido dos Trabalhadores eleito no Brasil, foi conduzido ao Executivo com 23.310 votos. Seus adversários tiveram respectivamente 14.155 e 11.411 votos. Juntos venceriam Gilson Menezes. Hoje, porém, qualquer candidato de direita encontra espaço bastante reduzido.

Se a conjuntura e o destino deram uma mãozinha, foram decisivas as respostas positivas da Administração às principais necessidades da população em sua maioria pobre, basicamente migrante, que desconhecia qualquer intervenção pública. O povo que foi chamado e aprendeu a participar da gestão do poder aprovou os benefícios de prática pouco usual, a continuidade administrativa. Agora os três principais protagonistas das mudanças vão colocar suas ações sob julgamento de 220.292 eleitores, em disputa que promete emoção, confusão e sensação.

Será, então, outra mão de esquerda a tocar Diadema no ano 2001? Provavelmente, já que cada um dos três fortes candidatos contribuiu, à sua maneira, para mudar a cara da mais periférica cidade do Grande ABC, que está exatamente à esquerda da região quando se olha o mapa. A relação de amor e ódio entre esses homens, felizmente, não fez a cidade queimar na fogueira das vaidades. Depois de trabalharem juntos – Filippi e José Augusto foram secretários de Obras e Saúde, respectivamente, na primeira gestão de Gilson e Filippi foi secretário de Obras na gestão de José Augusto –, o destino os coloca novamente no mesmo caldeirão. Até a ameaça de cair a emenda da reeleição para prefeito, fato que poderia tirar Gilson Menezes do páreo, preocupa menos agora, depois que PSDB, PFL, PPB e PMDB, base governista no Congresso Nacional, resolveram deixar a questão da reeleição só para 2004.

Entrelaçado ora sob a mesma bandeira partidária, ora sob as mesmas aspirações, o cenário está pronto e o espetáculo já produz as primeiras encenações. Gilson, municipalista convicto, está às voltas com um segundo governo complicado que vive sob ameaça de intervenção por causa de dívidas com precatórios. O prefeito é capaz de subir em poste para religar a luz cortada por falta de pagamento e de declarar que resiste à intervenção com sua própria vida. Filippi, engenheiro civil, e José Augusto, médico, acabam de assumir as cadeiras de deputado na Assembléia Legislativa. José Augusto, aliás, preferiu não arriscar um segundo mandato de federal e candidatar-se a estadual para ficar mais próximo do eleitorado. “O poder municipal é mais importante” – afirma José Augusto. “Sou candidato” – admite Filippi. “Gosto de desafio” – avisa Gilson.

A primeira prévia eleitoral de Diadema não é uma pesquisa de intenção de votos. São os números da última eleição. Considerando-se três ex-prefeitos que deixaram as respectivas gestões com índice de aprovação popular superior a 80%, os indicadores do pleito de 1998 podem sinalizar uma das mais saborosas disputas já assistidas na região e no Brasil. “Vai ser uma eleição diferente, com três candidatos em pé de igualdade” – admite a presidente do PPS local e esposa de José Augusto, Maridite de Oliveira.

Eleito deputado mais votado do Partido dos Trabalhadores com 52.216 votos, Filippi também abocanhou o primeiro lugar de Diadema, com 34.218 votos, José Augusto veio em segundo com 31.240 e Eliete Menezes, atual vereadora e primeira-dama, em terceiro com 6.138. Na eleição para deputado estadual em 1994, Gilson teve 31.962 votos. Os números apenas sugerem uma colocação, pois eleições de prefeito e deputado têm contextos distintos. Como as urnas são indiscutivelmente soberanas, é prematuro arriscar qualquer prognóstico. “O PT entra como favorito. Mas isso não significa que o jogo esteja ganho” – acredita Filippi.

É preciso levar em conta também que o fenômeno de transferência de votos funciona muito pouco no Brasil. Que o diga o casal Menezes. O atual prefeito venceu o PT em 1996, beneficiado pela briga entre Filippi e José Augusto, mas não conseguiu transferir votos para a esposa, que tentou vaga na Assembléia Legislativa no ano passado. O casal, aliás, já sabia disso. Na eleição de 1992, quando Gilson foi impugnado por ter as contas rejeitadas, Eliete Menezes assumiu seu lugar na disputa, pelo PSB, mas perdeu a eleição para Filippi por 3.033 votos.

A associação entre homem e partido é capaz de produzir surpresas, mesmo em cidade politizada como Diadema. A íntima relação de Gilson, José Augusto e Filippi com o Município leva, por vezes, o eleitorado a votar no homem e não na sigla. Segundo pesquisa do Partido dos Trabalhadores de Diadema, o PT tem 30% de eleitorado fiel na cidade, 25% simpatizantes que não estão envolvidos com as discussões políticas e normalmente não distinguem homem e partido, e 20% de rejeição. Outros 25% não possuem preferências partidárias. Numa equidade de forças, a regra é para todos: ganha quem angariar mais simpatizantes fora do reduto. José Augusto já está fazendo a lição de casa, com a filiação de vereadores ao PPS. “Somos a maior bancada da Câmara agora (o PPS tem cinco vereadores)” – comemora. “Com certeza a de maior fidelidade partidária também (o PT tem quatro e o PSB, três)” – ironiza Filippi.

Divergências à parte, há uma unanimidade: na eleição do ano 2000 não pode haver racha interno. Se depender da vontade dos partidos, cenas de bangue-bangue como protagonizadas por José Augusto e José de Filippi na última eleição não devem se repetir. No auge da confusão, o PT pulou de 12 mil para 36 mil filiados. A filiação em massa possibilitou que José Augusto ganhasse a disputa pela legenda contra o atual presidente do diretório do PT de Diadema, Joel Fonseca. “O PT está unido em torno do nome de Filippi” – garante Fonseca. A situação real de cada partido delineia-se no começo deste mês: por exigência da lei eleitoral, deve ser registrado o cadastro de filiados no Cartório Eleitoral. Só aí se saberá o número exato de correligionários. Joel Fonseca acredita que a direita está aniquilada em Diadema e que a população que aprendeu a reivindicar e a exercer direito de cidadania não vai mais abrir espaço para práticas fisiologistas.

Mas não é aconselhável dormir em berço esplêndido, já que partidos tradicionais também buscam espaços. O PMDB manda recado. “O partido vai ter candidato próprio, embora seja cedo para fazer em nomes” – revela a vereadora Cida Ferreira, uma das principais lideranças peemedebistas da cidade. Segundo ela, não há como negar a definição das forças políticas no Município, mas o surgimento de novas lideranças arregimenta os descontentes.

Como números são argumentos incontestes, a preferência esquerdista salta das urnas. Em 1994, Lula teve 45% dos votos na cidade, José Dirceu, para governador, 28%, E Luiz Erundina, para o Senado, 26%. Em 1998, Lula abocanhou 49% dos votos, Marta Suplicy, 38% e Eduardo Suplicy, 58%. No Legislativo não foi diferente. Em 1994, Diadema elegeu Gilson Menezes para a Assembléia com 31.962 votos e José Augusto para a Câmara dos Deputados, com 38.878. Em 1998, Filippi e José Augusto chegaram à Assembléia com 34.218 e 31.240 votos, respectivamente. Entre os 20 candidatos a deputado estadual mais votados em Diadema, 14 eram de partidos de esquerda e juntos somaram quase metade dos votos válidos. Para deputado federal, apesar de não ter candidato local, 15 dos 20 mais votados eram de esquerda, entre os quais 10 do PT, dois do PPS e dois do PSB.

A preferência da população também está desenhada na Câmara Municipal, apesar da migração partidária. Entre os 21 vereadores há apenas um representante do PTB (Denise Ventrici, também eleita pelo PTB, saiu do partido e está sem legenda) e um do PMDB. Os outros estão ligados a partidos progressistas e a presidência da Casa é do PSB. Portanto, a vitória nessa batalha dispensa amadorismo e privilegia a habilidade. “Sair do PT me abriu novos horizontes” – acredita José Augusto. “A filosofia da direita morreu em Diadema” – sentencia Gilson Menezes. “Para vencermos a eleição temos de nos aliar conosco mesmo” – conclui Filippi.

Definição que resiste ao tempo

Esquerda, volver! Se a palavra de ordem fosse dita para o batalhão de políticos brasileiros, para que lado se moveriam? Muitos, com certeza, ficariam em dúvida. À parte fisiologismo e interesses escusos, os partidos brasileiros podem ser divididos nas três correntes que congregam a ideologia política desde a Revolução Francesa: direita, esquerda e centro. Mesmo que a pluralidade de idéias e pensamentos conviva dentro de um mesmo partido e até transite entre siglas ideologicamente vizinhas, os acadêmicos reúnem elementos suficientes para localizar a maioria das 27 siglas partidárias registradas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Os conceitos de esquerda, direita e centro têm origem na revolução burguesa, na França de 1789, quando os deputados começaram a se agrupar por correntes de opinião. À direita do presidente sentavam-se os girondinos, deputados dispostos a colocar freio no avanço de alas mais esquerdistas. À esquerda, os jacobinos e defensores dos princípios revolucionários. No centro concentrava-se grupo sensível aos humores da opinião pública e pressão das ruas e que pendia, em geral, para o lado dos girondinos, à direita.

De acordo com o cientista político e sociólogo Robert Henry Srour, a esquerda brasileira está pintada por vários tons de vermelho. Na divisão acadêmica aparece a extrema esquerda, onde ainda pululam idéias revolucionárias que têm nos comunistas PC do B e PSTU os principais representantes. Na esquerda clássica se destacam os socialistas encontrados no PT, PSB, PPS e PDT. Mais em direção ao centro estão os social-democratas do PSDB, que são reformistas e propõem democratizar o capital por medidas como a participação dos trabalhadores nos lucros, por exemplo.

Também no que diz respeito à organização econômica aparece o tripartidarismo — explica o sociólogo. Resumidamente, os socialistas são favoráveis à participação do Estado na economia. Os social-democratas defendem a privatização e a intervenção do Estado somente nas áreas sociais e na regulação das distorções do mercado. Os neoliberais entendem que tudo deve ficar por conta do mercado. Entretanto, com o avanço tecnológico que escancarou a globalização e colocou em xeque modelos econômicos centrados na produção industrial, a dualidade entre o ser e o fazer coloca dogmas e princípios em conflito. “Os governantes são obrigados a agir de maneira menos dogmática, caso contrário não governam” — explica Robert Srour.

O professor de Ciência Política da Unesp e pesquisador do Cedec (Centro de Estudos da Cultura Contemporânea), Tullo Vigivani, avalia que no Brasil, em razão da crise econômica, os governantes priorizam o econômico por acreditar que isso abrirá caminho para a solução dos problemas sociais. Daí as alianças com setores mais tradicionais. “A esquerda oscila entre a crítica e o enfrentamento do governo e tem demonstrado grande capacidade de aplicar programas sociais nas cidades ou Estados que dirige” — resume Vigivani.

Apesar de resvalar na própria retórica, quando lança mão de discurso ainda pasteurizado, as virtudes da esquerda saltam aos olhos do povo acostumado aos desmandos políticos. Os partidos de esquerda estimulam e permitem a participação popular e quase sempre tratam com seriedade o dinheiro público. A transparência de seus governos pode ser medida pelo baixo número de escândalos, segundo a linha de pensamento de Srour. É certo que o governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, ganhou as manchetes dos jornais quando contratou mulher, filhos e outros parentes para assessorá-lo. Praticou o nepotismo que seu partido repugna. Porém, perto do escândalo das administrações regionais da Capital paulista, que envolve propinas a vereadores do PPB, a atitude de Zeca se assemelha a travessura de criança. “O ideal seria juntar as virtudes das esquerdas com as dos social-democratas” — arrisca Srour.



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