Administração Pública

Paulinho Serra sabe que Santo
André é uma grande encrenca

DANIEL LIMA - 24/11/2016

O prefeito eleito de Santo André sabe o tamanho da encrenca que o espera a partir de janeiro próximo. O diálogo que mantivemos durante quase uma hora, no escritório que ocupa no Bairro Jardim, não foi um voo rasante. Preferimos voo panorâmico. É impossível ir a detalhes durante tão pouco tempo. Mas a conversa foi suficiente para arrancar do novo prefeito uma promessa importante.

Trata-se do seguinte: Paulinho Serra não vai mais falar de Santo André com o entusiasmo típico de quem ganhou a eleição mais fácil da história, mas sim com a preocupação de quem sabe que a herança maldita das últimas administrações e o encalacramento econômico da ex-capital econômica da Província do Grande ABC são desafios demais para enfrentar durante pelo menos quatro anos. Exibir sorriso a todo instante soaria alheamento.  

O ambiente econômico e social de Santo André não permite o que chamaria de tom comemorativo nas declarações de qualquer agente público ou privado. Até mesmo em respeito aos concidadãos de um Município órfão industrial e capenga nos setores de serviços de baixo valor agregado. Quem está a festejar muito é uma minoria de ricos com a vida resolvida e também um bando de hienas que riem da própria desgraça. Paulinho Serra precisa ser austero inclusive na postura pública. 

Deixar para depois 

Paulinho Serra custou a admitir na conversa informal haver desfilado sorrisos de dentifrício famoso nos dias sequenciais à vitória. Negou que houvesse transformado a gestão de Santo André em algo sem maiores conotações de desafio. 

Mas aos poucos o diálogo foi avançando de modo que pude perceber no novo prefeito uma característica que possivelmente o auxiliará a domar as feras que pretendem prendê-lo a um figuro conservador e improdutivo. Paulinho Serra aparenta saber sair de uma pergunta prospectiva incômoda sem levar ao interlocutor a ideia de que seja arrogante. 

Não gosto e não pretendo estabelecer comparações entre Celso Daniel e Paulinho Serra como de vez em quando o prefeito tucano parece estimular. Mas há entre eles, separados no tempo, no espaço e no ambiente, algo que poderia ter alguma semelhança e que supostamente auxiliaria o próximo prefeito de Santo André a dar um nó nas dificuldades mais prementes: como Celso Daniel, Paulinho Serra parece ter vocação de deixar para depois questão à qual não estaria preparado para responder de imediato.

Como Celso Daniel 

Se Paulinho Serra não sabe mesmo é bom, portanto, que saiba que Celso Daniel dava sempre um jeito de deixar para depois uma eventual decisão que haveria de tomar porque a demanda sobre um chefe de Executivo municipal é intensa. Responder de imediato pode ser armadilha a erro de avaliação apressada. O que poderia sugerir segurança traveste-se, portanto, de irreflexão. 

Quem me contou essa característica de Celso Daniel foi Sérgio Gomes da Silva, o bom amigo que perdi materialmente mas que está vivo nas minhas lembranças como a segunda maior vítima do assassinato do prefeito. Sim, o Sérgio Gomes da Silva a quem foi imposto malandramente o codinome de “Sombra” para incriminá-lo judicialmente e ante a opinião pública. De fato Sérgio Gomes era mais conhecido entre os grupos de amigos do PT como “chefe” do que como “Sombra”. Mas isso é outro assunto.

Sérgio Gomes foi-se embora outro dia mas me contava sorrindo, nas muitas tardes que convivemos em seu apartamento, em Santo André, que Celso Daniel era um sujeito esperto e tranquilo o suficiente para não se meter em enrascadas de compromissos que eventualmente não poderia cumprir. O “sujeito” da frase anterior era sempre usado por Sérgio Gomes, um homem tão inteligente e debochado que seus detratores nem imaginam o quanto era rico em sabedoria. 

Jogo do poder 

Misturo as tardes com Sérgio Gomes e o a conversa informal com Paulinho Serra porque acho importante o novo prefeito de Santo André compreender o jogo do poder. Uma coisa é ser vereador, outra é ser prefeito. Paulinho Serra já deve ter sentido parte da diferença nesses dias pós-eleições. Deixar para amanhã o que não se pode resolver hoje é estratégia autopreservativa. 

Por isso mesmo Paulinho Serra não poderia ter dito ao Diário do Grande ABC como disse logo após as eleições que Santo André não perdeu praticamente nada economicamente nos últimos tempos, depois da duríssima desindustrialização de mais de duas décadas. Também não poderia ter falado, porque comete um erro pré-gerencial, que daria preferência a titulares político-partidários nas secretarias, mantendo como adjuntos profissionais técnicos. Aliás, especificamente sobre esse assunto nós não tratamos. Veio-me à mente agora. 

Se Paulinho Serra precisar acomodar muito político em cargos técnicos teremos a clara sinalização de que vendeu a alma para ganhar uma eleição facílima. Como, aliás, apontei aqui nesse espaço logo após a disputa do primeiro turno. Sobre o secretariado, o prefeito eleito de Santo André desconsiderou de imediato a lista de nomes que o Diário do Grande ABC publicou outro dia. Sem entrar em detalhes, assegurou que se trata de abstração. Menos mal, porque a maioria dos apontados colocaria a Administração do tucano a um passo da degringolada. 

Paulinho Serra sabe que Santo André perdeu muito e continua a perder na medida em que mesmo eventualmente com dados econômicos congelados acaba por comer poeira porque outros concorrentes, no caso municípios, seguem alargando a diferença. 

Apagar o passado

O que retirei de Paulinho Serra naquele, sem ferir a condicionalidade de manter a conversa no compartimento de of-the-record é que ele vai apagar totalmente ou quase totalmente as digitais que deixou durante o período em que atuou como secretário de Mobilidade Urbana de Santo André. Paulinho Serra sabe que foi um secretário muito aquém do desejável. Ele entrou na onda petista, sobretudo do prefeito paulistano Fernando Haddad, de criar corredores e faixas de veículos, privilegiando o transporte coletivo em detrimento dos de passeio e caminhões.

Deu-se mal Paulinho Serra porque Santo André faz parte da Província logística do Grande ABC enquanto a Capital de Fernando Haddad tem respaldo do ex-prefeito Faria Lima, nos anos 1960, em formas de radiais que facilitam o sistema viário. Não fosse a Capital do Estado vítima preferencial dos bandidos imobiliários conjugados com os bandidos públicos que permitiram a construção de selvas de pedra sem critérios abrangentes de qualidade de vida, teríamos um centro de metrópole de dar gosto. 

Não que faltem bandidos imobiliários e bandidos públicos nos escaninhos dos poderes municipais em Santo André e na região. Aqui o problema maior, que não exclui o suplementar da exploração indevida de uso e ocupação do solo, é que não existe infraestrutura física para um salto rumo ao futuro que, goste-se ou não, há disponível na Capital planejada no século passado. Corredores e faixas de ônibus, portanto, só poderiam dar no que deu: um imenso furo nágua. 



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