Como detesto ficar em cima do muro, desde que a decisão não leve ao ridículo, vou ser reto e direto: depois de assistir a vitória do São Caetano sábado de Carnaval no Estádio Anacleto Campanella contra o Água Santa de Diadema por um a zero, não tenho dúvida de que os dois representantes da região na Série B do Campeonato Paulista podem sim conquistar o acesso e disputar a principal competição estadual no ano que vem. Não à toa estão no G-4, o São Caetano em primeiro com 16 pontos e o Água Santa em terceiro com 14. Rio Claro e Bragantino completam a lista.
São Caetano e Água Santa fizeram um clássico de maturidade tática, contaram com algum brilho individual e provaram dispor de mais virtudes que defeitos coletivos. Tudo indica que deverão melhorar ainda mais nas rodadas que faltam para o encerramento da etapa de classificação. Nada melhor, porque os concorrentes devem ser observados com todo o cuidado. Essa é a Série B mais forte dos últimos anos. A lista de candidatos às quatro vagas é enorme. Mas o São Caetano e o Água Santa parecem estar em estágio superior.
Por essas e por outras o melhor mesmo é ficar atento às 12 rodadas que restam ao encerramento de fase classificatória da Série B. É mais que provável, apesar das durezas de uma competição muito equilibrada, que São Caetano e Água Santa se encontrem numa das etapas seguintes, a semifinal e a final. Tomara que seja na final, porque as duas equipes subiriam. Os quatro primeiros colocados da atual fase vão jogar na semifinal. O primeiro colocado enfrenta o quarto e o segundo pega o terceiro. São Caetano e Água Santa merecem se enfrentar na final.
Água é time forte
Já vi o São Caetano jogar nesta temporada em número suficiente de vezes para garantir que é um forte concorrente à Série A do ano que vem. Vi o Água Santa pela primeira vez. O time de Jorginho Cantinflas não ganhou por acaso 14 dos 21 pontos disputados em sete rodadas e só perdeu a invencibilidade justamente sábado de Carnaval. É um time forte individual e coletivamente. Acertei em cheio quando escrevi na semana passada o que esperava ver do Água Santa com Jorginho de treinador. Só errei na intensidade. O time de Diadema é melhor do que imaginava para os padrões da competição.
Diferentemente de todos os Águas Santas que disputaram competições de acesso com amplo sucesso e por isso mesmo o clube chegou ano passado à Série A, da qual foi despachado, o time de Jorginho Cantinflas pratica um futebol versátil, de muita movimentação, mobilidade, força defensiva e ofensiva.
O Água Santa do passado era um time peladeiro. Ganhava na vontade, na determinação. Era uma correria desenfreada. Com apoio maciço de uma torcida fanática, só poderia mesmo se dar bem. O time de Jorginho é ótimo com a bola nos pés e forte sem a bola. Com a bola nos pés movimenta-se o tempo todo. Sem a bola marca com rigidez. O São Caetano precisou usar todo o arsenal de melhor conjunto de jogadores do campeonato para superar o rival regional.
Substituições letais
O São Caetano foi levemente melhor no primeiro tempo e no começo do segundo sentiu um adversário mais decidido a soltar-se em campo, mas foi aí que o time da casa marcou o gol da vitória. Um gol com o dedo e a cabeça do técnico Luiz Carlos Martins. Ele acabara de substituir dois jogadores de baixa movimentação (o centroavante Lincom e o meia-atacante Francisco Alex) pelo atrevido Ermínio, um atacante que joga pelas extremidades, e um meia de armação talentoso (Norton). Na primeira investida, numa rápida penetração de Norton às costas de uma defesa sempre atenta, Ermínio infiltrou e recebeu livre para completar o passe medido vindo da linha de fundo. A jogada começou com a troca de passes entre o volante Gercimar e o lateral Alex Reinaldo. Gercimar observou o avanço de Norton e fez o passe às costas do zagueiro.
A vantagem do São Caetano foi um teste duplo para as duas equipes da região. Nem o Água Santa se desesperou na tentativa de empatar, entregando de bandeja o contragolpe que o São Caetano tanto desejava, nem o São Caetano ficou exclusivamente no combate à frente dos zagueiros. O Água Santa encontrou dificuldades para penetrar pelo meio e buscou as laterais, por onde encontrou espaços porque os atacantes abertos do São Caetano demoravam a voltar e auxiliar na marcação. O São Caetano contra-atacou com letalidade poucas vezes, mas o suficiente para o adversário entender que corria riscos caso se soltasse mais.
Nem a expulsão de Ermínio aos 35 minutos do segundo tempo modificou o jogo a ponto de o Água Santa pressionar duramente o adversário. Bem que tentou, mas o São Caetano não perdeu o controle emocional e procurou gastar o tempo com passes nem sempre produtivos, mas dissuasivos.
Que faz Danielzinho?
Sorte do São Caetano que o Água Santa manteve em campo um jogador inútil (Danielzinho, revelado pelo São Bernardo e que já passou inclusive pelo próprio São Caetano). Com baixa mobilidade e deslocado à direita, para tentar aproveitar os avanços do lateral Bruno Recife, Danielzinho transmite a sensação de que é tão dono de si que acreditaria que a bola lhe será escrava quando bem entender.
As virtudes coletivas do Água Santa me induzem a afirmar que muito provavelmente chegará entre os quatro finalistas – exceto se o que jogou sábado foi uma exceção --- o que é pouco provável pelos números na competição. Trata-se de um time compacto, seguro no momento de agilizar e de acalmar o jogo.
Os avanços dos laterais, as penetrações seguidas de lançamentos em diagonal, a atenção defensiva para impedir contragolpes, tudo isso não é obra do acaso. Jorginho Cantinflas já deu personalidade à equipe. Os zagueiros de área se atrevem a avançar para facilitar a vida dos jogadores de meio de campo em penetrações sem bola. O volante Leandro Silva tem senso de posicionamento extraordinário. Quando a equipe precisava de mais intensidade após sofrer o gol no começo do segundo tempo, Leandro Silva menos móvel foi jogar de zagueiro e o zagueiro Rodrigo Sam, mais leve, avançou com volante.
Adversário competente
O São Caetano sentiu na pele as dificuldades de enfrentar um adversário tão competente. Tanto que, na primeira etapa, mesmo com controle do jogo nada acentuado, só ameaçou o gol do bom goleiro Richard em finalizações de fora da área ou em bolas paradas. Mas nem as bolas aéreas tiveram efeito: o Água Santa também não deu espaço por cima.
Quem não foi ao Estádio Anacleto Campanella no último sábado não sabe o que perdeu. O futebol da região nunca contou com duas equipes tão capacitadas a chegar numa mesma temporada ao principal campeonato estadual do País. Basta que não se matem nas eventuais semifinais. O São Caetano não tem a versatilidade de ocupar espaços ofensivos do Água Santa, mas como melhorou muito em relação às temporadas passadas, tudo indica que chegará a um equilíbrio nas rodadas subsequentes. Assim o time ficaria mais qualificado ainda, porque o sistema defensivo é um encadeamento de dificuldades operacionais aos adversários.
Não apostaria um tostão na vitória de uma das duas equipes num eventual novo clássico na fase decisiva da Série B. Mais que qualquer outro clássico regional que assisti nos últimos anos, São Caetano e Água Santa são um desafio à compreensão do que pode ser projetado num novo jogo.
O Água Santa parece encantar mais pela fluência coletiva e por certo refinamento nas jogadas. O São Caetano oferece o contraponto de que dá menos valor à plástica em favor da objetividade. Foi assim que ganhou o jogo que decidiu a liderança. Um jogo que merecia mais público e transmissão da TV.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André